Le Entrevista a Nobuyasu Furuya por Pedro Tavares e Rafael Vieira [PT]

Fotografia por Nuno Martins.

Podíamos dizer que este saxofonista  e clarinetista é o japonês mais português. E um cozinheiro formidável. Falámos e partilhámos da sua música e paixões, em relação ao jazz e a Lisboa.


Primeiro Istambul, então Berlim e depois Lisboa, porquê? 

Porquê? Foi apenas um sentimento. Antes de decidir ficar em Lisboa, viajei até cá, talvez uma ou duas vezes e tive sempre um óptimo pressentimento em Lisboa. Que podia fazer a minha música aqui. A atmosfera antiga e os sentimentos de Lisboa e dos portugueses marcaram-me positivamente. Não pensei muito, simplesmente vim e tentei ficar. 

Como é que a música apareceu na tua vida?

Para mim a música é um trabalho que estou a fazer, mas claro que não consigo fazer dinheiro com isso. Mas concilio essa parte da minha vida, o meu trabalho tal como as minhas criações e eu, e tudo é completamente parte da minha vida. Não faço música, mas estou a fazer música e isso tornou-se parte da minha vida.

Conta-nos sobre os teus interesses musicais.

Agora?

Sim.

Bem, agora estou aberto a todo o tipo de música, sem um género ou categoria específico. Se ouço alguma coisa boa, se é boa, pode ser Pop, Punk, Rap, o que seja, Black music. Eu gosto de tudo. Portanto, é muito difícil de dizer, pois eu ouço de tudo. 

A próxima pergunta é em relação a isso. Qual é a tua referência em jazz e na música em geral?

Sobretudo sixties, jazz, new jazz, aquilo que se chama free jazz. Gosto do pessoal de Nova Iorque, os saxofonistas. Principalmente McIntyre, é dele que gosto realmente e que me inspira.

Uma vez de passagem por Lisboa, conheceste o Hernâni Faustino e o Gabriel Ferrandini, como aconteceu isso?

Recordo-me desse dia na perfeição. Fui até à Trem Azul e o Hernâni estava lá. Comecei a falar com ele porque costumava ir ao sítio antes. Penso que havia algum tipo de festa no Verão em 2006 ou 2007 e nessa noite havia uma grande festa, toda a gente veio e todos os músicos fizeram lá uma sessão. A música era completamente livre, havia improvisação. Foi muito bom e é por isso que quis visitar novamente. Foi aí que comecei a querer estudar em Portugal. Quando encontrei o Hernâni, compreendemo-nos e falámos muito. 

Fomos à Culturgest e havia um concerto e, claro, estavam lá os tipos da Trem Azul e da Clean Feed que me falaram de uma festa que ia haver e me perguntaram que se queria tocar numa sessão. Isto foi em Dezembro de 2008. Tocámos juntos e tornámo-nos imediatamente próximos. Foi quando toquei a primeira vez no trio com o Gabriel e o Hernani.

E ligaram-se imediatamente?

Sim, foi muito rápido.

Então, primeiro o trio com o Hernâni e o Gabriel, depois também o Quinteto, acrescentando o Rodrigo Pinheiro e o Eduardo Lála. Sentiste que estes eram os músicos perfeitos?

Penso que sim.

Exactamente aquilo que esperavas?

Sim, pensei apenas em arranjar o pianista. Mas então o Hernâni falou com o músico dos Red Trio e foi fácil de entrar em contacto com ele. Ficámos com ele e com o trombonista que procurava. Ele é da Banda Sinfónica da GNR [Lalá], o que é uma grande influência por causa da música de marcha, que é música bastante boa, para o jazz também. Adiciona força às coisas, é um trombonista poderosa e é por isso que o queria. Isso aconteceu graças ao Hernâni ou Gabriel... talvez o Hernâni, ele tinha os contactos e fizemos uma sessão. A música era perfeita.

Bendowa em 2009, pela Clean Feed, Stunde Null pela Chitei e The Major pela NoBusiness, ambos em 2010. O que nos podes dizer destes três álbuns?
A banda não ia editar o Bendowa, porque estava muito distante do que estávamos a fazer na altura. Quando o ouvimos, soava muito diferente daquilo que tocámos. Por isso é que pensámos se o publicávamos ou não. Mas era uma óptima música, uma belíssima música e por isso decidimos avançar. Gosto muito dele, é muito diferente daquilo que estávamos a fazer. Mas foi talvez inconscientemente um símbolo para aquilo que estávamos a fazer, algo mais profundo veio ao de cima. Costumávamos tocar um tipo de música poderosa, era sempre assim, mas Bendowa é o inverso, completamente diferente.
Foi realmente especial. Não estranho, mas uma posição especial para nós, para todos nós. O segundo é do Japão e para esse álbum queríamos gravar algo que normalmente tocávamos, algo bem poderoso. Tem duas faixas, a primeira com o trio e a segunda com o quinteto, nós separamo-las (eu separei-as). A primeira faixa é trinta minutes de hardcore, improvisação livre, aquilo que somos, aquilo que normalmente tocamos. Por isso foi interessante. Bendowa é completamente gravado no estúdio, fiz uma faixa à vez, só um take e já está. Já ambos gravados no estúdio, mas o Stunde Null é muito mais natural.
Podes dizer-nos se é bom?

Bem, é bom. Mas é muito diferente do Bendowa e também a segunda faixa era uma versão do Quinteto com Lála e com o Rodrigo. Fiz apenas uma música, uma vez só onde usei improvisação e aconteceu, apenas.
Sem artifícios.

Foi perfeito. Quando gravámos o «The Major», no que era provavelmente uma da minhas composições a metade, uma quase composição, com essa nota eu tinha uma ideia clara de como estruturar as coisas e expliquei aos outros como usar a sua improvisação e de como fazer o som. É por isso que é meia composição e mais na linha daquilo que a música de jazz soa, ou blues, algo como isso. Algum tipo de música profunda. 

Como é para ti tocar em Portugal? O que que significa?

Provavelmente estou a devolver aquilo que recebi das pessoas deste país, especialmente dos meus amigos. Posso dizer que é possível que este país seja mais meu do que o Japão. Lá sinto-me mais estrangeiro do que aqui, porque vivi metade da minha vida fora do Japão. É claro que compreendo a língua e a cultura, mas o sentimento nunca é o certo, há uma diferença e não tenho muitos amigos próximos por lá, mas aqui sim. Pessoas que compreendo e que me compreendem. A linguagem e a cultura são diferentes, mas sinto que pertenço mais aqui. Recebo imenso das pessoas e dos meus amigos em Portugal. E também do Governo, que me deixa estar aqui.

E o que pensas da cena de jazz portuguesa?

Há grandes músicos. Há mesmo muitos grandes músicos mas, infelizmente, há uma falta de locais e de dinheiro, de financiamento do Governo e de ajuda financeira em geral... Compreende-se que o Estado esteja a passar por dificuldades no momento aqui em Portugal, portanto é normal. As salas são muito boas, mas deviam ser mais baratas. Há imensos sítios, bons sítios, com óptimas audiências. As pessoas são realmente abertas e dispostas a ir a todo o lado. E isto é realmente bonito, mas para um músico é um pouco complicado porque precisa de dinheiro, e é por isso que um Estado estável seria melhor.

Os músicos têm sempre um problema com o dinheiro, não conseguimos fazer dinheiro. É por isso que muita gente se junta, não para tocar, mas para fazer outras coisas. Haverá um número menor de músicos e de locais porque desistem ou porque preferem fazer outra coisa.

Como são vistos no Japão os jornalistas e os músicos de jazz?

É completamente desconhecido, eles não conhecem nada. Bem, apareceram notícias sobre o Bernardo Sassetti, da tragédia que aconteceu. Apenas isso e não nem ideia de mais nada, eles realmente não sabem o que se passa.

Levas alguns CD para mostrar?

Podem-se comprar os álbuns da Clean Feed, mas são os únicos. Mas também as audiências para este tipo de música estão a diminuir, preferem pop/rock mainstream. É mesmo uma sociedade fechada com pouca escolha e não têm muita informação. É por isso que este tipo de música é quase desconhecido.

Quando irás fazer uma digressão pelo Japão?

Isso é muito difícil, porque no Japão quase ninguém ouve este tipo de música, ouvem apenas música mainstream.

Mesmo em cidades maiores, como Tóquio ou Osaka?

Sim. Não era assim há vinte anos, todos podiam vir e tocar dez ou vinte concertos no Japão e fazer algum dinheiro. Algumas vezes muito dinheiro. Por isso é que muitos músicos, que não eram falados nas revistas e nos jornais, iam ao Japão tocar. Mas agora não é assim, é quase impossível. No Japão as digressões são pagas consoante o número de gente a assistir e, infelizmente, há menos pessoas a demonstrar interesse. E em Tóquio há muitos sítios com música improvisada, mesmo muitos sítios, mas com pouca gente a ir assistir. E viver em Tóquio é caríssimo, é melhor não fazer música e apenas trabalhar.

Vives em Tóquio?


Próximo de Tóquio, a cerca de uma hora. Tenho um restaurante e sou também o cozinheiro. Pertencia originalmente ao meu tio e era um bar, mas a minha mãe queria-o e reabrimo-lo, quando o meu tio faleceu há uns quinze anos e estava quase em ruínas. A minha mãe tomou conta do espaço e abriu um novo restaurante e eu juntei-me. Inicialmente ela queria apenas uma cafetaria aberta durante o dia. Assim eu tomei conta da noite e decidi servir bebidas e comida.

Comida japonesa tradicional?

Basicamente comida europeia... italiana, francesa, espanhola e alguma portuguesa, que aprendi a cozinhar aqui. Como trabalhei em Istambul e noutros países como chef, tenho esses saberes. Importamos muitos vinhos portugueses e também outras coisas que servimos, como bacalhau. Cozinho-o da mesma forma que aqui.

Sabemos que tocaste com o Nao Takeuchi, como foi?

É um grande músico, um dos melhores saxofonistas do Japão e respeito-o muito. É realmente uma boa pessoa e um grande amigo também. É o melhor do Japão e faz tanto free music como straight jazz, é um músico bastante aberto. Adoro a sua música.

Tocas regularmente no Japão?

Não muitas vezes, porque não faz sentido. Por exemplo, eu quero tocar em Tóquio. Talvez consiga 50 euros, mas tenho que levar o carro e pagar a gasolina, o estacionamento também é caríssimo e todas as despesas ficavam-me à volta de 100 euros para um só concerto. E se eles pagam 50 euros, não vale a pena. É por isso que prefiro continuar a trabalhar no meu restaurante, capto mais clientes e consigo fazer algum dinheiro.


Tocas no teu restaurante?

Não, nunca, são coisas distintas.


Gostas de separar as coisas?

Sim, a minha mãe convida imensa gente para tocar, mas eu nunca o faço. São coisas diferentes.

Planeias um álbum a solo?

Irei querer fazê-lo um dia, definitivamente. Um álbum a solo é das coisas mais difíceis, mas é um grande desafio. Gravo-me constantemente para praticar ou no caso de acontecer alguma oportunidade, mas nunca editei nada. Algumas das coisas que gravo são uma boa foram de melhorar, portanto talvez um dia.

Em Portugal?

Sim, porque é muito barato produzir um CD ou LP em Portugal. Até penso em criar a minha própria editora, porque é mesmo barato fazer um CD aqui.

Isso seria óptimo. E amigos também.

Sim, porque assim conseguia vender. Vou pensar no negócio, só preciso do dinheiro para produzir o meu CD. Seria fantástico e também há imensos bons músicos por aqui sem forma de produzir os seus CD, que nunca editaram. E também há outras coisas que gostaria de fazer, um «arquivo» português, um «arquivo» lisboeta e ter alguns bons músicos a gravar.

Conta-nos um pouco da tua juventude e da tua passagem por um templo budista [um templo budista zen]. 

Foi uma óptima experiência. Pela gastronomia e para conhecer as suas teorias, foi uma bela experiência que me inspirou imenso. 

Cozinhaste lá?

Era assistente de um dos monges. Esta foi a primeira vez que experimentei aquela cultura da qual nada sabia. Uma experiência belíssima e também os livros, as crenças e as metáforas. 
O templo era na cidade?

Era nas montanhas. Era um local muito sossegado, longe de tudo. Foi realmente uma grande experiência.
Já que és músico e também um artista, um músico e um artista na cozinha, achas que há algumas semelhanças?

Sim, bastantes, se se é realmente sensível quanto ao pensamento.

Já alguma vez pensaste em abrir um restaurante em Portugal?

Sim, na verdade estou a pensar nisso, por Lisboa. Já há uma possibilidade de ir cozinhar para outro sítio primeiro e depois abrir o meu restaurante. Foi por isso que não voltei durante dois anos e isto é uma forma de começar algo em Portugal.

Será comida europeia ou japonesa?

De tudo, Médio Oriente, Extremo Oriente, Ásia e Sudeste Asiático e comida europeia também, porque aqui conseguimos arranjar muitos bons vegetais, carne e mais, bons e muito baratos. E as pessoas interessam-se por comer e beber. Isto é perfeito.
Já tens um nome para o restaurante?

Não, não tenho.

Bendowa?

Não, não, provavelmente não. Provalmente vou tentar encontrar um restaurante e ter uma sala de concertos ao lado, para convidar músicos para tocar. E, se tivermos sucesso com a gastronomia e fizermos bom dinheiro, posso investi-lo na música e será como um local sagrado.
Tal como no Ondajazz. Já visitaste? 

Já, sim. 

Podes comer e ouvir jazz.

Sim, mas irei talvez separar as coisas. Música é apenas música, porque quero deixar as pessoas tocar onde quiserem. Algumas pessoas tocam coisas bem pesadas e não caberia. Só preciso de fazer algum dinheiro, de criar uma base sólida e poderei fazer as coisas da maneira certa, sem ser falso e sendo autêntico, longe do sistema errado e sem pressão.
És Zen e essa é a forma como vês e vives a vida. E, pela música que fazes, achas isto um paradoxo?

É apenas um princípio, a base de como viver. Disciplina é uma coisa muito interessante e algo que podes usar no quotidiano e também a disciplina japonesa de valor. Assim, se pensarmos com atenção nisto, podemos usar este sistema para tudo. Como teoria é uma boa forma de pensamento e, como instrumento, pode ser muito útil para a vida.

Quais são os teus sentimentos quanto a Lisboa?


Dizem que está complicado agora, mas eu prefiro estar por cá. Indo e voltando, mas fazendo daqui a minha plataforma. É realmente importante ser capaz de partir e de voltar - aqui tenho música, a banda, pessoas, amigos, muito mais do que tenho no Japão. Assim quero começar a minha vida aqui e espero ficar por muitos anos.

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