Le Entrevista a Von Rau Pipiska (Le Cool Team) por Francisca Carvalho


Sabendo que V.Exª é de nórdica descendência, a luz de Lisboa é para a sua cútis um bálsamo ou um punhal?

Lisboa pode ser isso mesmo, uma luz transcendente que nos apunhala na esquina de uma rua. A minha humilde origem aristocrática remete-me para uns idos tempos passados em Kaalasluspa, Verões de cura solar, pelas bordas do lago Kaalasjärvi cujas águas têm ricos minérios protecionistas de dita cútis. Com a caída acentuada das noites (e porque não do valor das acções do senhor meu pai) e o frio tornando-se
em algo subsistente, a fuga solucionada trouxe-me até ao país dos brandos costumes e apunhaladas solares.

Tendo em conta a sua origem aristocrática, descreva para si o cenário mais horrendo:  Ser obrigado a cumprimentar o D. Duarte com as mãos a cheirar a camarão tigre ou com o blazer empestado de sardinha
assada.

Cresci entre as paragens reais mais monárquicas que uma Europa decadente pode oferecer, e indo eu, como boa educação juvenil de ocupação dos tempos livre, para o sequeiro do arenque e truta salmonada, apertar a mão de uma qualquer figura de proa real, com cheiro de carne de veado, alce ou mesmo peixe ressecado, parece apropriado desde que com um toque de Grav Lax. Dito isto, nada melhor que um surtido nórdico adaptado à realidade portuguesa. Num serão de convívio monárquico com os dignitários nacionais serviria a versão lusa do Janssons frestelse. E tenho dito, copo de água e palito!




Se em termos de protocolo oficial ficámos esclarecidos, se quisesse manifestar as suas intenções à sua predileta, convidava-a apanhar o elétrico 28 ou levava-a à Pensão Amor?

Sou romântico na essência e é no dialogo que encontro a mestria galopante para um bom serão amoroso. Ela vestida de azul no meio da multidão cinzenta. Eu com a minha Pripps Blå na mão. Entre os sussurros guinchantes do carril do eléctrico ela diz-me: 'Men jaha, vad händer då?' -  estavamos a passar pela Calçada do Combro e a música contagiava o ar. Acenei e sorri em concordância quando me perguntou de forma intima: 'Jag tror att du är den som har gjort det här?' E de facto o tinha feito. Sabia que o 28 era a sorte que me levaria até ao amor. Senti o coração palpitar, as mãos cruzadas e o diálogo adensou-se. A cidade ganhou os reflexos das luzes na noite.

A multidão ganhou cores e eu dela já só conseguir escutar, enquanto era arrastada pelas gentes: 'Du kan ju inte simma, såg du'. E era verdade. Pra próxima deixo-me de dialogos, vou antes para a Pensão Amor que ai
garantidamente não me afundo e o amor é ordem do dia.

Tem piada ter-se socorrido dessa expressão porque a próxima pergunta que tinha para lhe colocar era precisamente a de saber se, se pudesse fazer a viagem Barreiro-Terreiro do Paço no Queen Elizabeth II que cocktail vinha tomar para o tombadilho?

Pode que exista uma eloquência poética nesta que é a Riviera Lisboeta por excelência. Pode ainda que uma travessia transfluviária conote-se com festas, coctails e passeios ao entardecer. Partida ao rumo da
descoberta, salpicos das chegadas e corrupios das emoções tombadilhos afora. Pode tudo, mas pra beber, seja tarde da noite, entre refeições ou mesmo apenas de pequeno almoço, apenas um elixir nórdico. Akvavit, a minha Brännvin por excelência.

Já percebi que, em matéria preferências, é um homem de bom gosto. Em jeito de provocação: Se fosse possível estofar os bancos de jardim de Lisboa inteira seria de damasco ou de seda selvagem?

Não confunda o meu elitista estilo monárquico com a democracia da minha terra. Chique e sublime é ser bom e barato. A finesse monárquica fica-se pelos títulos, e pra damasco chegam-me as frutas. Já pelo
selvagem aceito uma seda acrílica, comprada no Ikea. Que Lisboa precisa disso; praticidade urbana e não bancos pintados aos riscos e bolas.

Agora que retomámos a cidade, atrevo-me a perguntar: Tirando a própria Flores, qual é a rua mais trágica de Lisboa?

Ela podia estar vestida de azul e eu ser o seu remate em tons de amarelo, tão ao meu gosto nórdico, mas depois do desastre amoroso que foi chegar ao Bairro no 28, garantidamente que a Calçada do Combro é a
meu mais trágico lugar nesta cidade. Ainda me doí escutar no eco da memória aquela enigmática frase: 'Det var ju inte min katt som åt din fisk.', é que nem miei, e de peixe, senti-me mesmo defumado. Foi
trágico, triste. Um descarrilamento burguês para conspurcar o meu sangue azul.

Estando certa de que não se iria sentir um peixe fora de água, se pudesse dar um banquete no Palácio da Ajuda, mas da ementa só constassem ovos mexidos com salsichas, quem convidaria?

Visto estar desde já solteiro, desprovido de uma princesa do povo, porque não você? Sei que sou mais velho, pouco mais velho, mas penso que a ligação entre o nosso olhar, esse prato tão nacional como o meu
Julskinka, fariam as delícias natalícias que fomentaria o nosso amor. Sabe, há ali pros lados daquela rua trágica, no Combro, uma pensão que responde pelo nome do que se gera entre nós. Isso mesmo, será 'en natt av kärlek.'... Muito älska. Uma boda real, três pimpolhos, e uma casa à beira rio. Älska e a bênção do Rei Carl XVI Gustaf. A vida porque sempre sonhou.

Já que é de cupido que se fala, centremo-nos na questão das flechas. Em As Farpas, Eça escreve: ”Lisboa é uma cidade doceira, como Paris é uma cidade intelectual. Paris cria a ideia e Lisboa o Pastel.” Acredita serem ainda as pastelarias o óbice ao progresso do nosso organismo social?

Justo agora que o doce estava mais doce que a amargura, a Francisca corta o meu enlace e fala-me em organismos sociais. Social sou eu. Sou mesmo um doce. Sou aquela farpa que num dia de verão, pelos prados da minha terra natal, correndo as ruas de Estocolmo, deixa marca que perdura. Francisca, agora parecemos dois vizinhos, conterrâneos de península. Eu Sueco, você Finlandesa. Ambos neste doce 'Ahlgrens bilar' rumo a um ponto de caramelo queimado. Nem pastel de nata nem bolo Rei. O óbice laboral que se fique como está. Não exportem as ideias, mantenham-nas por cá, para que nós sigamos a existir e os Saltlakrits venham temperados com muito älska.

Para que esta entrevista não passe o ponto de rebuçado, gostaria de encerrar pedindo-lhe que completasse a seguinte frase: Em Lisboa as/os (…......)  não passam de aberrações à lógica filosófica.

Depois deste turbilhão de emoções revividas, criadas e projectadas, remeto-me a singeleza da minha proveniência monárquica. Adelskap förpliktar, e como tal remeto-me à essência. Nesta cidade, nada, ou
quase nada, é uma aberração à lógica filosófica. Com Barões como eu, a filosofia está de ponto assente, a integridade monárquica garantida e destoar só mesmo a ausência de um alce ou veado selvagem pelas beiras de Monsanto. É que a justificar tanto buraco pelo alcatrão e calçada, só mesmo culpando às debandadas de animais selvagens que 'populam' o imaginário camarário lisboeta. 'För Lisbon i tiden.'

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