Le Entrevista a Anna Glogowski por Rafael Vieira


A meio caminho entre o início e o fim do doclisboa 2011, pergunta-se à sua actual directora, Anna Glogowski, sobre a sua relação com o documentário, com o doc e com Lisboa. Um relato próximo e documental da vida de alguém que encabeça aquele que é, neste momento, o segundo maior festival dedicado ao documentário na Europa, logo depois do IFFR de Rotterdam.

Apresente-se e partilhe por favor a sua relação imediata com Lisboa - como lhe surge Lisboa no percurso.

Tenho um afecto particular pela cidade de Lisboa, onde vivi de 74 a início de 78, trabalhando como socióloga e colaborando em alguns filmes ligados ao PREC.


Brasileira residente em Paris desde os anos 65, tendo amigos portugueses que se encontravam em Paris naquela altura, foi muito naturalmente que vim aqui parar depois do 25 de Abril. Desde então tenho vindo a Portugal regularmente. Fui júri do doclisboa em 2005, e em seguida fui convidada pelo Sergio Tréfaut a fazer parte do Comité de Selecção da competição portuguesa desde 2007.O que significa que desde 2007 tenho visto a safra dos documentários portugueses do ano.

Está associada ao doclisboa e ao documentário já há algum tempo. Será caso para o referir como uma verdadeira paixão? Como evolui - como revolve - o documentário na sua carreira e vida.

Quanto à minha relação com o documentário, é realmente uma relação de paixão. Como estudante de sociologia tive a sorte de frequentar as aulas de Jean Rouch na Faculdade de Nanterre - que criou um curso intitulado "Cinema e Cências Humanas". E foi assim que descobri o documentário. Mesmo depois de acabar o curso continuei a frequentar as aulas do Rouch que eram um ritual regular todos os sábados na sala da Cinemateca Francesa, até quase à sua morte.
Essa "paixão" levou a que me candidatasse a trabalhar numa nova televisão criada em 1984 em França, o Canal Plus, 1º canal privado do país, onde fiquei durante 18 anos, como sub-directora e em seguida directora do departamento de documentários do canal. Foi lá que tive a ocasião de iniciar filmes da Agnès Varda, Raymond Depardon, Jean-Xavier de Lestrade, Nicolas Philibert e muitos outros.

Saí da televisão em 2002 e fui trabalhar para um novo festival iniciado pela Câmara Minicipal de Paris - PARIS CINEMA onde fui programadora até o final de 2005. Regressando em seguida à televisão pública francesa desde 2005, sempre na produção de documentários, continuei a recomendar filmes para vários festivais de documentários, a ser júri, etc.


Portugal e o documentário. O primeiro está enfermo e o segundo, estará de boa saúde? Refiro-me naturalmente ao documentário português, se bem que poderá referir o documentário a nível global, já que teve experiência fora do contexto português.

O documentário português sofre da redução de meios financeiros tal como em todos os países, ou quase. Mas devido ao facto de que a televisão não é o único motor de produção dos mesmos, existe uma liberdade criativa maior aqui do que nos países em que a televisão é o principal financiador dos filmes, impondo temas e estéticas muito normativas e formatadas.

No entanto penso que seria interessante investir mais tempo no acto de produção do ponto de vista criativo, porque muitos dos filmes portugueses são realizados numa grande solidão, e carecem de um olhar exterior que ajudaria a apertar certos parafusos. Esse ano o doclisboa apresenta 4 primeiras obras na competição portuguesa, o que é formidável e que dá todo sentido à própria existência do festival. Há também um filme português na competição internacional, o que não acontece há 5 anos.

Quanto ao doclisboa 2011, tem crescido na participação e adesão? O que espera desta edição dum Festival que é uma das maiores montras do cinema em Portugal? O ser de género e não generalista (em formato e não temática) causa-lhe erosão?

Este ano as salas têm estado cheias e já se venderam muitos bilhetes, muitas sessões esgotadas, e as salas estão cheias de gente jovem, o que tem impressionado os nossos convidados estrangeiros e isso é formidável. Ainda é cedo para saber se nos vamos aproximar dos números do ano passado, onde havia mais salas e mais filmes, mas penso que os números que temos até agora são excepcionalmente altos, dada a situação financeira do país.

A procura pelo documentário explica-se também pela necessidade que as pessoas têm de entender o que se passa no mundo, passar por detrás dos bastidores e por detrás das informações que nos invadem o dia inteiro sem que se conheça sempre  a razão das coisas.

Destaque-me três momentos - ou mais, se vir necessidade de aproximação à programação - imperdíveis nesta edição, secções/masterclasses/seminários.

Hoje é-me difícil recomendar um filme mais do que outro. Posso recomendar as sessões dos filmes dos Movimentos de Libertação de Angola, Guiné Bissau e Moçambique, que decorrem no São Jorge, assim como o Mama Africa da secção Heart Beat, e Michel Petrucciani... e o filme 25 de Celso Luccas... mas devo também recomendar os filmes da competição internacional e portuguesa.

Afastando do Festival e pensando em Lisboa. Lisboa é terra fértil para documentários, que lhe apetece comentar sobre a cidade.

Em Lisboa há lugares como o Cais das Colunas, e os Miradouros da Graça, ou a cafeteria do Museu de Arte Antiga que me comovem sempre da mesma maneira. Ou a travessia do Cacilheiro de lá para cá ao pôr-do-sol.

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doclisboa.org

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