Le Artista da capa * 387, Neves Estrela

Apresenta-te e partilha como começaste a fazer fotografia. Ou a interessar-te pela temática do corpo - e, a mais, do corpo feminino.

O meu nome é Neves Estrela e nasci há 33 anos em S. Miguel (Açores). Os primeiros 18 anos vivi-os em Rabo de Peixe e depois nadei até Lisboa para tirar um curso, no qual me ensinaram a matar ratinhos com paracetamol. 

Não estudei fotografia por, na altura, ainda não saber que a amava. Mas ainda me lembro das minhas primeiras fotos, muito à Martin Parr e, de como ao vê-las impressas no Diário de Notícias (DN Jovem, que já não existe!), comecei a achar que, se calhar, até tinha jeito para a coisa. Não sabendo, contudo, que destino dar às fotos acumuladas, abri conta no FLICKR e assentei arraiais. Publiquei umas fotos mas, acima de tudo, perdi-me durante horas nas imagens dos outros. E, quase sem que me desse conta, comecei a desenvolver um estilo em tudo diferente do que até então tinha fotografado. Passei a fotografar-me a mim mesma (e a outros corpos femininos), na tentativa de exorcizar algo que, por dentro, me consumia aos bocados! Molduras de onirismo melancólico começaram a enfeitar-me os retratos, onde a solidão era uma constante que, por vezes, se fazia acompanhar da senhora tristeza. Até hoje.


Tens também um livro onde apresentas a série "I never knew my name". Porquê o título e foi intenção deliberada não mostrar o rosto de quem fotografas, pensas obter a expressividade pelos objectos, pelo uso da luz, pelo corpo em si?

"I never knew my name" é um livro que reúne algumas das minhas melhores fotos dos últimos três/quatro anos. O título reflecte, de alguma forma, a ausência de um rosto visível, presente na maioria das fotos. Esta ausência, não tendo sido, de início, esculpida de um modo consciente, passou a ser uma constante que empresta ao corpo todo o protagonismo da estória que a imagem conta. Cabe assim ao corpo encarnar a tristeza, a desilusão, a languidez... 

Há, por vezes, pequenos objectos que, juntamente com a luz (oh! sim, a luz!), concedem à composição final o tom que me interessa imprimir-lhe.
 
Parece-me que os objectos acessórios que vais colocando nas tuas fotografias, evocam algo da infância. Talvez uma infância perdida? Agrada-te comentar o que fotografas? 

Sim, há uma certa inocência e candura a envolver as fotos... Mas andam de mãos dadas com uma sensualidade ambígua, que não sabe bem o que quer! Há um evocar de algo que se perdeu... não na infância, mas num tempo em que qualquer coisa ainda parecia possível. Além disso, agrada-me mais fotografar a tristeza, o desalento, a mágoa, a dor, a aflição, a angústia e a incerteza porque é aqui que encontro beleza, encanto e paz. No corpo. 

Que referências é que tens?

Referências? Juergen Teller, David Hamilton, Corinne Day, Wolfgang Tillmans, William Egglestson, Annette Phersson, Elena Kholkina, Valerie Phillips, Flora Hanitijo, Cristina Regadas, Nigel Shafran, Ryan McGinley, Mariam Sitchinava... Podia continuar, mas penso que chega!
 
Lisboa é uma alma feminina que merece ser fotografada? Já pensaste em fotografar também ruas, avenidas, parques, como se fossem eles uma extensão de um corpo de cidade?

Fotografar Lisboa... Já o fiz, mas agora estou longe e, por isso, raramente o faço. Mas o que mais gosto de fotografar em Lisboa são as janelas (principalmente se derem para a cozinha) e os estendais. Porque aqui há a vulnerabilidade, a fragilidade e a banalidade que tanto me inspiram!  
Agora exposições ou projectos que tenhas alinhados. Que se pode esperar de Neves Estrela?

Tenho uma exposição esboçada para breve, aqui por baixo, em Lagos. Projectos? Fotografar. E mostrar. De mim... podem esperar mais fotos.

www.nevesestrela.blogspot.com

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* Originalmente publicada a 2 de Abril de 2013, na Le Cool Lisboa * 387

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