De 22 a 25 de Maio, no Cinema São Jorge, vai ter lugar a Judaica - 1ª Mostra de Cinema e Cultura, como surgiu
a ideia de organizar esta mostra?
O projecto nasce da convicção de que, como em tantas outras cidades do mundo, existe espaço para um certame de temática judaica. Outra razão é porque Lisboa é um local onde há uma forte raiz da cultura judaica,este ano não ficou evidenciada mas é algo que quero explorar numa próxima edição desta mostra.
Tal só foi possível com o apoio da CML, da EGEAC, do Goethe Institut, da Alambique e, claro está, do Cinema São Jorge, com quem co-produzimos este festival.
Existe um grande ênfase em apresentar filmes em estreias absolutas.
Todos eles são estreias absolutas, com excepção do documentário polaco
de Marian Marzynski que já foi apresentado na Cinemateca pelo próprio
realizador. Em «Nunca te Esqueças de Mentir», o mais recente
filme autobiográfico do aclamado realizador, Marzynski explora, pela
primeira vez, a sua infância e as experiências de outras crianças
sobreviventes durante a guerra, descobrindo os seus sentimentos sobre a
Polónia, a Igreja Católica, e as consequências de identidades forjadas
sob circunstâncias em que a sobrevivência começa com a instrução «Nunca
te Esqueças de Mentir».
O que é os portugueses conhecem do povo judeu para além das notícias sobre os conflitos entre Israel e a Palestina?
Isso é algo que gostaria de esclarecer, existe uma grande confusão entre judeu e israelista, não é a mesma coisa. Nem todos os judeus são israelitas. Há judeus em todas as partes do mundo. Nós somos brasileiros, mexicanos, polacos, romenos, americanos judeus e há os israelitas. Vão passar dois filmes israelitas mas é um festival da cultura judaica universal e milenária. Alguns filmes acontecem na Suécia, em França, na Polónia, em Israel e muitos outros países.
Nesta 1ª Mostra também há sessões para um público mais jovem e para as suas famílias, fale-nos um pouco desta vertente.
Um dos aspectos mais importantes que queremos realçar nesta mostra é a
didáctica com sessões para escolas, infelizmente a programação calha
numa altura de exames por isso a afluência não vai ser tão grande como
esperado.
Vamos apresentar o filme «A Mala de Hana», um filme
canadiano/checo que conta a história duma professora japonesa que recebe
uma mala com o nome duma menina que morreu num campo de concentração e
procura saber mais acerca da sua vida. Consegue encontrar o irmão dela, George, que está vivo e que vive em Toronto. Tenta passar a mensagem que
as crianças estão abertas a aprender e a amar. A sessão para as Escolas
vai ser na Sexta-feira às 10h30 e a S. E. Embaixadora da República
Checa, Dra. Markéta Šarbochová, honra-nos com a sua presença para falar
do Concurso Internacional de Arte Plástica Infantil Lidice e a sessão
para as famílias vai ser no Sábado pelas 16h30.
O filme de
abertura, «O Comboio da Vida» de Radu Mihaileanu fala sobre a questão do
Holocausto mas faz uma abordagem diferente do habitual.
Radu
Mihaileanu já é bastante conhecido entre o público português por ter
vencido, por duas vezes, o Prémio do Público da Festa do Cinema Francês,
em 2010, com «O Concerto» e em 2011, com «A Fonte das Mulheres». O
filme de abertura tem elementos de humor e quando vi o filme pela
primeira vez na televisão polaca fiquei algo confusa e não percebi muito bem mas depois de ver alguns dos seus filmes, sobretudo «O Concerto», percebi qual era o objectivo.
Ele trata as coisas muito sérias com humor mas sem chegar ao ridículo, sem banalizar, com uma mensagem tão subtil que vai
tocar todas as pessoas e vai fazer rir o público.
Radu nasceu na
Roménia, em 1958, no seio de uma família judaica. O seu pai, Mordechai
Buchman, perseguido pelos nazis, viu-se obrigado a mudar de nome - para
Ion Mihaileanu, a fim de passar desapercebido na Roménia de Ceaucescu.
A Judaica orgulha-se de apresentar, pela primeira vez em Portugal, «O
Comboio da Vida», amplamente galardoado a nível internacional, na
presença do seu realizador.
Outro dos convidados desta mostra é o realizador Eran Riklis que vem apresentar o seu filme «Zaytoun».
É um realizador muito equilibrado, tem uma visão da relação
israelo-palestiniana que muitos apelidam de pouco realista mas nos seus
filmes ele retrata pessoas que apesar de todos os problemas conseguem
encontrar almas comuns e ultrapassar as barreiras políticas que são
impostas a ambos.
É um road movie sobre um paraquedista que é feito
prisioneiro e que é salvo por um rapaz palestiniano quer ir à terra dele
plantar uma oliveira (zaytoun). Daí tem origem a palavra portuguesa
azeitona. Quis apresentar este filme para mostrar que entre os
realizadores israelitas há esta ideia que é possível conciliar as
divergências existentes.
Outro filme que também retrata situações terríveis é «O Tempo Perdido» de Anna Justice, porquê a sua escolha?
A guionista deste filme, Pam Katz, é co-autora do filme «Hannah Arendt» que vai encerrar a Judaica e daí ter querido fazer a ligação entre os dois filmes. O filme de Anna Justice fala dos horrores de Auschwitz mas o que vem ao de cima é uma história de amor eterna. O argumento é baseado em factos verídicos o que traz uma carga emocional ainda mais forte a toda a história.
Gostava também de referir o lancinante «Lore» da realizadora australiana Cate Shortland que será apresentado
pela S. E. Embaixadora da Austrália, Anne Plunkett, o que para nós é
motivo de grande satisfação. É um filme muito forte, que aborda o outro
lado dos vencidos, neste caso os alemães. Retrata a vida dos filhos de
nazis que fogem enquanto os pais são feitos prisioneiros e que são
salvos por um jovem judeu que fugiu a Auschwitz. Surge a questão que é
possível salvar vidas independentemente de quem são essas pessoas.
Por falar em salvar vidas um nome que me vem à memória é um diplomata português Aristides de Sousa Mendes e vão ter uma exposição no Foyer do S. Jorge para homenagear o seu bom exemplo numa altura de medos e cobardias.
Foi uma feliz coincidência pois está em a ser preparada a 2ª Fase do
Museu Virtual Aristides de Sousa Mendes (MVASM), estive em contacto com a
Coordenadora, a Arquitecta Luísa Marques, e foi possível apresentar a
exposição chamada «O Caminho (da Av.) da Liberdade». Através de
fotografias vai-nos mostrar o que era esta Avenida na época e como foi
vista pelos refugiados judeus como um paraíso.
Falando de
mulheres realizadoras e dos temas abordados, toda a programação tem uma
fortíssima componente feminina, quais os maiores destaques?
Gostava de fazer destaque ao filme «O Quinto Céu» de Dina Zvi-Riklis,
que vem a Lisboa para apresentar o seu fime e «Simon e os Carvalhos» de
Lisa Ohlin, nomeado para 13 óscares suecos. O filme de Dina Zvi-Riklis
fala de um Israel que não aparece muito nos filmes, retrata uma época
antes da fundação do estado. Em relação ao filme de Lisa
Ohlin a história gira em torno dum segredo. É interessante por se passar
na Suécia, que não foi ocupada pelo regime nazi, mas onde teve uma certa
força.
Cada uma destas realizadoras, com a sua maneira muito especial,
passa o testemunho da História. História essa que, ainda mais uma
mulher, Roberta Grossman, nos traz ao longo de séculos e através de
variadas geografias contida numa única canção universal, «Hava Nagila (O
Filme)», documentário delicioso, hilariante, comovedor e é a estreia
absoluta na Europa. E ainda mais um filme cheio de força feminina,
transbordante na Alma Mahler que, com os seus devaneios, leva o
desconsolado Gustav a pedir ajuda a Freud e sujeitar-se a sessões de
terapia, em «Mahler no Divã».
E após o visionamento do filme os espectadores podem participar num debate sobre Freud.
Sem dúvida, o filme com a sublime música do próprio compositor serve de
pretexto para um debate partindo do livro de Michel
Onfray «Anti-Freud», que desmonta o mito do pai da psicanálise, e que
conta com a participação da psicanalista Maria do Carmo Sousa Lima e do
musicólogo e crítico musical, Rui Vieira Nery. Vão falar sobre a relação
de Mahler com a música e do papel da psicanálise.
Vamos ter um outro
debate no último dia, após o filme «Hannah Arendt» com um conjunto de
convidados: Esther Mucznik, Vice-Presidente da Comunidade Israelita de
Lisboa e fundadora da Associação Portuguesa de Estudos Judaicos, António
Araújo e Miguel Nogueira de Brito, ambos professores da Faculdade
de Direito de Lisboa sob a moderação da jornalista, crítica literária e
escritora Filipa Melo. Neste debate vai-se abordar o Julgamento de
Eichmann em Jerusalém e o pensamento político de Hanna Arendt patente no
filme.
O filme «Hannah Arendt» de Margarethe Von Trotta é sem duvida o filme do ano, pode levantar-nos um bocadinho do véu?
É um filme bastante polémico mas necessário que retrata o acompanhamento in loco dum
grande acontecimento, o julgamento de Eichman em Jerusalém, por parte
da filósofa e pensadora política alemã de origem judaica. Aldolf
Eichmann foi um dos grandes responsáveis pela «Solução Final», que levou
ao extermínio de seis milhões de judeus. Nos artigos publicados no
prestigiado jornal New Yorker Hannah Arendt considera que Eichmann não é
um monstro mas apenas um homem comum, um simples burocrata que se
refugia em ordens superiores tornadas leis e que prescinde da capacidade
humana de pensar. Eis Adolf Eichmann, a banalidade do mal em si mesmo.
Esta mostra não podia encerrar de forma mais alegre e descontraída, o que preparou para o último dia?
Preparámos uma divertida surpresa, cortesia de Woody Allen para todos
os espectadores que assistam ao filme «Hava Nagila», está
garantida muita diversão. A Judaica encerrará em beleza com um concerto
de música Klezmer pelos fabulosos Lisbon Klezmer Brass que sem dúvida
vai encher a Sala Montepio com entusiastas que queiram sentir ao vivo, a
alma e o espírito do que esta Judaica representa.
Para terminar gostava que dissesse quais as suas expectativas para esta 1ª mostra e que desejos para o futuro.
Espero que esta mostra tenha muito sucesso e que se possa repetir e vir a crescer. Deixo o desejo de concretizar no
futuro algumas iniciativas que este ano não foram possíveis, como a de
organizar um concerto sinfónico com músicas de compositores judeus,
muitos deles desconhecidos e também quero dar mais realce à rede de
Judiarias existentes em Lisboa.
Estou contente porque já apareceu um
artigo no Jerusalem Post a falar deste festival, já chegámos à Terra
Prometida. Expresso a vontade de que esta mostra faça parte do roteiro
habitual dos festivais em Lisboa.
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Judaica – 1ª Mostra de Cinema e Cultura :
http://www.judaicacinema.org
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* Originalmente publicada a 22 de Maio de 2013, na Le Cool Lisboa * 392