Le Vitória 15

Buenos Aires. Paris na América Latina. E quem o disse, sabia-o muito bem. Conhecemo-nos há nove meses, em Vilcabamba, no Equador. O tempo de uma gestação. Tempo esse cheio de ideias, de sonhos, de projetos, de dúvidas. Por terra viajei do Peru à Bolívia, por ar fui de La Paz a Santiago do Chile, sobrevoando toda a Cordilheira dos Andes, num suspiro constante, observando todas aquelas montanhas brancas e vulcões aos meus pés. São 11h da manhã quando chego ao aeroporto de Buenos Aires. Os meus joelhos tremem.


E tu estás tal qual me prometeste, aí sentado à minha espera. O meu coração acalma, quando sinto os teus braços que me confortam. Os teus olhos azul celeste dizem-me que ainda não acreditas que eu aqui esteja. Na tua cidade, no teu país, na tua história de vida.

Bairro do Boedo. Um dos bairros tangueiros de Buenos Aires. Vives numa esquina, com vista para a Avenida San Juan de Boedo, num edifício antigo, um pé direito de 3 metros, com uma meia luz que entra pelos detalhes ornamentados das varandas, iluminando apenas o necessário. Banheiras antigas, almofadas no chão, velas, uma gata, muito "mate, Fernet", "alfajores", vinho de Mendoza, e há sempre uma música de fundo a tocar. Os teus amigos recebem-me com um delicioso guisado de lentilhas, com um saborzinho do típico chouriço "colorado" argentino. Sentia-me como se estivesse num filme de Jean-Pierre Jeunet, e eu sim, podia ser Amélie, mas a começar pelo fim.

10 dias em Buenos Aires. Os cafés na Margot, a esquina de Homero Manzi, o Bairro de San Telmo, com as suas lindas lojas de antiguidades e mercado de segunda mão aos domingos, os nomes dos cafés decorados com o típico fileteado que tanto me lembra os cartazes das tascas de ginjinha da minha querida Lisboa. As tardes no Parque centenário, onde vemos os passeadores de cães, bem atarefados, com 10 cães de diferentes raças, embrulhados em trelas e sacos de plástico, e ali estamos nós a observar, com o famoso "mate" para nos aquecer as mãos, naquele inverno "porteño." Os edifícios de Puerto Madero, onde o metro quadrado de um apartamento é mais caro que em New York e, bem lá em cima, consegue-se ver o Uruguai.

A Avenida Corrientes, cheia de livrarias novas e velhas, teatros, o imenso Bairro de Palermo, o tango, as milongas, Osvaldo Soriano, a apaixonante leitura de Julio Cortázar, a suave carne argentina, o "Mar de La Plata", o mais largo do mundo, a cidade do Tigre, onde passeio de barco pelo Rio Delta, um afluente do Rio Paraná, donde também se pode chegar ao Uruguai. Aqui regressei no tempo e dou por mim numa imensidão de canaviais, grandes mansões, clubes de remo do séc. XVIII, em ilhas dispersas, que crescem naquele rio densamente castanho, uma imagem tirada de um quadro de Van Gogh ou de um parágrafo algures do "Retrato de Dorian Gray." A província de Buenos Aires é duas vezes o tamanho de Espanha. Em San Isidro reencontrei-me com a minha grande amiga Ana, onde passámos momentos com amigos dela, entre muito boas "parrilladas."

Voltando a ti. Sem ficar. Um dia acordo ao teu lado, e no lugar das borboletas existe uma sensação de tristeza. Faço as malas e dois dias depois, acordo em Lisboa.

Minha Lisboa, continuas menina e moça. São 9horas da manhã e subo a Bica. A luz entra pelas janelas das vizinhas. Uma brisa ligeira agita as roupas estendidas na corda. O "Vai Tu" abre as portas e os mesmos de sempre iniciam a busca de notas perdidas pelos carris do elevador. 1 ano e 7 meses. A nossa casa é sempre a nossa casa.

Abraços de pai e mãe, as palavras quentes dos amigos, a boa receção de todos, a surpresa para muitos de me encontrarem na rua e dizerem “ Então, mas…?”. Pois é. Cheguei de surpresa, e que melhor maneira tinha eu de chegar até a ti, Lisboa? Os meus pais que estavam no Largo do Camões, a tomar café com uma amiga minha, não souberam o que dizer quando lhes apareci de repente.

Lisboa está de cara lavada. Gostei do “reborn” de Alfama, Mouraria, Martim Moniz e do Cais do Sodré. E aproveito agora para satisfazer aqueles meus pequenos prazeres, que por tanto esperava. O bacalhau, as iscas, as azeitonas, os tremoços, o pastel de nata, o mazagran dos quiosques, a bica, o croquete, os caracóis e muitos mais. Portugal- Espanha, no “ Vai Tu”. A febre do futebol, o nervoso miudinho, antes de começar o jogo. “Toma lá ó boi!!!”, “ Portugal Olé!!”, que saudades de ouvir estas “brejeiradas tugas”.

Lisboa. Esse espelho que te abençoa e que te transforma numa das cidades mais lindas do mundo. E apesar de todo este encanto e saber que sempre serás a minha casa, continua a faltar-me, o mesmo que me faltava á dois anos atrás e me fez ir embora, sem vontade de voltar. Falta-me aquele “je ne sais quois”, que me preenche a América Latina. E agora, melhor do que nunca, tenho a certeza de que tomei a opção certa. E estou feliz por me ter reapaixonado de Lisboa, por me reencontrar com a minha família, amigos e muitas memórias. Memórias essas, em que nalgumas delas sinto um vazio, como um murro de estômago e percebo que as últimas estão vazias de ti.

Sento-me no Jardim do Príncipe Real, olho à minha volta e escrevo. Volta. Lisboa continua linda e cheirosa, tal qual a deixámos, mas não é a mesma sem ti. A cada motor de uma vespa que passa por detrás de mim, eu tenho a esperança de ver-te passar. A cada esquina que viro, o meu coração desperta as memórias que eu julgava esquecidas.

Lisboa é a nossa sala de cinema e sem ela jamais podemos continuar a nossa história. Queria muito, mas mesmo muito, que aqui estivesses. A minha casa não é a mesma sem ti. O Adamastor, a D. Maria na Mouraria, o Jardim do Torel, o Museu da Mãe d'Água, o Lounge, o Musicbox, o B. Fachada, o cacilheiro, o Maria Caxuxa, o Bacalhoeiro, a minha máquina fotográfica, a Feira da Ladra, o Convento das Freiras, o jazz do Davis, o Noobai, a moamba de galinha, a imperial, Alfama, o Tejo Bar, a Maya Deren, o Zé Cid, as tascas de Lisboa, o funk, o meu gira-discos, a bossa nova, Chico Buarque, Dona Flor e os seus Dois Maridos. Flor e Vadinho.

Francisco Antolin. É moreno de pele dourada, sangue lusitano-espanhol-guineense, de olhos verdes, cabelo rapado, 34 anos, mede 1,72 cm, tem uma LML vermelha, e às vezes anda de skate. Tem uma casa em Campo de Ourique, na Rua Silva Carvalho, mas agora vive em New York, e está prestes a chegar, disse-me ele há uns dias. Procura-se. E eu procuro por ele. E só tenho mais duas semanas e meia, para o convencer a cruzar o Atlântico mais depressa, para que consigamos terminar ou seguir com a nossa história de amor.

Quem o conhece, que me responda, que lhe escreva, que o convença, porque eu estarei aqui à espera dele, para ver o que será isto que julgava estar adormecido e não está. O que será?

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Links
http://www.literaberinto.com/cortazar/rayuela7.htm
http://www.youtube.com/watch?v=iQXEE2mFdpQ
http://www.youtube.com/watch?v=XaIIHuOcDWI
http://www.facebook.com/notes/joana-vitoria-martins/70-dias70-noites/10150351475481280

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