Le Entrevista a CSNF (Canhão + Sousa + Nogueiro + Ferrandini) representados por Rui Nogueiro e por Pedro Sousa por Pedro Tavares


Entrevista aos CSNF (Guilherme Canhão + Pedro Sousa + Rui Nogueiro + Gabriel Ferrandini), representados por Rui Nogueiro e por Pedro Sousa.

Como se desenvolveu esta parceria (Canhão / Nogueiro / Sousa / Ferrandini? 

Rui Nogueiro (N), O Travassos [Jorge Trindade, Travassos], que é o organizador do Festival [comissário] falou connosco, não sei se individualmente.

Pedro Sousa (S), Isto foi essencialmente uma ideia do Travassos, porque já no ano passado tinha organizado um concerto de Sunflare no Festival Rescaldo e o Travassos conhece bem o nosso duo, o duo que eu tenho com o Gabriel [Pedro Sousa + Gabriel Ferrandini], e ele achou que nós precisávamos dum baixo e duma guitarra para aquilo levar a outro nível e simplesmente fazermos uma música diferente. Portanto isto, no fundo, foi tudo da cabeça dele.


De algum modo os The Ex Guitars meet Nilssen-Love / Vandermark Duo, que atuaram na última edição do Jazz em Agosto em 2011, serviram de inspiração para esta iniciativa?

(S) Eu diria, do que nós vimos até agora, das nossas referências e do que eu conheço dos Sunflare e da nossa própria música, de mim e do Gabriel enquanto duo, eu diria que a maior referência é Peter Brötzmann. Pelo menos foi das primeiras coisas que tocámos foi logo isto. Mais do que Vandermark e The Ex. É uma linguagem diferente, a minha com o saxofone e com o Guilherme a tocar, não é a mesma coisa. É muito diferente, diria eu. Nesse aspeto até faz lembrar mais Original Silence (risos) do que os The Ex e o duo do Paal [Nilssen] com o Vandermark.

Quais são as vossas influências musicais?

(pausa e chocalhar de ombros)

Esta pergunta é sempre...

(N) A resposta vai ser aquela genérica, é que são tantas e tão díspares. Ainda por cima em quatro pessoas aposto que já nem está em causa quais são as referências, vai ser uma sintonia diferente.

(S) É isso, pessoalmente eu também estou completamente de acordo com a resposta do Rui, só porque as pessoas estão sempre a descobrir coisas completamente novas. Nas últimas semanas estou a ouvir black metal.

(N) E eu lembro-me que houve uma altura em que estive convosco na ZdB (aponta para Pedro Sousa) e, a uma dada altura, comecei a falar de jungle e descobri que eles os dois eram autênticos aficionados de jungle. Sabiam muito mais e conheciam coisas que eu fiquei... hoje em dia as pessoas têm acesso a tanta música que a influência é uma coisa própria, só. Ou seja, acaba por não influenciar muito o que vamos tocar depois em conjunto.

(S) É um bolo, não é?

(N) É.

(S) Quando nós estamos a tocar, por exemplo o jungle, o jungle pode não estar lá visível, mas a atitude e os extremos, [a influência] é mais pelas dinâmicas, pelas ideias subjacentes do que pela música em si.

Esta é para os Sunflare. Uma ideia objetiva de psicadelismo é transversal aos vossos temas. Concordam?

(N) Há aqui várias coisas. Primeiro, percebo que a pergunta esteja lá, mas nem vejo isto muito como Sunflare. Até foi uma coisa engraçada porque o nome que surgiu nem foi Sunflare com Pedro Sousa e Ferrandini, foi mais os quatro nomes. Que eu até acho mais interessante, no fundo são quatro músicos que se vão juntar e não tanto Sunflare mais o duo.

E, em relação a isso do psicadelismo, por acaso é uma coisa que eu não costumo... Fazem muita referência a Sunflare como música psicadélica.

Um rock psicadélico.

(N) E eu nunca percebi, porque nós no fundo não fazemos música sob influência do psicadelismo nem com esse intuito. Acaba por ser engraçada a referência contínua, quando nós nem sentimos muito essa associação.

Então qual é a essência inerente à vossa música?

(N) Liberdade, só. Sim, no caso de Sunflare sim. Mas lá está, aqui não sinto que seja tanto Sunflare, mas mais dos músicos. Uma coisa que eu sinto que há em sintonia com o [Guilherme] Canhão, com quem eu toco em Sunflare e em outras bandas e com eles, é a liberdade.

(S) Liberdade para nos exprimirmos.

(N) Exatamente.

A cadência instrumental lembra uma vertigem sonora. O psicadelismo foi a via mais indicada para transmitirem essa ideia?

(N) Pois aí se calhar, volto uma vez mais à liberdade. Se é uma vertigem sonora é aquilo que estamos a sentir naquele momento, é aquela vertigem que queremos transmitir. Mais por aí.

Qual é a leitura que fazem da vossa parceria? Que pretendem transmitir com esta simbiose sonora?

(risos)

(N) É mesmo isso, a simbiose sonora.

(S) Eu para ser sincero, agora que fazes essa pergunta, pessoalmente – e também o Gabriel sente isto, e acho que eles de certa maneira sentem isto. Acho que todos nós estamos [expectantes] no que irá acontecer enquanto grupo, porque é daquelas coisas que sentimos que há imenso tempo que tinhas que acontecer. Eu sinto isso há imenso tempo e dá-nos oportunidade para explorarmos registos de som, seja em torno do rock, seja em torno do noise, seja em torno do que quer que seja.

Tem a ver com aquela ideia subjacente que as pessoas têm das bandas explosivas, uau, aquela banda toca mesmo a abrir. Mesmo alto. Eu pelo menos nunca tive um projeto assim. Eu há imenso tempo que me queria juntar aos Sunflare ou estas pessoas, estes músicos, para poder deixar isso acontecer. Acho que a simbiose vai ser um desejo enorme das pessoas se juntarem e fazerem algo com imensa energia e ainda mais do que já havia antes e ver o que é que dá.

Qual é a expectativa que fazem da reação do público? Aqui duma forma mais geral, uma coisa é o público que vai ao Rescaldo, que é um público mais concreto. Mas depois há aquele público que não sabe, que está de fora.

(N) Muitas vezes, aqui enquanto toquei com Sunflare, mas noutros projetos que tive, há muitas vezes essa pergunta ou quase. Tenho que ter cuidado com as pessoas, o volume que nós tocamos ou a forma como nos exprimimos, às vezes, tenho que ter cuidado de como as pessoas vão reagir ou vão pensar. Será que vão gostar? E, a dada altura, apercebi-me, honestamente, que nunca pensava muito em como as pessoas iriam reagir, desde que o que eu fizesse fosse aquilo que queria fazer naquele momento. E até uma coisa engraçada é não pensarmos muito no que vamos fazer, porque queremos deixar para o momento.

Mas preocupa-te se as pessoas vão gostar?

(N) Não. Não faço obrigatoriamente de forma a que as pessoas não gostem, mas apercebo-me que, no fundo, não tenho esse pensamento. Mas estou aberto, se a maioria disser “não gostámos.” É justo, é sempre uma opinião. Ficaria triste se as pessoas gostassem e eu não. Gosto de sentir o que estou a tocar.

(S) Em momento também tenho essa atitude. Acho que é muito importante enquanto se está a tocar, desligar da reação do público e ignorar as expectativas do público, se saem defraudadas ou não. Nada disso no fundo é muito importante. Porque isso no fundo é muito constrangedor para quem está a tocar, pensar nessas coisas, considerar essas coisas. Até porque estamos a falar de música improvisada, que nasce muito no momento, as dinâmicas podem ser muito extremas. E se nos preocuparmos e nos deixarmos levar pelo evento, pela música, pelo que estamos a fazer, descobrimos que enquanto artistas ficamos muito mais gratificados. Porque sentimos que estamos a exprimirmo-nos realmente como queremos, sem merdas, passo a palavra. E, pessoalmente, penso que isso tem resultados positivos, porque o público não é parvo, o público não é estúpido e o público sente quando uma coisa é 100% fingida ou uma cena que seja mesmo muito empolgante.

Nesse aspeto, os concertos de música improvisada, tanto os Sunflare, como o Gabriel, têm aquele aspeto positivo que é muito performativo. É uma coisa [que] nós estamos ali, nós mexemo-nos com a música, nós vibramos com aquilo.

(N) É do momento, como estamos naquele dia.

(S) E aquilo vai alto e vai baixo e vai agressivo. E isso tudo faz com que as pessoas, já tive muitas vezes esta reação, mesmo que não gostem deste género de música, dizem que ficam concentradas, não conseguem tirar o olhar. E isso é interessante nesse aspeto. Ficam vidradas, nem que seja pelo factor performativo. Muita gente nunca viu gente a tocar assim. E, nesse aspeto, mais do que a música, como evento, vai ser sempre uma coisa que envolva o público. Acho que é por aí. É um bocado isso.

(N) Só queria acrescentar que quando um músico diz isso, não é uma atitude [perversa] da parte dele, quando tocamos e damos o nosso melhor e quando há público que não gosta, é justo. Quando há alguém que diz que gosta, então ainda melhor. Para nós, se pudessem subir para o palco e tocar um instrumento e entrar naquele bolo de energia que às vezes formamos, isto neste caso, que acredito que poderá ser assim.

(S) Teoricamente e tecnicamente é sempre bom que as pessoas curtam, lá está, mas não nos podemos deixar envolver por essa questão. É um bocado por aí, há nichos para tudo.

É razoável pensar que os Sunflare voltarão a desenvolver este tipo de parcerias?

(pausa)

(N) Os Sunflare podem vir a fazer e no caso de mim e do Guilherme, que não é Sunflare [falta Raphael Soares, baterista, já entrevistado por aqui] também acredito que sim.

(S) O convite partiu do Travassos e quer corra bem, quer corra mal, há já uma sintonia, mesmo que nunca tenhamos tocado juntos.

(N) Antes do convite do Travassos, nós já falávamos disto, de tocar juntos, isto foi como uma desculpa para tocarmos juntos, portanto está tudo em aberto.

E porquê eles e não outros?

(S) Porquê eles? Pessoalmente, no caso dos Sunflare, quando os vi atuar foi como uma lufada de ar fresco. Estamos em Portugal e as coisas são sempre um bocado limitadas. Em Portugal, por exemplo, há muitos guitarristas, mas todos os guitarristas são muito específicos. E o Guilherme parece ser o guitarrista indicado para isto. Tal como o Rui, não há muitos baixistas neste país a tocar alto, a tocar com distorção, sem preconceitos, disposto a improvisar, disposto a não ter medo do que vai fazer. E a entregar-se à coisa, não há muitas pessoas assim dispostas para isso. E para mim foi isto, quando nós descobrimos, eu e o Gabriel, quando vimos os Sunflare pela primeira vez, pôs-se logo a ideia de que tínhamos de colaborar com estas pessoas. Porque têm um género de música explosiva e energética que nos atrai.

Mas antes disso falávamos doutros tipo de conjuntos, falávamos até em juntar Acre com os Sunflare mesmo, para termos duas guitarras e duas baterias e um baixo que seria o Rui. Aí seria Sunflare com Acre [Pedro Sousa + Gabriel Ferrandini + Filipe Felizardo]. As parcerias estão sempre em aberto para tudo e todos desde que faça sentido e que as pessoas sintam que há sintonia musical.

(N) Exatamente.

Está previsto o lançamento de um CD?

(S) Nós nunca falámos sobre isso. Claro que, se isto correr muito bem e esperemos que corra, poderá ser sempre uma hipótese. E acho que é ridículo nós dizermos que não irá acontecer, mais provável até que aconteça. Mas ainda não falámos sobre isso.

O que representa para vocês atuarem no Festival Rescaldo 2012?

(S) Já vai ser a segunda [atuação]?

(N) Se calhar para vocês...

(S) A mim é a terceira vez.

(N) Aliás, quando surgiu o convite para Sunflare o ano passado para mim foi uma óptima notícia, porque eu já adorava. Conhecia o Travassos de nome, como qualquer um da Trem Azul e da Clean Feed e nunca imaginei que fossem estar interessados numa banda como Sunflare. E, isso para mim, demonstrou que havia interesse fora daquele circuito que eu não conhecia. Ou seja, não era estar a julgar, era não querer entrar para esse circuito e dizer “tentem marcar concertos para os Sunflare.”

Porque pensaste que não havia interesse?

(N) Na altura eu só conhecia o Rescaldo de nome e a única notícia que soube foi que íamos tocar na Trem Azul. Mas quando eu soube que eram as bandas que tocaram no ano anterior, fiquei surpreendido. Tínhamos dado alguns concertos, mas muito lá para cima e nós, enquanto Sunflare, não tínhamos noção de que as pessoas já tinham interesse em convidar-nos para um festival das bandas que marcaram o ano anterior. Foi uma honra. Isto como Sunflare. Este ano ainda é melhor, o podermos finalmente encontrarmo-nos com eles.

(S) Vai ser do caraças. Vou ser rockstar. Rockstar energy. Digo-vos já, se vocês batem no meu saxofone, eu espanco-vos.

(N) Eu vou tentar conter-me.

(S) Eles mexem-se muito no palco.

Eu vou ver o vosso concerto e espero não levar com nada em cima.

(S) Já tive problemas desses.

(N) Um deles foi na Trem Azul.

(S) Eu só não quero é que eles batam com o braço da guitarra ou do baixo no saxofone. Senão, vai haver porrada no meio do palco.

(N) Isso faz parte da cena, não é?

Pedro Sousa e Gabriel Ferrandini [não presente], quais são as caraterísticas ou vertentes do jazz que estarão mais presentes no Festival Rescaldo?

(S) Então assim, em offline, lembra-me lá dos projetos, que não me lembro dos projetos todos. (Olhando para o programa) Olive Troops, Feltro, Tó Trips...

(N) Norberto com o Carlos Bica.

Calhau!

(N) E Cangarra no nosso dia.

(S) Eu diria que este ano até está muito pouco indicado para o jazz.

(N) Eu até gosto, para mim até íamos tocar só jazz, sem nada de energia.

(S) (risos) Se formos por aí, o que temos mais de jazz, é desde logo Norberto com o Carlos Bica. O Carlos Bica é, inevitavelmente, um músico de jazz, é a cena que ele faz. E o Norberto tem umas influências de folk, de blues, de bossa, tudo misturado, mas ele também tem um pé no jazz. Da maneira que ele compõe a música, mesmo que ele não seja na essência jazz, acho que esse concerto será o que terá mais. Mas todo o resto do line-up do festival, como os Feltro, como os Calhau!, todos eles, eu acho que são pessoas que tiveram contactos como o jazz na sua aprendizagem musical.

Não que necessariamente algum de nós faça jazz, nem o André Gonçalves com Feltro, nem os Sunflare, nem eu e o duo com o Gabriel, aquilo não é bem jazz, diria. Acho que tem mais a ver com um amor por improvisação, que não é um dogma. Não é um requisito ou um pré-requisito nós improvisarmos, mas o Festival mesmo assim vai ter muito de improvisação. Mas é mais pelo jazz enquanto estilo, enquanto música, que foi sempre aquela mutação.

E se estivermos a ver o line-up, o André Gonçalves nunca dá um concerto igual. Os Calhau! são muito baseados na performance e improvisam um bocado pelo meio das músicas deles. Nós vamos improvisar a 100%. Ou seja, vai acontecer aí muito que tem características de mutação, características de experimentação, de exploração. Não é uma coisa estática, uma música frígida e cristalizada. O jazz sempre se opôs a isso, sempre foi uma música quente. E é isso que vamos ter no Festival, música em procura de... coisas.

_
Concerto dos CSNF no Festival Rescaldo a dia 21 de Abril, Trem Azul Jazz Store às 23h

http://festival-rescaldo.info

www.myspace.com/sunflarefuzz
www.myspace.com/alfredocarajillo
www.myspace.com/gferrandini

Sem comentários:

Enviar um comentário