Le Entrevista a Adriano Smaldone por Pedro Alfacinha


Entrevista  com Adriano Smaldone, programador da 5ª Edição da Festa do Cinema Italiano

Fala-nos um pouco do percurso feito pela Festa do Cinema Italiano ao longo destes 5 anos.

A primeira forma deste festival era uma mostra de meia dúzia de filmes italianos e surgiu graças à vontade de um grupo de amigos italianos que vivem em Lisboa já há alguns anos, em que cada um trabalha em várias áreas, em vários âmbitos mas devido à paixão cinéfila decidiram juntar-se e forma a Associação Il Sorpasso, que é a entidade organizadora do festival, juntamente com o apoio do Instituto Italiano de Cultura e da Embaixada de Itália. A origem, a génese deste festival é uma mostra para promover a cultura italiana através do cinema.

Que tipo de público frequenta este festival?

O nosso objetivo é que cada vez mais pessoas desenvolvam o interesse pelo cinema italiano mas pensando num contexto mais geral é bom que haja festivais temáticos, que mostre uma outra vertente. Esta é uma forma de o fazer mas há outras, tais como propor ciclos, propor retrospetivas ao longo do ano. A Associação Il Sorpasso pretende propor outro tipo de eventos ao longo do ano e não se limitar à organização deste festival.

Em colaboração com o Nimas foi desenvolvida uma parceria de programação, tem havido um conjunto de iniciativas, eventos em redor do cinema como é o caso do Cine-aperitivo que antecede a projeção de um filme italiano. Também está a tentar juntar-se com outro tipo de entidades que trabalham em Lisboa tais como a APORDOC com um ciclo de documentários, convidar os outros festivais a apresentarem uma programação contínua no Nimas ao longo do ano, que não seja localizada só no espaço e no tempo do festival.

É o caso da parceria com Festival Queer?

Sim, é um exemplo deste esforço conjunto que estamos a desenvolver e estamos a tentar também com outros festivais como a Monstra – Festival de Animação.

Pretendem realizar conferências, debates como forma de chamar a atenção para o cinema?

Sim, queremos convidar realizadores, produtores, fazer ciclos temáticos. O que é importante é oferecer coisas diferentes e que as pessoas falem sobre aquilo que viram, que sentem.

Faz falta uma reflexão sobre o cinema, um debate mais aprofundado, este festival, por exemplo, aborda temas tão diferentes como a xenofobia como no caso do documentário “Altra Europa” e o Amor no filme de Paolo Sorrentino “Le conseguenze dell’amore”, fala-nos um pouco sobre a temática deste festival.

Este ano à medida que fomos vendo os filmes que poderiam entrar na programação do festival descobrimos que havia uma ligação, um tema de fundo em comum entre eles, que é uma questão fundamental em Itália, que é a integração, a relação do povo italiano com os povos que vêm habitar o seu país e que contribuem para o desenvolvimento do país a todos nivéis, não só económico.

É  uma Itália que olha para si através do olhar do outro, do desconhecido, do estranho…

Exacto, foi um bocado assim automaticamente que nos apercebemos que os filmes tratam disso mesmo, da Itália ter que rever os princípios, os valores, que foram sendo ultrapassados pela retórica institucional e que eram propagandeados como a bases culturais do povo italiano, as raízes. Falamos de identidade, falamos de religião, dos direitos de trabalho, que depois na prática não são exercitados e garantidos a todos.

Passar do papel à prática no dia-a-dia…

Exacto.

Como a lei que impõe que um refugiado político ao entrar num determinado país europeu não pode viajar para um outro país europeu sem autorização desse primeiro estado que fica com as suas impressões digitais.

Como esta há hoje em dia outras políticas que são adotadas no âmbito da União Europeia que discriminam, que ostracizam a integração cultural dos que vêm de fora. Eu não concordo com estas leis mas também acho que é muito importante que haja um repensamento sobre isto, eu acho que há uma problemática da emigração.

A meu ver tudo ver com o acesso à cultura, quanto mais se conhece menos se tem medo. Temos um filme este ano na competição que não fala desta questão que é o “Ruggine”, que fala sobre o medo mas a partir de outra situação que já existia na Itália antes questão da emigração que é a migração interna, os italianos que vão do Sul para o Norte do país. O filme é baseado em Turim, num bairro de emigrantes do Sul de Itália no Norte. Os mesmos problemas os italianos já viveram na própria pele, os que hoje em dia têm medo dos que vêm de fora também eles foram alvo de racismo, pelo facto de serem diferentes.

É um duplo ostracismo…

Sim, as pessoas já foram discriminadas anteriormente e repetem esse comportamento em relação a terceiros. Eu acho que isto tem muito a ver com ignorância, com o facto de não ter acesso a outras fontes de informação e portanto só a contentar-se com o “main stream” da informação que lhes é passado. O nosso trabalho num festival deste tipo é também dar a ver coisas diferentes, dar acesso a pontos de vista diferentes sobre os assuntos, sobre a realidade.

Em relação ao filme que referiste “Altra Europa” é um documentário que exemplifica as dificuldades que os refugiados encontram ao virem para Itália. São marcados, carimbados pelo governo italiano, pelas autoridades da emigração e a partir daí encontram imensas dificuldades em circular para outros países europeus. Existe uma lei que faz como que essas pessoas se tornem propriedade dum determinado país.

São situações absurdas, na Alemanha por exemplo há imensos casos de emigrantes de segunda, terceira geração da Turquia ou do Líbano ou da Palestina que vivem, nasceram até, na Alemanha e hoje em dia são expulsos, não têm os direitos de cidadania alemã e eles nem estiveram no país de origem dos seus pais e dos seus avós, portanto eu acho que há um problema complexo na regularização desta questão.

Passaram uma retrospetiva do realizador Ermmano Olmi, como surgiu a ideia de a organizar?

Esta retrospetiva foi uma proposta que a Fundação Guimarães 2012 nos fez em colaboração com a Cinemateca Portuguesa para homenagear um dos maiores realizadores italianos ainda vivo. Surgiu como uma necessidade de oferecer a um público maior uma obra incontornável.

O Ermmano Olmi começa o trabalho na época do último Neo-Realismo. Na década de 50 começa a ter um peso cada vez maior na cinematografia italiana. A sua primeira obra de ficção surge no seguimento do seu trabalho como documentarista com méritos firmados. Ermmano Olmi é um realizador multifacetado, tem várias facetas, digamos que a atenção dele para com a realidade, para com os factos é a matriz dos seus primeiros trabalhos por isso é a referência do neorealismo, ou seja, trata sempre em ambientes reais, trata sempre com atores não profissionais.

Algumas das suas obras são um retrato da sociedade italiana naquele momento, duma Itália que estava a entrar num boom económico. Faz uma reconstrução minuciosa daquilo que era a vida na altura, naquela época. São filmes que nos dão uma visão poética dum realidade que doutra forma não teríamos acesso. Eu acho que é uma obra que era preciso dar a conhecer. Mesmo em Itália é um realizador pouco conhecido, ao qual nunca foi feita a devida homenagem. Repor o Mestre no seu lugar. É uma obra que abrange 40 anos ou mais da história italiana.

Este festival teve como sessão de abertura o filme “This Must Be The Place” de um dos mais conceituados realizadores italianos da actualidade, falamos de Paolo Sorrentino…

Em relação a Paolo Sorrentino é, digamos, o realizador de ponta do cinema italiano actual se é que se pode utilizar esta expressão. Sobretudo graças ao seu enorme talento na direcção e na escrita dos argumentos. Achamos que desde os seus primeiros filmes até ao mais recente filme tem havido uma evolução mas mantém as características que tornam a sua obra reconhecível. Sorrentino é o cinema no seu estado puro, na sua forma mais barroca, sendo difícil de encontrar outros realizadores italianos com a mesma mestria e talento.

Este último filme é a primeira incursão dele no universo cinematográfico americano com atores como o Sean Penn ou a Frances McDormand. É um filme que trata das questões fundamentais da vida humana, é uma busca pela sua própria identidade, a relação com uma filha. Ele é uma rock star que depois de uma vida excessos chega a um ponto em que vai à procura das coisas mais autênticas da vida.

É uma viagem ao mais profundo do ser humano…

O cinema americano é o verdadeiro road movie e nisto o Sorrentino foi muito perspicaz, soube captar o que de mais importante existe a realçar neste tipo de cinema. É uma das melhores realizações de Sorrentino ao nível dos seus filmes anteriores. Há outros realizadores italianos que foram filmar na América mas consideramos que é a melhor incursão no cinema americano.

Uma América real que não aparece muitas vezes nos filmes americanos…

Sim, como dizia anteriormente o olhar exterior muitas vezes ajuda, é mais profundo, é mais penetrante do que o olhar no nativo.

É um filme inquietante, não se fica indiferente ao vê-lo…

Sim, é um filme que não se fica sossegado, é preciso não ficarmos sossegados e com as perguntas ainda em aberto ao vermos os filmes. A obra de arte não lhe dá a razão de existir, tem que haver uma troca, uma partilha, neste caso com o espetador.

Para finalizar gostava que falasses um pouco dos diferentes eventos que aconteceram nesta 5ª Edição da Festa do Cinema Italiano.

Para além da já mítica Festa de Abertura no Largo Portas do Sol que este ano teve um sucesso inesperado, acho que tivemos o dobro das pessoas comparando com a edição anterior.

Ano após ano este festival vai consolidando o seu espaço e o público acompanha esta evolução. No último dia do festival, após a sessão de encerramento com o filme “Terraferma”, de Emanuele Crialese, tivemos um DJ-Vj Set chamado Frank Sent Us, quatro djs vjs italianos que vieram de Roma para apresentar o seu trabalho no Espaço Nimas. Foi a primeira vez que estiveram em Portugal. Para terminar em beleza houve uma festa no Lux, na qual o dj residente fez uma selecção especial para a ocasião especial.

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