Le Entrevista a Jonas Runa por Rafa

Jonas Runa encontra-se com João Barradas no Lisbon Week, num concerto que será memorável em toda a adjectivação possível, no Teatro Thalia, a 26 de Setembro.  

Tocam no Teatro Thalia, um espaço cultural devolvido a Lisboa, no contexto do Lisbon Week e a convite do programador musical deste evento, Carlos Martins. Como encararam este convite e a hipótese de se apresentarem num espaço que não recebia música há dezenas de anos?

É um privilégio actuar no Teatro Thalia, onde foi estreado o Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett e óperas significativas para a cultura musical em Portugal. De facto, durante o século XIX, passaram por esse teatro as mais importantes figuras musicais da época. Sinto-me particularmente tocado pelo «mote» em latim do teatro, que se encontra à entrada: «Hic Mores Hominum Castigantur», que significa «Aqui serão castigados os  costumes do homens». A música, tal como o teatro satírico, deve ser um desafio à inteligência, sensibilidade, e aos costumes (musicais) de cada época. A música de arte procura a revolução na continuidade.

Como foi a preparação - e desafio - de conjugarem o estilo musical de cada um, acordeão de João Barradas e electrónica de Jonas Runa? O Jonas já vinha com a prática com Zul Zelub (que fundou com Jorge Lima Barreto), piano e música de computador, e o João com uma imensa escola de jazz (inclusive com formação sob João Paulo Esteves  da Silva). Extensos currículos que se cruzam, estilos musicais autónomos, convergentes, que se unem?

O grupo Zul Zelub foi pioneiro em Portugal, no sentido da abertura ao conceptualismo e experimentalismo, unificando a prática da improvisação acústica (piano preparado de Jorge Lima Barreto) com um dos instrumentos electrónicos mais avançados actualmente (o Kyma).

Posso afirmar que essa experiência foi mais importante para mim, como músico, do que o doutoramento que estou a terminar, sobre a estética da música electrónica. Hoje em dia, quando se fala em música electrónica, as pessoas pensam em música de discoteca. No entanto, existe uma tradição de electrónica «clássica»: se Beethoven estivesse vivo hoje em dia, seria compositor de música  electrónica, uma vez que foi catalizador de profundas revoluções e avanços do pensamento musical europeu, além de um excelente improvisador.
 
O que podemos contar - e contaremos - da vossa apresentação desta próxima quinta-feira? Improvisação em (pro)fusão?

Apresentaremos uma improvisação estruturada, com abertura e indeterminação máxima no que se refere ao detalhe. Durante o séc XX, o «Ruído» autonomizou-se: A concepção de ruído tornou-se apanágio da desconstrução e da polissemia, da filosofia às ciências positivas e à arte, permeando a situação pós-moderna da música. Da plurivocidade estética do século XX pode isolar-se uma tendência que se expressa num elogio da abertura, onde a «forma aberta» e a »indeterminação» germinam das consequências da autonomia do ruído. Tal como a intuição, que envolve conceitos no limite do pensável, também a improvisação depende de uma «abertura» hic et nunc ao imprevisto. A contemporaneidade científica e cultural edifica-se como o fim das certezas.

Gostava que deixassem um convite a que assistam ao concerto.


Convida-se o público para uma experiência de Genética Musical. O DNA do acordeão estará sujeito a mutações genéticas que visam a transformação radical da sua cor  sonora. Enquanto que num concerto habitual os instrumentos estão fixos no espaço, neste concerto o acordeão viajará em rotações de diferentes velocidades em torno do público, como metáfora ou metonímia das órbitas planetárias em torno do Sol.

Lisboa. É uma cidade que apela à criatividade? Que combustível - seja locais, pessoas, cultura, acepipes, o que seja - vos alimenta nesta cidade?

Hoje em dia vivemos na era da Arte Global. A geografia estética da arte mudou radicalmente.  O princípio da centralização  cultural em metrópoles  sui generis (Paris, Nova Iorque,  Tóquio  et al.) foi  progressivamente  substituído pelo policentrismo, à escala global.  

A «global village» de Marshall McLuhan incorpora o «fim da arte» de Hegel. Como consequência dupla da globalização (associada ao domínio dos mass media) e da crise da Modernidade, já não é possível encontrar qualquer critério para definir Arte. Na ausência de  critério, vigora o pluralismo artístico (es geht alles, tudo  vale....).  No entanto, esse pluralismo não possui um princípio histórico explicativo, apenas um processo que parece estar implícito desde a Modernidade até ao séc XXI: a expansão geral da Arte. Viver na magnífica cidade de Lisboa é viver aberto ao mundo.
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