Le Entrevista a José Manuel Castanheira por Francisco Pinheiro


José Manuel Castanheira, homem dos sete ofícios, é uma das figuras de proa da cenografia nacional. Resumidamente poderíamos dizer de si ser um arquiteto de formação, pedagogo de profissão e cenógrafo de corpo e alma?

Sim, de facto considero ser cenógrafo. Não sei se de corpo e alma, mas com uma grande paixão e em permanente transformação. Dito isto de outra forma, o que me levou a ser cenógrafo não teve rigorosamente sempre a mesma causa e efeito. Os sonhos de criança e adolescente tinham em si uma grande e generosa carga de ingenuidade que foram amadurecendo com a experiência real, motor essencial da minha condição de cenógrafo.


Vou directo à pergunta fulcral, debatida por muitos e para a qual parece nunca haver uma resposta certeira. Afinal o que é a cenografia?

Bom, na sequência do que dizia atrás, qualquer tentativa de definição sobre o que é a cenografia passa pelo mesmo processo de permanente transformação que deriva dessa permanente inquietação sobre modos de representar a vida, modos de representar lugares para a ficção que, forçosamente não sendo algo de todo real, têm, como ponto de partida, a própria experiência de vida.

Parece que para se ser cenógrafo tem que se ser um misto de artista com caixeiro viajante, e o José Manuel certamente terá o seu quê de história a contar. Numa carreira profissional que abrange quase quatro décadas, quais as melhores memórias desta vida de saltimbanco?

Todas as viagens, mesmo as mais pequenas, foram sempre de uma extraordinária riqueza para mim enquanto cenógrafo. Não só enquanto ator das minhas viagens, mas talvez, também, como observador dos lugares descobertos. Sempre tive um grande fascínio pelo mundo em movimento, algo que tem que ver com o ato de estar sentado a olhar para o palco que é uma janela e por onde, de uma outra forma, passam fragmentos da vida em viagem. Assim, olhar pela janela do comboio ou do avião e ver desfilar o mundo, ou então sentado num café numa qualquer cidade a olhar para a rua, ou numa gare de aeroporto, sobretudo naqueles mais movimentados, são olhares de e sobre a viagem dos outros que é, também, a minha própria viagem.

Mas afinal de contas, a cenografia é coisa de Teatro, Cinema ou Televisão?

Isso é uma velha questão. A cenografia não é propriedade de nada nem de ninguém. Convém nunca esquecer é que a génese da cenografia está no fenómeno Teatro, e que todas as suas múltiplas e derivadas práticas devem sempre ter um olhar que advém de uma representação que bebe do Teatro. Se assim for, seguramente, coisas que aparentemente parecem longe da cenografia e do Teatro, seriam bem mais interessantes. Podem-se incluir como exemplos imediatos do nosso quotidiano que são também atos derivados da cenografia a publicidade, a televisão, o vitrinismo etc. entre outras tantas artes abrangidas pelo ato cenográfico.

Neste crescente interesse pelas artes cenográficas sei que é um dos pais criadores do curso de cenografia na FA/UTL. Como tem sido essa experiência?

Não sou pai de nenhum curso, nem de nada a não ser dos meus filhos. Lutei sim para que houvesse um curso de cenografia na Faculdade de Arquitectura onde dou aulas de projeto há trinta anos e, onde obviamente, coloquei à disposição toda a minha experiência profissional. O eco disso é uma enorme satisfação por ver, através dos estudantes a enorme alegria que eles transportam, alimentando o sonho de eles próprios, mergulharem no universo da cenografia.
Um exemplo muito forte deste contributo é a criação dos Encontros Internacionais de Cenografia, que só foram possíveis precisamente com a entrega e depósito de uma teia de relações profissionais adquiridas durante toda a vida.

Aproveitando que a cenografia está na ordem do dia, nomeadamente com o ScenaLisboa'12 já na sua segunda edição, como vê o panorama cenográfico nacional?

Bom, o panorama cenográfico nacional tem as mesmas virtudes e defeitos que o panorama das actividades artísticas em geral no nosso país.
Fazemos um esforço muito grande na criação da APCEN (Associação Portuguesa de Cenografia), precisamente para dar uma maior visibilidade e credibilidade a práticas profissionais que são muito maiores e diversificadas do que se pensa.
Neste momento torna-se urgente a definição do que é esta profissão e também clarificar o âmbito, as fronteiras, da cenografia. A Associação igualmente pretende contribuir para que práticas tradicionais da cenografia não desapareçam e sejam extintas por meras questões conjeturais/culturais.

Para fechar esta entrevista, como não poderia deixar de ser, descreva-nos qual o seu cenário perfeito?

O cenário perfeito é aquele que corresponde sempre a um fenómeno de comunicação perfeito. Por exemplo, só se concebe no Teatro dizer de uma cenografia excelente, se a mesma contribuir com eficácia total para o conseguimento do espetáculo. O mesmo se passa no cinema ou em qualquer outro contexto.
Não basta ser belo mas também eficaz. Se um cenário for só belo não é considerado boa cenografia, e se somente for eficaz, falta-lhe qualquer coisa.

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http://www.dsway.co.uk/castanheira

ScenaLisboa'12 | Encontros Internacionais de Cenografia : http://scenalisboa.blogspot.pt

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