Le Entrevista a José Garcia (Companhia do Chapitô) por Rafa.el

Em momento de celebração dos 15 anos da Companhia do Chapitô, José Carlos Garcia - director artístico da Companhia do Chapitô e vice-presidente do Chapitô,  faz a resenha e o convite para o apontamento de festejo.

Olhando para o que foi feito com orgulho - mas projectando a visão para o futuro. Com exposição retrospectiva em algumas estações do Metro de Lisboa e com evento especial a começar no próximo dia 19, a Companhia do Chapitô mostra-se grande e com passada certa. A Companhia celebra o aniversário de 15 anos de trabalho constante e, a todos os níveis, feliz.

Fala-me um pouco da Companhia. Apresenta-a.

A equipa constitui-se da Tânia Melo e Francisco Lyon na produção; de Jorge Cruz, Tiago Viegas e Marta Cerqueira na representação, John Mowat como encenador e José Garcia como director artístico e actor [partilha o cargo com o de vice-presidente do Chapitô]. Viajamos muito e valorizamos muito a inteligência humana, somos como uma família criativa. O processo de trabalho é em inglês, ensaiamos em espanhol e adaptamos para italiano e para outras audiências, representamos em inglês com adaptações, pois queremos proximidade com o público.

A Companhia está estabelecida no espaço do Chapitô, usa a logística deste, mas é autónoma a nível criativo. Surgiu em 1996 com João Cena, director de produção da casa e surgiu do sonho de criar uma companhia que fosse o espelho do Chapitô. Co-criada por João Cena, José garica e Rui Rebelo.

A nossa forma de estar é sempre uma postura de pessoas normais, de estarmos ao mesmo nível. Valorizamos os valores humanos, a amizade. Somos companheiros (partilhamos o pão).

E fazem teatro do gesto, teatro físico, pantomima?

É teatro físico, é do gesto, é do objecto. É Commedia dell'Arte, mistura de técnicas que foram sendo trazidas pelos seus elementos, junção de experiências. John Mowat faz ainda teatro do gesto em Londres. Não temos cenários, temos apontamentos de cenários, adereços. Não interessa o cenário, interessa-nos apontamentos de cenário, de movimento e de enquadramento e o público que preencha o resto.

A pantomima é exterior ao corpo, na Companhia existe a qualidade do movimento, é uma mímica corpórea, usando o próprio corpo, que para o movimento é interessante. No Drákula há pantomima por interesse dramatúrgico. A dança, e.g., faz-se em movimento contínuo para o espectador ter leitura e a Commedia dell'Arte não é orgânica, como somos.

Temos vários layers, o último layer é actor/público. A obra é superior ao ego e trabalhamos muito para a obra. Não somos académicos, somos operários do placo, fazemos filigrana do gesto, da palavras, não ficamos apenas na ideia.

Como é o vosso processo de trabalho?

É um trabalho colectivo, não temos método e esse é o nosso método. Um espirro pode ser um estímulo. Ninguém sabe o que vai acontecer.O trabalho é em inglês [em virtude da encenação ser conduzida por John Mowat, britânico]. Na Companhia manipulamos objectos, é um circo invisível.

Achas que se perde algo por ser em inglês?

Perde-se algo nos textos, pois não é a nossa primeira língua. O texto não é o motor, ajuda como catalizador para perceber a peça e é essencial para a compreensão, não a essência, essencial.

É um trabalho de edição de teatro?

Sim. (risos) É isso mesmo.

Referências que tenham, Marceau, Tati, o Viegas.

A Nola Rae é referência para mim. Vi o Elizabeth's Last Stand, em 92 talvez. Percebi que foi ali que fiquei com o gosto pelo toque do objecto. E Nola Rae vai voltando.

E trabalham clássicos.

Usamos clássicos, mas os textos são destruídos. O Grande Criador é a história da bíblia, juntando-lhe partes do Ricardo III. Os textos são desconstruídos, esta é uma pretensão cómica. Brecht dizia que "a comédia leva à compreensão." Fizemos também comédia negra, como o Cão, o Cemitério dos Prazeres. No próximo, o Crepúsculo dos Deuses, vamos descontruir a questão da mulher com ilusão de estrelato [baseado no texto original do filme de Billy Wilder].

E vão entrando novas pessoas, a equipa vai-se alterando?

À Companhia interessa sangue novo, rotativamente. Tenho medo que a equipa entre em decadência. Há sempre pessoas novas, vão entrando. Têm que ser pessoas que tenham disponibilidade para viajar e que gostem do género.

Aos 15 anos, não estou nada cansado da Companhia, nada fatigado. Surgiu-me o cansaço [há uns tempos] pelas viagens e fiz uma pausa quando entrei na carrinha da tour, quando em Pamplona - surgiu-me que andava com a casa às costas, e precisei de ver e ouvir outras coisas.

E quanto ao Chapitô?

O Chapitô não é uma escola de circo. E há sempre pessoas que vão circulando para outros países, para outras companhias.

Somos muito acarinhados, o Chapitô é único no mundo, com três áreas integradas - é escola, formação, cultura e acção social. Trabalham 120 pessoas no Chapitô, faz-se o trabalho de reinserção social por via das artes nas prisões juvenis - os chamados colégios. No último piso do Chapitô temos a Casa do Castelo, lar de transição para uma vida mais organizada, onde os habitantes aprendem a gerir o seu dinheiro e têm apoio psicológico. Temos 150 apoiados e não há problemas com as pessoas, todas são iguais, não etiquetamos, nem diferenciamos o tratamento.

É uma aldeia, temos ATl, biblioteca, hortas, uma loja, audiovisuais, a Oficina Faz Tu(do). Falta uma mercearia. Isto tudo define os valores do Chapitô, que é uma casa aberta a todos, todos são bem vindos.

Fala-me do evento do 15º aniversário.

Vejo sempre o teatro como a sala de estar, recebemos o público como se viessem para jantar e contamos uma história. Abolimos a quarta parede, os convidados estão ali para ouvir uma história. Quanto ao evento [que arranca a dia 19], o espectador escolhe o que quer ver, a votação decorre no facebook também. A comunicação é próxima.

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Entrevista feita no Chapitô.
Companhia do Chapitô : http://companhia.chapito.org

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* Originalmente publicada a 15 de Setembro de 2011, na Le Cool Lisboa * 305

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