Le Entrevista a Ana Rita Barata por Rafa


O meu nome é Ana Rita Barata, nasci em Paris em 1972 e estudei na Escola de Dança do Conservatório Nacional e no European Dance Development Centre em Arnhem, Holanda.

Desde 1994, que trabalho como coreógrafa e desenvolvi vários espetáculos e projetos transdisciplinares com o realizador Pedro Sena Nunes numa relação direta com diversas comunidades com caraterísticas especiais. Em 2007 co-fundei a CiM – Companhia Integrada Multidisciplinar, Companhia, do qual faço sou diretora artística, coreógrafa e bailarina. A CiM integra intérpretes e bailarinos profissionais com e sem necessidades especiais. Neste âmbito dirijo workshops de dança inclusiva como extensão da experiência no campo da dança contemporânea e a dança inclusiva. Desde 1997 sou diretora artística e programadora da Vo’Arte, com Pedro Sena Nunes.



Chegamos à 15ª edição do Lugar à Dança acumulando elevadas expetativas por todos os anos passados. Este ano centramos as expetativas exclusivamente na vontade de não parar e de assinalarmos o Festival como um espaço sempre aberto ao cruzamento de públicos interessados pela relação da dança com espaços do nosso quotidiano, menos óbvios. O Lugar à Dança impulsionou a criação da Vo’Arte – a estrutura que o produz e programa – e daí nasceram muitos outros projetos que temos desenvolvido ao longo dos últimos 15 anos. Representa o início, o arranque de toda uma aventura que se prolonga até hoje e ao qual estou emocionalmente ligada pois foi a âncora e a plataforma que nos permitiu crescer.

Apresente-me o Festival Lugar à Dança, explicando-me a ideia de ocupação do espaço público com artes performativas. Levantando uma questão - talvez apenas linguística - não se deveria referir artes de palco e não artes performativas?

Entendo as artes de palco como todas as formas de arte que se desenvolvem num palco ou local de representação para um público. É um projeto ou conceito artístico que é pensado e desenvolvido para ser apresentado numa sala de espetáculo (seja um teatro clássico à italiana ou uma black box). Mas há também quem defenda que estas apresentações podem ocorrer em praças e ruas - se pensarmos numa noção mais alargada de palco - entendido como um espaço ocupado (de qualquer configuração) para uma expressão artística e à volta do qual se junta o público, ou do qual o público é surpreendido.

Ou seja, palco, nesta noção, é qualquer local onde ocorre uma apresentação cénica. É neste dentro segundo aspeto que desenvolvemos o Lugar à Dança. No sentido de trazer novos palcos à dança e dar a dança a lugares onde ela não existia. É um Festival internacional em paisagens urbanas, de ocupação do espaço público, da cidade, com artes performativas.

E falamos em artes performativas e entendemos as artes performativas em três dimensões, diferentes mas interligadas, que dizem respeito à execução, ao desempenho e à interpretação. São formas de arte que exigem a presença do artista, cuja criação tem como suporte essencial o seu próprio corpo. Consistem, num acontecimento, no tempo presente com um caráter efémero, imaterial e irrepetível. Se em teatro o que se procura é ensaiar para tentarmos reproduzir várias vezes os mesmos diálogos, as mesmas posições e o mesmo contexto, a performance define-se exatamente pelo oposto – pela noção de irrepetibilidade, de que o que presenciamos neste momento nunca vai voltar a acontecer da mesma forma. E é isso que o Lugar à Dança representa e apresenta, performances irrepetíveis em espaços não convencionais.

Que lhe agradaria destacar neste Festival? Que se poderá compreender como dança inclusiva e inclusão na relação da dança com a comunidade e como espera que o Lugar à Dança promova essa interação?

Desta 15ª edição, destaco claramente o espetáculo de dança contemporânea Rojo Manso da companhia espanhola La Intruza Danza, formada por Virginia García e Damián Muñoz e sublinho também, pela primeira vez em Portugal, o trabalho da coreógrafa brasileira Clarice Lima, que propõe uma intervenção poética que se torna um instrumento de ação política para o paradoxo do corpo contemporâneo que vive uma grande velocidade de estímulos.

Outro momento alto do Festival será com Sophie Leso e Nicolas Arnould (Bélgica), com o espectáculo TRIO, três formas curtas, uma obra em construção, um território de jogo dum teatro físico, sensível e poético, que integra um jovem ator com Síndroma de Down. Para os mais pequenos os destaques da programação vão para os espetáculos da Real Pelágio – Histórias Contadas com Sérgio Pelágio e Isabel Gaivão, Tosta Mista, O Malabarista e um atelier que a artista plástica Lília de Carvalho propõe para recriar uma cidade com objetos abandonados.

Outro destaque da programação é o lugar que continuamos a dar à formação através dos workshops, residências artísticas, ateliers que promovemos e permitem projetar o Festival como um laboratório de experimentação e pesquisa. Neste sentido, destacamos ainda a componente da inclusão social e artística através de alguns projetos que envolvem as comunidades especiais.

A inclusão parte por nos incluirmos a nós, e assim propomos que o público se deixe incluir nas diversas leituras do corpo, do espaço e do tempo. Que lugar mais perfeito é senão o da dança para essa interação?

Que nomes e momentos poderemos esperar desta 15ª edição - seria possível sugerir um percurso pelo calendário de apresentações?

A programação do Festival parte mesmo dessa ideia de percurso, ou seja, o público é convidado a percorrer um espaço – seja o Jardim da Estrela no dia 7 ou o jardim do Museu Nacional de Arte Antiga no dia 8 – em que as performances acontecem de forma encadeada. É um Festival deambulatório em que o convite ao público é precisamente de seguir e conhecer cada uma das propostas e ir, caminhando, ao encontro dos artistas, portanto, não é só possível sugerir um percurso pelas apresentações, como é precisamente isso que se propõe. O desafio que deixo, é que as pessoas consultem o site www.lugaradanca.com, vejam todas as propostas que adiantamos e venham dar lugar, deixando-se surpreender com a energia que habita estes espaços do Festival.

Qual o estado das componentes performativas / dança em Portugal? Sobrevivem ou sobrevêm?

As circunstâncias atuais do estado da cultura são de extinção e desaceleração, neste sentido o Lugar à Dança surpreende e reage a este clima negativo e de estagnação. Em 15 anos, o Festival já teve várias mudanças e contou com muitos artistas que dançaram e interpretaram a arquitetura circunscrita a cada espaço de intervenção. E é neste momento de profundo desinvestimento na cultura, em que garantirmos a subsistência de um evento completamente gratuito sem comprometer a qualidade da sua programação.

Tarefa bem mais complexa e exigente é conseguir fazer ajustamentos aos orçamentos das companhias/artistas para que o Festival possa acontecer, e normalmente acontece com a cumplicidade dos artistas e das produtoras sem a qual seria muito difícil edificar o Festival Lugar à Dança neste país. Essa é uma nota dos sinais do tempo, a nossa realidade financeira não nos permite competir com algumas das nossas intenções programáticas.

E quanto a Lisboa, é uma cidade que convida ao uso não convencional da rua, convida tanto ao movimento do corpo, dançando, quanto se exprime em fado e em poesia?

A cidade de Lisboa para além de ter locais não convencionais magníficos, tem uma luz natural maravilhosa e ainda a conjugar com um clima que faz dela o cenário ideal para acolher propostas de e em movimento.

A cidade esteve em destaque em diferentes espaços onde o corpo girou e percorreu, nestes 15 anos, espaços e memórias que nos encaminham o olhar. Claúdia Dias,  Francisco Camacho, Alberto Magno, Peter Michael Dietz,  Andrés Corchero, Carles Salas, Rafael Alvarez, Constanza Macras, Bruno Dizien, Kristyna Lhotáková, Willi Dorner, Susana Vidal, Miguel Pereira, Ninho de Víboras, Grotest Maru, António Tavares, Damián Muñoz, Brenda Angiel, Filipa Francisco, Senza Tempo, DejaDonne, Miguel Moreira,  são apenas alguns artistas que aceitaram desafios diferentes.

Contámos ao longo destes anos com mais de 300 companhias e 2000 artistas, presentes com múltiplos projetos em territórios que deram Lugar à Dança, com um público que ultrapassou 120.000 pessoas. O Festival Lugar à Dança convidou à cidade de Lisboa porque acredita neste mesmo potencial artístico, no património arquitetónico, cultural e social.

www.lugaradanca.com

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