Le Artista da capa * 315, Atelier Concorde

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* Originalmente publicado a 24 de Novembro de 2011, na Le Cool Lisboa * 315

Le Capa * 315

por Atelier Concorde

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* Originalmente publicado a 24 de Novembro de 2011, na Le Cool Lisboa * 315 

Le Entrevista a Paula Pinto por Rafael Vieira

Numa estremunhada tarde de Outono em Lisboa, encontro-me com Paula Pinto e perante umas desafiantes Pataniscas de Bacalhau ao Adamastor.

A conversa fluiu entre garfadas de ataque ao Fiel Amigo e a longa carreira de Paula nos palcos, na Gulbenkian e no exterior, a plataforma Sentidos Ilimitados e o espectáculo Compota do próximo dia 30 ao Teatro do Bairro. Pelo caminho da conversa, foram surgindo outros temas, como a vida, o sonho, o futuro, metas e o suculento arroz de feijão que emparceirava a patanisca:

Fui bailarina do Ballet Gulbenkian durante 20 anos e saí dois anos antes da extinção. Sou de São Tomé e Príncipe, nasci em São Tomé, vivi na Guiné e um mês antes do 25 de Abril vim para Portugal. A dança começou em frente à minha casa na Guiné. Havia uma árvore muito grande, sempre com muita gente à volta, crianças a brincar, pessoas a tocar tambor. Portanto, era muito fácil, quando eu vinha da escola, participar daquelas celebrações. 

Que árvore era?

Ah, não me lembro. Era daquelas muito grandes, com a copa muito larga. Cheia de animais, pássaros, macacos... Gente sempre reunida, com crianças e era muito normal ir para lá dançar, tocar, bater com os pés no chão e tocar tambores.

Uma vez contaram-me uma história sobre uma árvore muito larga, comunitária. Havia sempre um bando por debaixo.

Sim, as pessoas juntam-se onde faz uma grande sombra, aproveitam para vender os seus artesanatos, a sua comida. Fazem ali as suas refeições, era tudo feito ali. Era como com os banhos, caia uma chuva torrencial e ia tudo tomar banho para o meio da rua. Era fantástico. Foi uma infância bastante selvagem, bastante ligada à terra e isso fez-me a pessoa que sou. Vem um bocadinho daí, dessa ligação profunda.

É muita memória.

Muita muita. E os cheiros. Ainda há pouco tempo cheirei uma caixa de caju. Eu pedi para trazerem caju em fruta, não sei se já provaste?

Provei.

Nós apanhávamos da árvore. Limpávamos e comíamos. Há pouco tempo uma amiga que me trouxe caju de Cabo Verde. E quando abri a caixa e cheirei, tive que me sentar, deu-me uma tontura. Levou-me à memória. Nem os comi todos pois alguns estavam já passados da viagem, mas só o cheiro, foi assim uma coisa...

E voltaste lá?

Não. Não voltei. Voltei a Cabo Verde e ao Senegal com o Ballet Gulbenkian, mas à Guiné nunca mais voltei. E São Tomé também não. De São Tomé saí com dois anos de idade e aquilo que me lembro é aquilo que os meus pais me contam. Gostava muito de voltar e até de trabalhar em São Tomé. Até cheguei a contactar a Roça de São João. Há aquele senhor, o João Carlos da Silva, com um programa em que cozinha ao ar livre. Eles têm uma residência artística e um centro cultural e já os tentei contactar. Mas também há muita malária e eu não posso levar o meu filho com 11 anos e não posso levar e expô-lo ainda assim.

Quando fui para Sintra fui para um colégio onde havia ballet e eu gostava imenso de ballet, de dança. E o meu pai ofereceu-me um livro, o Ballet Sem Mestre, que era um livro pequenininho que ensinava as primeiras posições, a técnica dos braços, a posição dos pés, o Arabesque, as mãos... a minha mãe dizia que eu andava sempre a treinar, agarrada à barra da cama a treinar.

Foi assim que começou a tua formação?

Primeiro em África, com as danças mais tradicionais, mais espontâneas. Tudo mais espontâneo. E, depois, nos bailaricos cá em Lisboa, com o folclore e as festas e os Santos. E a ida para Sintra fez-me conhecer esta escola, que era duma senhora inglesa, a Neilma Williams. Que foi a minha mãe do ballet, a pessoa com quem trabalhei esses primeiros momentos para aprender um pouco a técnica, para além do livrinho. E ela despois sugeriu aos meus pais levarem-me à Gulbenkian, porque a Gulbenkian fazia cursos de bailado e fazia audições anuais para integrar outros alunos, miúdos jovens. E tinham cursos de bailado que foram criados pelo Jorge Salavisa. Eu fui à audição, tinha onze anos, quase a fazer 12.

Isso não é considerado tarde?

Sim, pode ser considerado tarde. Mas tive a sorte de passar na audição. Eu e outra colega minha, que depois continuou a ser minha colega durante 20 anos, que é a Paula Fernandes, que é artista plásticae faz jóias com motivos do Minho. E, a partir daí, tínhamos aulas ao final do dia, andava em Sintra no liceu e vinha de comboio para Lisboa todos os dias ao final do dia para fazer as aulas de dança clássica e de dança contemporânea com a Manuela Valadas. Aulas com o Jorge Salavisa de pas de deux. Paralelamente a isso, havia muita gente a vir à Gulbenkian ver os bailarinos, o Jorge sempre foi uma pessoa muito interessada.

Em expor?

Não só em expor, mas também em dar novas oportunidades às pessoas. Havia por exemplo, o Fernando Lima, que era coreógrafo do teatro de revista e televisão. Ele foi uma das pessoas que nos angariou para fazermos coisas. Uma das coisas que fiz foi uma peça do Bernardo Santareno no D. Maria II, com Ruy de Carvalho, Rui Mendes, todos esses grandes do Dona Maria II - nem consigo dizer o elenco todo, e estivemos em cena nove meses, o que foi uma experiência brutal. Isto para uma miúda de 14 anos! Fiz também trabalhos para a televisão, o Sabadabadu, publicidades também, sempre pela mão do Fernando Lima, porque ele estava muito ligado a essas produções de televisão e teatro. Depois, aos 16 anos, o Jorge Salavisa convidou-me para entrar para o Ballet Gulbenkian, como profissional. E eu aceitei, obviamente.

Foste bastante precoce, então. 

Foi uma experiência gira, toda essa dinâmica da televisão, dos programas e o contacto próximo com os organizadores, com os assistentes, com todas as equipas. Todo aquele mundo, abriu-me... Sempre fui muit aberta, sempre me considerei não portuguesa mas uma mulher do mundo. Eu sou terráquea. Sou habitante do planeta Terra. Até haver outra novidade, para mim não há fronteiras, não há delimitação.

A ideia da portugalidade é o fado, não é estática. Temos muito da raiz africana, também.

Temos essa raiz, sim.

Sou sempre ávida de conhecimento, apesar de não ler jornais, não ver televisão, não ver as notícias. Mas gosto de estudar, gosto de me informar. Tenho amigos que me telefonam a dar as notícias.

Eu compreendo isso, também não vejo televisão. Até vi ontem, mas calhou, estava ligada e passei. A televisão nem é minha, é da casa onde estou. 

Investigo tudo o que tem a ver com sustentabilidade, com ciência, com diversidade, são coisas que me interessam. Novas descobertas da ciência, tudo isso me interessa muito, gosto muito. A expansão do Universo, isso é que realmente é importante, não se o Manel matou a Maria. Naturamente as pessoas morrem e nascem, a cada segundo, mas interessam-me outros tipos de informações. Faço a triagem da informação, daquela que me faz realmente pulsar e avançar e não aquela que me prende ao sistema no qual eu não me sinto muito pertencente.

A triagem é importante, há demasiado lixo.

Entretanto, achei que precisava de conhecer mais, de ampliar a formação em dança clássica e moderna. Pedi uma bolsa de estudo à Fundação, a qual não foi aceite. E, então, despedi-me, tinha 17 anos.

Querias ir para fora?

Sim. Eu queria ir para a London Contemporary, o The Place. Eu tinha feito uma audição e tinha entrado e apesar de já ser velha - eu teria 16, 17 anos. Eu já era velha, entre aspas, mas gostaram e escreveram uma carta de recomendação.

Estavas ainda no Ballet Gulbenkian?

Estava no Gulbenkian, sim.

Causa-me sempre estranheza falar de ballet e juntar-lhe contemporâneo. 

O Gulbenkian sempre foi contemporâneo, a partir da altura que eu entrei, já apanhei numa fase neo-clássica a caminhar para o contemporâneo. Já não se faziam aquelas produções clássicas tradicionais, já não se fazia. A última que vi foi quando tinha para aí nove ou dez anos e foi o Quebra-Nozes. Eu assisti ao Quebra-Nozes e disse à minha mãe: "Mãe, eu quero estar ali naquele palco, eu quero ser bailarina com esta companhia."

Passados uns anos, conseguiste.

E fui.

Associa-se o ballet ao clássico.

Sim, associa-se ao clássico. Dança contemporânea é dança contemporânea. Tem várias famílias, várias vertentes ou caminhos.

Variantes. 

Variantes, sim. Dança moderna, Isadora Duncan, Martha Graham e por aí fora.

E foste para Londres?

Acabei por não ir para Londres, porque não ganhei a bolsa de estudo e não tinha capacidade financeira para pagar a escola. Despedi-me e fui para o centro de dança da Rosella Hightower em Cannes, que é uma escola internacional. Fantástica, onde tive parcialmente uma bolsa de estudo. Durante algum tempo trabalhei com o marido da Rosella Hightower, na construção de grandes guarda-roupas para ópera. Ele era figurinista e cenógrafo e na casa dele tinha um atelier enorme onde tinha duas costureiras. E eu fui ajudante, separava as peças, ajudar a colocar os brocados e a fazer as missangas. E aí também, o lado meu de figurinos, também o fiz. A oportunidade de trabalhar com ele foi muito gira, a oportunidade de observar, pois eu estava ali a ajudar e a assistir. E depois fazia a escola e aquilo era o que ajudava a pagar a escola. Depois, para ganhar algum dinheiro, criámos um grupo de breakdance, mais três rapazes.

Isso foi quando?

Teria 18, foi em 84. Sempre gostei muito de dança jazz, de flamenco. Sempre tentei fazer uma formação ampla, tem a ver comigo. Eu gosto de tentar isto, de tentar aquilo. Claro que aprofundei mesmo a dança clássica, a dança contemporânea. Mas depois também a dança jazz, disto e daquilo, experimentar um pouco de tudo. Agora ando a querer aprender a dançar o tango, a dançar o tango à séria.

Depois, ao final de um ano, recebi um novo convite do Jorge Salavisa, Director Artístico do Ballet Gulbenkian, nessa altura. E aceitei, com o meu coração muito grato, porque eu sou portuguesa, apesar de ser uma mulher do mundo. Sou patriota, gosto muito de Portugal e acho que temos aqui muito para dar e é bom voltar para casa. Foi mesmo essa sensação que eu tive, de voltar para casa.

Não ficaram ressentidos? 

Não, não havia razões para ficar.

Nas áreas criativas há uma coisa essencial, que é a mobilidade. 

Também acho, é muito importante. O que é mais importante mesmo é a partilha de ideias, e não digo o confronto, confronto é uma palavra muito forte. Mas o facto de te dispores voluntariamente a novas culturas, de forma a testar novas ideologias, novos ambientes. Tudo isso, é enriquecedor.

Voltei para o Ballet Gulbenkian, foi maravilhoso, reencontrar muitos amigos e colegas da escola. Aquele ano em França foi muito importante para mim, para o meu crescimento especialmente como pessoa. Voltei para casa sem perspectiva de voltar a sair tão cedo. Andava sempre aqui e ali. Fui uma pessoa que ganhei poucas raízes e voltar para casa naquele momento foi importante para ajudar a construir uma base. Mas foi sol de pouca dura, pois ao fim duns anos já estava outra vez com vontade de sair para aprender mais ainda, apesar da experiência no Ballet Gulbenkian foi um privilégio, incrivelmente enriquecedora. Os coreógrafos que vinham, toda a dinâmica, o repertório que tínhamos, as viagens que fazíamos. A companhia é reconhecida internacionalmente.

Conseguias propor as tuas ideias? 

Havia espaço. Foi daí que surgiram muitos dos coreógrafos que tens por aí. A Olga Roriz, a Vera Mantero, tanta gente que entrou nos estúdios coreográficos do Ballet Gulbenkian.

Era um ambiente fértil para criar.

Muito muito. Sempre houve um espírito muito familiar de reaproveitar tudo o que havia de figurinos, de cenografia de obras anteriores que tinham sido feitas. Mais uma vez precisei de apanhar ar e fiz um projecto com o Jan Fabre. Precisava duma pessoa para integrar a equipa dele para fazer uma criação no Frankfurt Ballet e ele veio na altura a Portugal. Não sei se assistiu a um espectáculo, mas disse-me: “Queres vir comigo?”, “Quero.” Então estivemos quinze dias na Bélgica a tentar estruturar a criação que ele ia fazer para o Ballet de Frankfurt, para a companhia do Forsythe. E depois fomos viver para Frankfurt durante dois meses e meio e a trabalhar todos os dias com o Ballet de Frankfurt. Foi uma coisa espectacular, não tanto a obra do Jan Fabre, mas a experiência com o Forsythe e com os bailarinos, excelentes bailarinos. E depois daí fui para Nova York, fui bolseira e estive lá uns meses, até – se não estou em erro - Maio de 91. E ali fiz aulas com todos aqueles que já ouviste falar, com o Cunningham e mais.

Depois, Lisboa. Nova Iorque foi extenuante, não só pela experiência de andar de um lado para o outro de Metro, mas também porque fazia cerca de seis aulas por dia. Eu chegava exausta ao final do dia. Eu sinto Portugal dentro de mim, adoro estar aqui. O que eu mais gosto é mesmo a humanidade, a humanidade do português.

(Passa uma versão portuguesa dum Chakda, ao qual a Paula tira foto com o telemóvel e eu explico o que é de facto um Chakda indiano)

Há muito muito para ver, tanto para descobrir.

Quando eu voltei para o Ballet Gulbenkian, continuei o meu trabalho e chegou a altura de parar. Eu tenho muitas lesões físicas e depois fiquei grávida, também. Foi outro projecto e a dança ficou para trás, já há nove ou dez anos que não faço nada na área. Quando eu saí da Gulbenkian, fui ainda trabalhar com a Olga Roriz durante um ano e meio, fizemos umas produções juntas, como bailarina ainda. E, depois, parei mesmo. Saí de Lisboa, fui viver para o campo, para junto do mar. E a minha vida, durante dois anos, resumia-se a fazer meditação, em levar o meu filho à escola e a estudar, a pesquisar, a aprender, a procurar resposta para a transformação que eu própria estava a sentir. Fiz muitos cursos pequeninos, de gestão de projectos e de gestão de projectos culturais. Pequenos cursos de formação. Comecei a sentir que precisava de aprofundar conhecimentos. Inscrevi-me na Universidade, tenho estado a fazer uma licenciatura em estudos artísticos.

E foi então que surgiu essa intenção enorme, que eu não podia mais fingir que não estava a acontecer e achei que era interessante criar uma entidade que pudesse ser e representar esse sentido e propósito de vida em todas as direcções. E dei-lhe um nome, Sentidos Ilimitados. E se reparares nas iniciais, formam SI. O sentimento de si.

Não acolhendo apenas a dança.

Em todas as direcções. Claro que a minha formação é de dança.

A Compota surge dentro dos Sentidos Ilimitados.

É anterior à criação da marca, que a SI é uma marca registada e que depois se tornou em associação. A Compota surge numa brincadeira em que se falava “Vamos juntar artistas e fazer uma jam”, e alguém disse “Ah, ya, vamos fazer uma compota.” Foi o Vítor Garcia, que também foi bailarino e que trabalhou muito tempo no Ballet de Frankfurt e que agora é professor aqui na Escola Superior de Dança e que trabalhou muitos anos com improvisação. Excelente pessoa, excelente bailarino, excelente mestre de bailado. E, em conversa com o Vítor, começámos a brincar. “Olha, compota.” “Compota é giro, bora lá.”

Começámos a organizar umas sessões aqui no Conservatório, cederam-nos a sala, começámos a juntar artistas e muita gente veio. E tomou proporções muito grandes, agora são cerca de duzentos e tal colaboradores. Era muita gente a querer participar de várias áreas. Mas aquilo chegou a um ponto, que sem uma estrutura por detrás e sem uma equipa de gestão de projecto, se tornou insustentável. Eu queria criar uma marca e não o fiz e então o projecto esteve parado durante cinco anos. Em 2009, a pedido de várias famílias, como se costuma dizer, recuperei o projecto.

E a marca?

A marca surge duma motivação artística de querer providenciar um serviço que seja verdadeiramente útil, que as pessoas possam mesmo beneficiar pelo contacto, pela proactividade, pela proximidade com o projecto em si. Não só o artista ou o colaborador da actividade, mas quem está presente também possa beneficiar. Que seja uma actividade que toque as pessoas e que possa conduzir a uma ideia de serviço pelas artes. Pela ideia de progresso enquanto artista e enquanto pessoa.

O Manifesto ID justifica-se por esse querer?

E a Compota também.

A Compota é uma mistura de várias coisas.

É uma mistura de ingredientes.

E cada espectáculo é diferente.

Sempre diferente. É única e irrepetível. Estamos a falar de improvisação, é composição improvisada que não é possível de replicares. Há imenso material no canal Youtube da Sentidos Ilimitados. Há muita coisa. E são sempre diferentes.

E depende também de quem está presente.

Depende. Há ainda e é perfeitamente normal, alguma resistência por parte do público de participar. Apesar de o desejar ardentemente, ainda tem algum receio. Eu acho que as pessoas gostam de se sentirem integradas nas coisas.

Agostinho da Silva dizia que todos nós “somos estrelas de brilho ímpar.” E que ele, não tem o direito de dizer o que deve ser feito, mas ajudar para seres tu próprio. O mesmo dever que ele consigo próprio é de ser quem ele é. Um direito e, ao mesmo tempo, um dever de ser quem ele é. E a ideia de ser o que sou, com toda a sua exuberância ou não, porque nem todas as pessoas são extrovertidas. Interessa valorizar o que és e aquilo que sabes. Todos nós somos criativos, todos temos capacidades que devem ser nutridas.

Eu costumo dizer que cada pessoa, mesmo por mais desfasada que pareça, tem sempre algo para oferecer.

Eu acredito piamente nisso.

Nem que seja a fazer uma tarte de maçã.

Por isso eu dizia que acredito na pessoa, acredito na humanidade. Na identidade, e daí o manifesto identidade.

O Manifesto iD. 

Identidade.

Explica-me um pouco...

O Manifesto iD? Eu estreei um solo na Malaposta e o Manifesto iD foi um estudo meu sobre a minha natureza, a natureza humana. E fiz um solo como um desafio para mim própria como outra coisa que eu queria oferecer. As pessoas gostaram bastante. E o meu grande objectivo era tocar, tocar-te. E emocionou-me.

Tudo o que tens feito, anda muito à volta da identidade, da participação.

Sim.

Parece-me a procura da essência. 

Eu acho que não ando à procura da essência, eu acho que já vislumbrei.

Queres é partilhá-la.

Quero é partilhar esse sentido e esse propósito, o sentido de vida e esse propósito meu. O que eu gostava mesmo é que as pessoas redescobrissem isso em si e pudessem partilhá-lo também. Porque é que o Agostinho da Silva eu me sinto tão próxima – apesar de não ter lido a obra toda. É um pedagogo, existe arte no saber e no fazer, toda a sua obra é muito humanista, universalista. É assim que me vejo, cheia de humanidade, e quero os projectos que se façam providenciei essa oportunidade a quem participa. Não é uma coisa que se possa fazer de repente, para as massas, mas um trabalho muito íntimo, muito cuidado, muito delicado, com muito amor. Porque não pode ser feito doutra maneira. As pessoas são muito diferentes, cada pessoa é um mundo.
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Enlaces

Sentidos Ilimitados YT : www.youtube.com/sentidosilimitados

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* Originalmente publicada a 24 de Novembro de 2011, na Le Cool Lisboa * 315

Le Capa * 314


Por Rita Sales Luís

Le Entrevista ao elenco d'A Fuga por Pedro Alfacinha


Pedro Alfacinha da Le Cool Lisboa encontrou-se com o elenco da peça "A Fuga" que está ainda em cena no Teatro Tivoli por Lisboa. Bem humorado o grupo, foram respondendo sem ziguezagues ao ziguezagueio do Pedro pela produção. E sem fugas.

PA - Pedro Alfacinha
MR - Maria Rueff
JPG - José Pedro Gomes

PA - Falem-nos um pouco do que trata a peça.
MR – A ideia é justamente não se perceber. Não se pode dar o trunfo, é uma comédia de enganos, de surpresas e portanto como em todas as comédias não se pode dar logo a chave porque desvia a atenção do espectador, digamos assim. A graça disto é que é justamente parece que é mas não é, no fundo a comédia é assim.

Le Capa * 313


Por Inês Caria

Le Crónica ao OUT.FEST 2011 por Hugo Strawn | Fotografia por Rula Domínguez

O fim da música

O Out.Fest não é um megafestival nem coisa parecida e ainda bem. Não há confirmações conformadas, nem seguidores incondicionais: há a tentativa de criar espaço, olhar em frente e atrair um público que seja criativo e interessante. Pela música, para descobrir. O Barreiro não quer as massas, pois disso tem outro conceito. Se já noite longa alguém tripa de forma estranha, a ameaçar cenas menos dignas, leva um toque e um «olha pró palco chavalo!». É uma forma do velho orgulho operário que caracteriza a cidade, que tenta redesenhar-se no meio da tormenta.

Sons do Arco Ribeirinho Sul, um nome burocrático para um projecto louvável. Possivelmente e desejavelmente o que mais perdurará deste festival. O que não é pouco. Um projecto de longa duração, apresentado nesta edição e que se alongará por quatro. Luís Antero, fonografista, músico e radialista, a recolher sons do Sapal de Coina, da Mata da Machada e da frente industrial ribeirinha. Do Barreiro portanto. Da foz do Coina aos silvos das fábricas. Não é para pusilânimes.

E então os três últimos, digamos, artistas do festival: Stephen O'Malley, Damo Suzuki & Sunflare, Oneida. O fim da noite de sábado...

Stephen O'Malley resumiu: um ensaio sobre o metal. Apostando bastante no impacto físico do som, não para abanar o capacete (como se costumava dizer nos tempos em que o metal era popular...), mas para causar uma impressão de explosão atómica, um processo caracterizado por súbito aumento de volume e grande libertação de energia. Deflagração. Prelúdio afinal.

Damo Suzuki começou a noite no bar dos Ferroviários, calmo, ao lado das taças e por detrás da banca de souvenirs. Chapéu de coco, sorriso tranquilo, um buda da combustão. Subiu ao palco com três rapazes com ar rockeiro familiar e parece que ninguém se lembrava que estava diante do vocalista dos Can. Já não é, mas foi dos Can. E para quem esperasse piscadelas de olho, Damo, com ajuda é certo, mas sobretudo ele, largou uma descarga de voz-ruído, pseudo-metal, pseudo-nada, insuportável: Insuportável?! Quando Demo acabou já o público estava embriagado, as suas palavras gritadas (japonês?! inglês?! português?!) e aquele ruído todo soavam a melodia, canção que fica no ouvido. Mais e mais e quando acabou a performance barreirense da sua never ending tour, os humanos ali presentes deram conta dos estado dos seus aparelhos auditivos e ficaram perturbados e contentes. Uma experiência estética. Concerto do ano? O que é que isso intereressa? Quantos tatamis terá o laboratório de Damo?

Para acabar, os Oneida. Não houve canções. Houve ruído, descargas de guitarra e o funeral do rock. Música?! Isso perguntam os Oneida. Banda sonora de bombardeamentos em directo, melódicas, do momento da vingança, do descolar dos caças. Com os Oneida a coisa acabou. Só ficam uns rapazes ainda a tocar. Uma reflexão sobre o silêncio feita de granulação. Quando vivemos?


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* Originalmente publicado a 10 de Novembro de 2011, na Le Cool Lisboa * 313

Le Entrevista a A Mami por Rafa


Se um estranho te perguntasse "qué feito", que lhe dirias?
“Olhe vai s’andando, às vezes sentada, às vezes voando!”

Desmancha lá o puzzle do teu nome, donde brotou o Mami?
Não. Existem várias teorias místicas sobre o tema. São quase todas absurdas e, como tal, devem ser incentivadas.

Foste a editora da Le Cool e debitas texto para os Guias ConVida. E agora, onde dedilhas tu?
Já escrevi para muitos lados e algumas gavetas. Agora, para além dos Guias Lisboa Convida (saem em Novembro) e os clips de Lifestyle Compal do canal FOX LIFE, ando doida com o meu novo alter-ego…

Comenta-me esse projecto que trazes aí na palma da mão, A Arqueolojista, posso contar aí com pérolas genuínas da arte de bem vender e comprar?
A Arqueolojista é melhor que Ferrero Rocher. Adora descobrir lojas e sítios velhinhos, do tempo que o “chefe e a dona eram tu-cá-tu-lá”, nesses dias dourados em que o freguês tinha nome, as coisas custavam “100 mél-reis”, os Evaristos tinham de tudo e dava para “anotar no caderninho” e ir lá pagar no fim do mês. Ainda existem tesourinhos destes por aí escondidos e A Arqueolojista vai coleccioná-los todos.

Le Capa * 312


Por Rita Sales Luís

Le Vitória 9

Quito, capital do Equador.

Foi este ano nomeada Capital da Cultura 2011 da América Latina. A 3200 metros de altitude, uma cidade grande, verde, com bastante movimento e muito frio. Apanho um autocarro que diz: “ La mitad del mundo”. Uma viagem que dura aproximadamente uma hora e meia. Chego a uma grande torre que diz: “ Latitude zero, a 2483 metros de altitude”. No seguimento dessa torre há uma linha desenhada no chão em sentido vertical, onde coloco um pé em cada lado. O único lugar no mundo onde podemos estar ao mesmo tempo nos dois hemisférios.