Le Capa * 307


Por Left Hand Rotation

Le Vitória 8

Portobelo-Arquipélago de San Blas.

Dois veleiros - Fenicia e Odisseia. Uma semana a navegar pelo mar das Caraíbas. Dezassete pessoas. Mochileiros e tripulação. Austrália, Canadá, Holanda, Colômbia, Uruguai, Equador e Portugal. Já o Sol se pôs e despedimo-nos de Portobelo, rumo a um dos maiores arquipélagos e a uma das viagens de barco mais paradisíacas que este nosso cantinho chamado mundo tem. Vamos todos em silêncio, de olhos fechados e em pele de galinha, desfrutando da magia que paira no ar. Passamos ao longo de toda a Cordilheira de Dárien e da pequena Ilha de Drake, onde foi enterrado um dos piratas mais temidos em toda a história dos Piratas das Caraíbas.

Com emoção navegamos sobre as estrelas, sobre a luz de Júpiter e seguimos uma rota rica em histórias, lendas e aventuras. Sento-me ao lado de um equatoriano que manejava o veleiro. Vamos lado a lado, partilhando apenas o som da quilha a bater nas ondas do mar, a lua cheia, o céu estrelado e levamos o tempo todo sorrindo, sem dizer uma única palavra. Não conseguimos tirar os olhos de cima um do outro. Um homem lindo, descendente de indígenas, pele escura, de longos cabelos negros, uns olhos escuros que espelham o legado Inca que lhe corre no sangue. Amor à primeira vista, no Caribe. Adormeço na proa do barco, com o coração cheio de adrenalina, com a incógnita de quão mágicos serão os próximos dias.

São 6h da manhã e acordo com o nascer do sol. O capitão sorri para mim e o seu olhar diz-me "Olha à tua volta". E quem disse que o paraíso ainda não desceu à terra? San Blas, também conhecido por Arquipélago das Mulatas, pertencem aos índios da comarca Kuna Yala. 369 ilhas, onde apenas 80 estão habitadas. Há ilhas para todos os gostos. Uma palmeira, duas palmeiras, três, quatro, com mais ou menos sombra, mais ou menos cocos, mais ou menos areia branca. Atracamos em Cayos Holandeses, numa ilha deserta, que seria só nossa nos próximos 3 dias.

As horas são divididas entre muito mergulho e muita partilha. O sol põe-se e extasiados observamos a força das cores fogo a deitarem-se no horizonte e a lua a espreitar-nos para nos dar as boas vindas. Hora de jantar. Chegam os índios Kuna no seu "cayuco" de madeira, com lagostas, caranguejos e afins, acabadinhos de pescar. Tripulação ao fogão! De estômago bem cheio, segue-se o trabalho de equipa. Tendas, muito rum e uma boa fogueira. Banhos de meia noite, à luz da lua cheia. Beijos de água salgada e abraços de areia. O que levavas para uma ilha deserta? Muito amor e uma cabana. E assim foi nos dias que se seguiram.

Ilha Tigre. Aqui ficamos por mais dois dias. Uma das poucas ilhas habitadas pelos índios Kuna. Ao contrário de outras, esta ilha não é nada turística, porque infelizmente também os índios já foram contagiados pela febre do turismo. Descalços caminhamos pela ilha onde as ruas são de areia como se fosse uma praia gigante. Cabanas feitas de madeira e folhas de palmeira. Os índios são baixinhos, considerados a comunidade de estatura mais baixa a seguir aos pigmeus. As mulheres sao exóticas, de pele bem escura, e cabelo negro curto. As suas vestes são incrivelmente coloridas e exibem ao longo dos braços e das pernas pulseiras de missangas com diferentes motivos. Têm uma hierarquia bem estruturada e regras bem estritas. Vivem da sua própria agricultura, da venda de algum artesanato, e muitas vezes trocam cocos por outros artigos que não podem produzir com os barcos de carga. Uma partida de futebol está marcada entre nós e os Kuna, que foram seleccionados para jogar no Campeonato Mundial de Futebol Indígena, na semana que se segue no Canadá.

Os dias passam e está na hora de seguir rumo para a Colômbia, agora dois dias em mar aberto. E foi aqui que mais uma vez a Mãe Natureza nos mostra a sua força e nos faz sentir o quanto pequenos somos. São 3h da manhã e a meio de uma brutal tempestade ficamos sem bateria. Sem motor e sem combustível. Ao ficarmos sem bateria a Fenicia por estar sem motor estava a ser puxada por uma corda pela Odisseia e com a força com que parámos quase que nos choca. Vimos todos a vida a andar para trás. O capitão manda-nos todos para dentro e diz que nos agarrássemos onde pudéssemos. As escotilhas estavam fechadas mas mesmo assim ouvíamos a água a inundar o barco na parte de cima. Tudo caía e abanava por todos os lados. Os ruídos eram ensurdecedores e parecia que nunca mais acabavam. Consigo levantar-me e olho pela janela. Vejo a Fenicia, iluminada por relâmpagos, o mar revoltado, a tempestade a querer engolir-nos naquele mar imenso, parecia um filme de náufragos que acaba da pior maneira. Ouvimos o capitão e os outros tripulantes a gritarem: " La Fenicia!! El Vertigo!! Nos vamos a morir!!!" E a rirem-se ao mesmo tempo!! Estes marinheiros... Finalmente adormeço e a manhã seguinte permanece silenciosa entre todos. Ninguém sabia como quebrar aquele momento, até que o capitão solta uma gargalhada acompanhada de um "cagaram-se todos ontem, não??" A Fenicia teve que ser solta, por umas horas enquanto carregávamos a bateria, e em que voltaríamos a cruzar-nos com eles para lhes dar de comer. Assim que nos cruzamos os meus olhos procuram os do meu índio, querendo só que aqueles dias de tempestade passassem para nos juntarmos de novo. Como num conto de histórias.

O dia seguinte segue-se com mais uma tempestade eléctrica, voltámos ao caminho, ventos sul, com o veleiro a navegar a 45 graus, agarrados à proa e a levarmos com a rebentação das ondas em cima! Que adrenalina!! As sensações intensificam-se num limiar entre a vida e o medo! Tudo é partilhado. A comida que começa a faltar, a água e os poucos cigarros que restam. Passamos quatro horas assim, até que: "Terra à vista!!! Bienvenidos à Colômbia!! Cartagena de las Indias!!", gritamos todos. Os corações acalmam e os veleiros cruzam-se.Trocam-se abraços e beijos quentes entre todos!! Grandes edificios à vista, majestosos, mas que conferem alguma beleza a este porto. Por detrás desta cidade moderna esconde-se um centro histórico cheio de vida.

Cartagena. A cidade querida da América Latina. Uma das cidades mais bonitas que já vi em toda a minha vida. As paredes são de cores quentes e coloridas, uma arquitectura colonial perfeitamente restaurada e há música em todo o lado. Caminhamos todos abraçados, com sorrisos pregados à cara que mal conseguimos tirar. Todos dançam felizes boleros mexicanos e salsas caribenhas. As pessoas abrem as portas das suas casas e fazem das suas cozinhas restaurantes. Cortam cabelos na rua a horas que não lembra a ninguém. Calor, boa energia, música, comida. Como uma típica cidade-porto, os habitantes são descendentes de escravos negros. As senhoras que vendem fruta, vestidas nos seus trajes vermelhos com estampados coloridos, carregam-nas em enormes cestas na cabeça e assim caminham tranquilamente pelas ruas. Linda Cartagena, hei-de voltar de novo para te abraçar. É com uma lágrima ao canto do olho que nos despedimos todos, com esperança de nos encontrarmos de novo, para nos rirmos desta linda aventura.

Bogotá. Uma capital como outra qualquer, a 2500 metros de altitude. Tem a sua beleza, mas não é cidade para mim. Prédios em cima de prédios, sinto-me fechada. No entanto, é uma cidade limpa, de certa forma organizada, super moderna e os colombianos são super boa gente, sempre sorrindo, bastante atenciosos, com bastante orgulho na sua cultura.

Cali, a capital da salsa. Fiquei hospedada no Bairro de San Antonio, um bairro cuidado, moderno, com boa gente e uma vida impressionante.  "La 5a" é a avenida mais conhecida para esta atracção. Onde se dança salsa, rumba, merengue, bachata, todos os ritmos latinos conhecidos e desconhecidos de Segunda a Segunda.

Sem dúvida nesta viagem, vivi momentos intensos de coração e de aventura, que mais uma vez me fazem pensar o quanto é importante, pormos de lado tantas preocupações supérfluas. Saber viver, desfrutar, sem ter que olhar para trás e pensar que o faríamos diferente, aceitar as transformações, aceitar-nos como somos, aceitar os medos que temos e ouvir o coração, caminhar na rua e assobiar, de tão estupidamente contentes que estamos. Depois disto, é com um sorriso na cara que digo que sou feliz pelos momentos que vivi e por não saber aqueles que me esperam, mas sabendo que não há pressas para nada, conectar-me e aceitá-lo porque tudo nesta vida tem uma razão para ser.

Depois de uma aventura em mar aberto, conhecer a bela Colômbia. Está na hora de conhecer esse belo país primo daquele que agora é o meu país, e reencontrar-me com aquele que agora aquece o meu coração. Mochila às costas, pé na estrada, preparada para cruzar mais uma fronteira, mas desta vez por terra!

Equador aqui vou eu!

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* Originalmente publicada a 29 de Setembro de 2011, na Le Cool Lisboa * 307 

Le Entrevista a Mário Valente por Luísa Baptista

É noite. O Bairro Alto está calmo, a Bica com algumas pessoas. Na descida cruzam-se caras conhecidas nesta cidade-elástico por vezes grande e muitas demasiado pequena. “Vamos ao Lounge, há lá um concerto”, frase dita que podia estar escrita numa daquelas paredes. Na Le Cool muitos desses concertos já foram anunciados, primam pela qualidade, pela actualidade: são escolhasde autor. Fomos tentar saber que história tem este autor, quem faz este trabalho e descobrimos uma simpatia de pessoa, 38 anos e tão perto das novas gerações que poderia até nem ter idade.  

Mário Valente faz jus ao nome, arrisca nas suas escolhas que se têm revelado uma ilha nesta cidade. Imaginem se não houvesse Lounge. Onde iríamos no fim daquela calçada enorme? Onde teriam tocado de porta aberta os Rainbow Arabia, Maria Minerva e Los Explosivos? Que histórias tem este sitío, quem é a pessoa que há 12 anos mantém esta casa na rota de várias gerações? Uma viagem e tanto onde se cruza a música com cinema, os ciclos recicláveis e a cidade de Lisboa.

Fala-nos um pouco sobre ti. 

Nasci em Campo de Ourique e vivo em Campo de Ourique. A minha formação é em Design Gráfico no IADE, depois estive alguns anos a trabalhar como designer e comecei em dj em part-time pela piada da coisa em 94, que foi quando assumi residência no Johnny Guitar. Tinha 21/22anos. Depois foi correndo bem e fui fazendo cada vez mais noites. Às tantas e um pouco por acaso, estava sempre a saltar de empresa em empresa de design e a última onde eu estive acabou há meia dúzia de anos e eu decidi não continuar a procurar e dedicar-me só ao djying e aos bookings, o que me ocupava muito tempo, na realidade.

E nessa altura, em 94 que tipo de som se ouvia na cidade e no Johnny Guitar, qual era a tendência? 

Se uma pessoa pensa na cena de Lisboa como vês hoje em dia, não tinha nada a ver. Na altura não tinhas assim um som específico ou não notavas muito isso. Tinhas o Kremlin e o Frágil a passar House, mas depois a nível de barzinhos tinhas um ou outro no Bairro Alto com umas coisas mais modernas, o Kirk com os breakbeats e o inicío do drum n' bass, etc. No Johnny Guitar era só Punk,Hardcore e Metal à brava. Eu passava isso e Trash Metal.

Aos 15 anos, quais eram as tuas referências? Penso que é uma idade importante, em que se absorve muitas das coisas que ficam até tarde. 

Eu aos 15 anos era um puto muito peneirento que passava a vida na Cinemateca a ver cinema francês. Recusava tudo o que eu tinha gostado até aí, o cinema mais comercial que é normal uma pessoa gostar naquela idade, eu achava que ”eu agora não posso dizer que gosto disto”, era assim um pedante daqueles mesmo com a mania que era independente e que de repente começa a ouvir as coisas mais esquisitas, experimentais e que começa só a ver cinema diferente. O que vale é que isso depois passou, rapidamente. Aí aos 17/18 anos comecei a gostar outra vez de tudo, sem esse tipo de preconceito. Mas acho que é normal essa fase.

Então foste designer, tens a música e tens o cinema. Como é que o cinema entrou na tua vida? 

O cinema começou quando comecei no IADE a fazer cinema de animação com os amigos. Depois parei e comecei a escrever sobre cinema em várias publicações.

E um filme que te tenha marcado? 

Posso dizer um grupo de filmes que são uma referência para mim mas é daquelas coisas... Mas o Female Trouble do John Waters é um daqueles filmes que eu estou sempre a ver. O Feiticeiro de OZ que é assim uma escolha óbvia, mas pronto.

Tens um blogue de cinema. Fala-nos um bocadinho disso.

Sim, Zona Negra. Isso foi uma extensão de uma secção que eu tinha na DVD Review, que era uma revista sobre lançamentos de DVD. Escrevia normalmente sobre os lançamentos nacionais e depois tinha uma página dedicada ao cinema série B, de Terror, Blaxploitation, Erótico, etc que se chamava Zona Negra precisamente por causa da história das Regiões 1,2,3 códigos dos Dvds onde podem ser reproduzidos. E ali em vez de região, era a Zona Negra, havia uma outra secção que era a Zona Jade que era sobre cinema oriental. Entretanto a revista fechou, mas tomei-lhe o gosto de escrever especificamente sobre aquilo que sempre foi a minha pancada principal, assim um cinema mais “ao lado”. Como eu vejo um filme todos os dias, mal acordava escrevia um textinho pequenino e então tenho lá centenas e centenas de textos sobre filmes. Às tantas deixei de ter tempo. Agora é um arquivo com umas centenas boas de filmes analisados.

E tempo livre, existe? 

Sim, faço questão de ver um filme por dia, sempre que consigo. Excepto nas noites em que trabalho mas, quando estou de folga é um filme por dia e sempre foi desde puto. No tempo livre que vou tendo, bebo vinho a ver um filme.

Acerca do revivalismo na música, o que achas deste loop contínuo em que se vai buscar aos anos 80, aos 70, 60, agora é o dance floor dos 90. E o rock dos anos 90 também. Não achas que já chega de revivalismo?

Eu curiosamente acho que esta última década foi a década de todos os revivalismos; no inicío de 2000 foi a revitalização do final de 70, início de 80 com o Electroclash a pegar no cruzamento do New Wave com o Punk, e depois foi-se evoluindo. A década foi aumentando e foi-se chegando aos anos 90. Obviamente que vai sempre continuar, até que se vai chegar a um ponto em que deixa de fazer sentido fazer um revivalismo do revivalismo.

Até porque se perde informação pelo caminho, muitas vezes quem o faz não conhece muito bem as raízes dessas fontes.

Mas eu não vejo isso como perda de informação, interpreto antes como oportunidade para assumir uma linguagem nova ali dentro, seja consciente ou não. Como dizes, pode ser até por falta de informação e é isso que acaba por fazer que as coisas sejam diferentes porque as abordagens não são as mesmas.

Muitas bandas que usam essas sonoridades desconhecem ao que é que elas se referem, que tipo de vivências, que tipo de épocas, não sabem essa parte da história. E pegam só porque gostam. 

E muitas vezes pegam só pela imagem. Enquanto que na altura era uma coisa que tinha a ver com um deslumbramento próprio da época e era uma coisa genuína, que vinha da rua, agora é pela imagem... as pessoas chegam lá ou pela roupa ou pela imagem dos vídeos. Descontextualizam a coisa. Mas respondendo mais directamente, eu acho que se está a chegar ao fim do ciclo reciclável. Porque não vais poder reciclar a partir dos anos 90. Os movimentos estéticos principais que aconteceram na música, aconteceram todos até ao final do anos 90, a partir daí começou-se com as reciclagens. Não faz sentido daqui a 10 anos reciclar-se 2005 por exemplo, porque já era uma reciclagem de... Às tantas podes argumentar: “ok, eu não estou a fazer uma revisitação de 2005 mas sim o que em 2005 já se estava a revisitar”, por isso já não é uma reciclagem pura, mas uma coisa nova. Por exemplo agora o que está na moda é o kraut rock alemão e toda a cena cósmica dos anos 70 está mais na moda do que nunca esteve, mais do que na altura, que era uma coisa underground e agora está a rebentar seriamente. Mas acho que as pessoas também se estão a cansar disso. E eu noto isso com as bandas nacionais que vão aparecendo aqui. Os portugueses sempre foram muito dados àsinfluências, Nos anos 80 tinhas trinta mil bandas a copiar os Joy Division e no inicío dos anos 90 ainda estavam a copiar os Joy Division. E agora não. Agora vês que há realmente miúdos que estão a seguir o seu próprio caminho, logo à partida.

E sendo assim, que julgas tu que vão ser as novas tendências? 

A nível mainstream vão sempre haver as festas anos 80/90 mas a nível cíclico de grandes movimentos que interessam, ou seja, aquilo que faz a coisa andar para a frente não há mais para onde ir. Acho que as pessoas vão encontrar o seu próprio caminho e que o futuro é mesmo aliberdade. Parece assim um bocado utópico (risos) mas a nível cultural se tem de se ir por algum sitío, é por aí.

A nível do panorama nacional, sobre aquilo que se produz hoje me dia, que situações encontras? 

Há quem diga que nunca se fez tão boa música como agora, há quem diga que antigamente é que era bom. Acho que as pessoas se calhar falam isso porque sentem falta das bandas que nos anos 80 tinham outro tipo de exposição, mesmo as bandas mais independentes como os Pop Dell' Arte, os Mão Morta e os Mler Ife Dada acabavam por ter muito tempo de antena na televisão. Os Pop Dell'Arte passavam em horário nobre no intervalo do Domingo Desportivo! Hoje em dia isso nunca aconteceria, mas isso tem a ver com a exposição, porque há muita coisa a acontecer e hoje em dia as bandas não têm tanta exposição. Agora, é um facto que neste preciso momento há bandas boas como nunca houve a nível de quantidade. Nunca houve um período assim de coisas boas a acontecer.

E lá fora?

Repete-se a mesma coisa que aqui no sentido que há muita oferta. E como muita oferta há muito mais coisas boas do que havia antes. Mas são bandas que muitas vezes não conseguem marcar o seu tempo da mesma forma que havia antigamente.

Pois, porque há a questão da duração que hoje em dia é muito curta e parece dininuir cada vez mais. É rara a banda que consegue lançar um segundo ou terceiro álbum e conseguir a mesma adesão do público e dos media.

Mas muitos projectos depois reinventam-se. Acabam, depois começam com outro nome, ou viram Djs, quer dizer, a coisa vai-se reciclando.

Na tua actividade de programador do Lounge, como e onde vais buscar tanta informação? 

Olha, eu passo muito menos tempo na net à procura de bandas do que devia. Não passo mesmo tempo quase nenhum. Vou uma vez por semana ver os discos que saíram nas lojas online de venda, vou vendo algumas publicações online, vejo o que se destaca. Vejo a Pitchfork como quase toda agente porque é um site mesmo grande, vai um bocadinho a todos os géneros, com algum controlo de qualidade. Não é só as redes online, há a rede de amigos, outros Djs amigos que me mostram coisas e que eu mostro a eles, eu estou sempre a aprender.

A verdade é que o Lounge tem uma ementa musical excepcional com bandas que têm uma sonoridade muito actual, que não se vê muito por aí.

Há mais sítios com uma ementa assim, a grande diferença é que aqui é gratuito. São escolhas que também são influenciadas pelo meu lado de Dj que me leva a estar constantemente a comprar discos novos e à procura de coisas novas.

Mas as escolhas que fazes fazem uma ponte com as novas gerações, consegues de alguma forma captar os públicos jovens. Como captas essas influências?

Fico muito contente por dizeres isso. Sobretudo é gosto pessoal e é uma selecção que tenha a ver com a casa mas depois também há uma coisa muito simples. As bandas que eu ando à procura são bandas que ainda não cresceram muito, logo como bandas novas e que estão a começar, os miúdos conhecem.

Qual é a história do Lounge e como é a tua história dentro do Lounge?

São histórias completamente paralelas. Por causa de amizades e de relações amorosas de outros amigos, acabei por conhecer os donos do Lounge quando eramos todos miúdos, isto no inicío dos anos 90. Começou tudo em Hamburgo, eu andei na escola alemã, tinha amigos alemães e portugueses e havia uma grande relação com outros alemães que viviam em Portugal. Um dos sócios que vivia em Hamburgo e que tinha um bar resolveu vir para cá, vendeu o bar dele lá, abriu este. Eu fui o Dj da primeira noite e começou logo desde aí, em Abril de 99.

Nos tempos de hoje em que toda a gente assume vários papéis, têm blogues, são djs, fotógrafos, etc. Como achas que na música esta invasão têm resultado, no que toca aos Djs particularmente? 

Hoje em dia toda a gente é tudo. Acho que cada coisa no seu lugar. Uma pessoa que joga à bola aos domingos com os amigos não vai meter no currículo a dizer que é futebolista, não faz sentido, não é? Da mesma forma que uma pessoa que te dá uma aspirina para te curar a dor de cabeça, não vai dizer que é médico. Da mesma forma que um tipo que vai pôr música numa festa particular dos amigos e leva o portátil, não pode começar a dizer que é Dj, como quem escreve num blogue não é automaticamente jornalista. Deve haver uma sensibilidade da parte das pessoas e fazer coisas que o justifiquem. Senão é simplesmente fachada.

E para finalizar, o que te irrita mais quando estás a pôr música? 

Quando estou concentrado para fazer uma sequência de dois minutos e vem um amigo que já não vejo há algum tempo e diz “então conta coisas” (risos). Ou quando pensam que eu sou uma jukebox e tenho que obeceder ao gosto de cada um.


Entrevista por Luísa Baptista
Fotografia por Nelson Rodrigues - LINHA (En)CARNADA

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* Originalmente publicada a 29 de Setembro de 2011, na Le Cool Lisboa * 307

Le Entrevista a Alexa Rodrigues por Luísa Baptista


Há pessoas que parece que nascem com um followspot natural. É assim a Alexa Rodrigues. Não passa despercebida, é multifacetada, inteligente e muito hábil no que toca à vida na cidade. Recentemente chegada de São Tomé e Príncipe, onde esteve três meses na “Selva” como gestora de imagem do recém-eleito presidente Dr. Manuel Pinto da Costa, esta menina tem uma enorme curiosidade pelo mundo e o seu percurso curricular é uma pequena mostra disso: Engenharia no IST, Pós-graduação em Controlo de Gestão no ISCTE, Projectos de Decoração de Interiores na Fund. Ricardo Espírito Santo, Instrutora de Fitness Internacional, Pilates, Styling e Assessoria de Imagem na Escola de Moda de Lisboa entre outras formações
menores.

Foi de manequim a mineira, de bancária a produtora de eventos, de instrutora de Pilates a consultora de imagem. Lisboa à distância ganhou-lhe um novo afecto. Encara todas as situações da vida como um desafio e assim tem vivido, com poucas horas de sono. Vai-nos contar a experiência africana e a sua vida nesta cidade que todos gostamos tanto.

Le Capa * 306


Por Óscar Silva

Le Entrevista a Twin Shadow por Luísa Rosa Baptista


"Pronto, têm 20 minutos! Quando estiver quase a acabar eu depois venho aqui avisar que é para fazerem as últimas perguntas, está bem?” E com as indicações da responsável portuguesa do Pepe Jeans Singular Festival começou a entrevista a Twin Shadow, meio-dia solarento, Chiado, Lisboa, 1 de Setembro de 2011.

Data extra no Clube Ferroviário, numa tournée já longa e que não tem prazo para acabar, uma vez que “o objectivo é cobrir o máximo da Terra possível”. Este concerto fez a cidade andar num reboliço à conta dos bilhetes. Os portugueses parecem adorá-lo, tocou 4 vezes este ano no nosso país. Nós chegamos pertinho para tentar saber o que este rapaz (George Lewis Jr.), nascido na República Dominicana e crescido na Flórida, tem de tão especial para andar a tocar nos melhores festivais do mundo. Numa conversa que acabou por ser tudo menos formal, revelam-se pequenos detalhes da vida do homem por detrás do músico.

A banda que o acompanha (Andy Bauer – baterista; Wynne Bennett – teclista e Russell Manning – baixista) estava presente e deu-nos algumas dicas. Mais cool que isto era fazer as malas e entrar com eles no próximo avião. Vontade não faltou.

Le Entrevista a Dj Ride por NunoT


Quem é Dj Ride?

Dj Ride é um miúdo que gosta de scratch, bicicletas, gadget's, electrónica e hip hop. Cheguei a fazer downhill quando tinha 14 anos, mas como perdia sempre virei-me para os campeonatos de Turntablism. Ficava dias e dias fechado em casa só a treinar scratch. Comecei por fazer festas no sótão com uns amigos, mas nunca ninguém aparecia. Tive alguns projectos com MCs e bandas, desde o jazz ao rock. Nessa altura conheci o Stereossauro e formámos os Beatbombers. Foi mais ou menos nessa altura em que participámos no primeiro campeonato de scratch, em Lisboa. Ninguém me conhecia na altura e, como ganhei, para além de levar algo bastante diferente dos outros djs, aquela noite teve mesmo muito impacto na comunidade de djs/turntablism nacional. Basicamente a partir daí nunca mais parei, lancei álbuns, vinis, colaborações com músicos, bandas e actuações de norte a sul do país e algumas idas lá fora também. Vi o meu hobby tornar-se aos poucos o meu full time job e tem sido incrível poder viver da música a fazer aquilo que
amo.

Le Capa * 305


Por Tamara Alves

Le Entrevista a João Ferreira (Queer Lisboa) por Rafa.el


João Ferreira, director do Festival Queer Lisboa | Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa fala sobre a 15ª edição do Festival mais antigo de Lisboa que percorre a cidade de 16 a 24 de Setembro, pelo pólo habitual do Cinema São Jorge e prolongando-se este ano até ao Teatro do Bairro. Este ano sob o signo da transgressão e novamente esbatendo e expandindo os limites do que é um Festival subordinado ao cinema, em torno do Queer Lisboa 15, orbitam numerosos outros eventos que complementam o que se vai passar na tela.

O Festival mais antigo de Lisboa, 15 anos, sob o signo da trangressão. Apresenta-me o festival.

Vou começar pelo tema da transgressão, porque me pareceu um tema não só interessante como importante para a edição deste ano. Eu estou no Festival vai fazer 10 anos, o Festival faz 15. Acompanho o cinema Queer já há muitos anos. Evoluiu bastante nos últimos tempos, nesta última década principalmente, entrou para o circuito comercial e surgiram muitos sub-géneros dentro do cinema Queer. E a transgressão surge sobre uma reflexão quanto ao cinema Queer. A partir do momento em que ele toca tantos formatos e sub-géneros, qual é esse cunho que ele tem. A transgressão é o elemento que procuramos quando fazemos a selecção destes filmes. Continua a ser uma das características fundamentais do que distingue o cinema Queer.

Le Entrevista a José Garcia (Companhia do Chapitô) por Rafa.el

Em momento de celebração dos 15 anos da Companhia do Chapitô, José Carlos Garcia - director artístico da Companhia do Chapitô e vice-presidente do Chapitô,  faz a resenha e o convite para o apontamento de festejo.

Olhando para o que foi feito com orgulho - mas projectando a visão para o futuro. Com exposição retrospectiva em algumas estações do Metro de Lisboa e com evento especial a começar no próximo dia 19, a Companhia do Chapitô mostra-se grande e com passada certa. A Companhia celebra o aniversário de 15 anos de trabalho constante e, a todos os níveis, feliz.

Fala-me um pouco da Companhia. Apresenta-a.

A equipa constitui-se da Tânia Melo e Francisco Lyon na produção; de Jorge Cruz, Tiago Viegas e Marta Cerqueira na representação, John Mowat como encenador e José Garcia como director artístico e actor [partilha o cargo com o de vice-presidente do Chapitô]. Viajamos muito e valorizamos muito a inteligência humana, somos como uma família criativa. O processo de trabalho é em inglês, ensaiamos em espanhol e adaptamos para italiano e para outras audiências, representamos em inglês com adaptações, pois queremos proximidade com o público.

A Companhia está estabelecida no espaço do Chapitô, usa a logística deste, mas é autónoma a nível criativo. Surgiu em 1996 com João Cena, director de produção da casa e surgiu do sonho de criar uma companhia que fosse o espelho do Chapitô. Co-criada por João Cena, José garica e Rui Rebelo.

A nossa forma de estar é sempre uma postura de pessoas normais, de estarmos ao mesmo nível. Valorizamos os valores humanos, a amizade. Somos companheiros (partilhamos o pão).

E fazem teatro do gesto, teatro físico, pantomima?

É teatro físico, é do gesto, é do objecto. É Commedia dell'Arte, mistura de técnicas que foram sendo trazidas pelos seus elementos, junção de experiências. John Mowat faz ainda teatro do gesto em Londres. Não temos cenários, temos apontamentos de cenários, adereços. Não interessa o cenário, interessa-nos apontamentos de cenário, de movimento e de enquadramento e o público que preencha o resto.

A pantomima é exterior ao corpo, na Companhia existe a qualidade do movimento, é uma mímica corpórea, usando o próprio corpo, que para o movimento é interessante. No Drákula há pantomima por interesse dramatúrgico. A dança, e.g., faz-se em movimento contínuo para o espectador ter leitura e a Commedia dell'Arte não é orgânica, como somos.

Temos vários layers, o último layer é actor/público. A obra é superior ao ego e trabalhamos muito para a obra. Não somos académicos, somos operários do placo, fazemos filigrana do gesto, da palavras, não ficamos apenas na ideia.

Como é o vosso processo de trabalho?

É um trabalho colectivo, não temos método e esse é o nosso método. Um espirro pode ser um estímulo. Ninguém sabe o que vai acontecer.O trabalho é em inglês [em virtude da encenação ser conduzida por John Mowat, britânico]. Na Companhia manipulamos objectos, é um circo invisível.

Achas que se perde algo por ser em inglês?

Perde-se algo nos textos, pois não é a nossa primeira língua. O texto não é o motor, ajuda como catalizador para perceber a peça e é essencial para a compreensão, não a essência, essencial.

É um trabalho de edição de teatro?

Sim. (risos) É isso mesmo.

Referências que tenham, Marceau, Tati, o Viegas.

A Nola Rae é referência para mim. Vi o Elizabeth's Last Stand, em 92 talvez. Percebi que foi ali que fiquei com o gosto pelo toque do objecto. E Nola Rae vai voltando.

E trabalham clássicos.

Usamos clássicos, mas os textos são destruídos. O Grande Criador é a história da bíblia, juntando-lhe partes do Ricardo III. Os textos são desconstruídos, esta é uma pretensão cómica. Brecht dizia que "a comédia leva à compreensão." Fizemos também comédia negra, como o Cão, o Cemitério dos Prazeres. No próximo, o Crepúsculo dos Deuses, vamos descontruir a questão da mulher com ilusão de estrelato [baseado no texto original do filme de Billy Wilder].

E vão entrando novas pessoas, a equipa vai-se alterando?

À Companhia interessa sangue novo, rotativamente. Tenho medo que a equipa entre em decadência. Há sempre pessoas novas, vão entrando. Têm que ser pessoas que tenham disponibilidade para viajar e que gostem do género.

Aos 15 anos, não estou nada cansado da Companhia, nada fatigado. Surgiu-me o cansaço [há uns tempos] pelas viagens e fiz uma pausa quando entrei na carrinha da tour, quando em Pamplona - surgiu-me que andava com a casa às costas, e precisei de ver e ouvir outras coisas.

E quanto ao Chapitô?

O Chapitô não é uma escola de circo. E há sempre pessoas que vão circulando para outros países, para outras companhias.

Somos muito acarinhados, o Chapitô é único no mundo, com três áreas integradas - é escola, formação, cultura e acção social. Trabalham 120 pessoas no Chapitô, faz-se o trabalho de reinserção social por via das artes nas prisões juvenis - os chamados colégios. No último piso do Chapitô temos a Casa do Castelo, lar de transição para uma vida mais organizada, onde os habitantes aprendem a gerir o seu dinheiro e têm apoio psicológico. Temos 150 apoiados e não há problemas com as pessoas, todas são iguais, não etiquetamos, nem diferenciamos o tratamento.

É uma aldeia, temos ATl, biblioteca, hortas, uma loja, audiovisuais, a Oficina Faz Tu(do). Falta uma mercearia. Isto tudo define os valores do Chapitô, que é uma casa aberta a todos, todos são bem vindos.

Fala-me do evento do 15º aniversário.

Vejo sempre o teatro como a sala de estar, recebemos o público como se viessem para jantar e contamos uma história. Abolimos a quarta parede, os convidados estão ali para ouvir uma história. Quanto ao evento [que arranca a dia 19], o espectador escolhe o que quer ver, a votação decorre no facebook também. A comunicação é próxima.

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Entrevista feita no Chapitô.
Companhia do Chapitô : http://companhia.chapito.org

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* Originalmente publicada a 15 de Setembro de 2011, na Le Cool Lisboa * 305

Le Capa * 303

por Pedro Tavares

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* Originalmente publicado a 4 de Agosto de 2011, na Le Cool Lisboa * 299 

Le Vitória 7


Mancora. Norte do Peru. Sol e praia. Aqui comeca o primeiro passo para aquela que será a minha segunda viagem na América do Sul. Penso em tudo o que deixo para trás, mesmo sabendo que em pouco tempo estarei de volta. Estou curiosa também, no que os próximos dois meses terão reservados para mim.

Casco Viejo, Cidade do Panamá. A suar. Bem-vinda à América Central. Passeio pelas ruas do bairro antigo. Casas lindíssimas de arquitectura colonial, deixadas ao abandono numa cidade com um potencial enorme. Observo o Canal do Panamá e do outro lado há prédios e arranha-céus em demasia, cada um competindo a ver qual será o mais alto. Ao virar duma esquina espreito e vejo uma igreja. Entro e sento-me a escutar o silêncio. De repente, olho para o meu lado esquerdo e vejo-te a passar. Saio a correr para a rua e chamo pelo teu nome. Assim que virares as costas, sei que esse será o momento. Os meus olhos procuram os teus e quando olho, em ti vejo desejo, mas em mim não. Cada um diz adeus e segue viagem com um nó na garganta e aquele vazio no estômago. Agora sei que tu não foste a razao pela qual eu tinha que aqui estar.

Le Entrevista a Júlio Resende por Pedro Tavares

No seguimento do seu último álbum, o You Taste Like a Song, e na expectativa do concerto incluído na Festa do Avante de 2011 (leiam o artigo nesta edição da Le Cool Lisboa 303), Pedro Tavares entrevista Júlio Resende, músico de jazz, pianista, tudo.

Vais actuar na Festa do Avante no dia 4 de Setembro com o teu quarteto com Perico Sambeat, com o Joel e com quem mais?

Com o Matt Penman.

Fala-me um pouco do que se vai passar lá.

Vai ser a extensão deste último disco "You Taste Like a Song" em trio, vai passar a quarteto. E daí trazer novas possibilidades, novas cores à música. É um elemento mais, um elemento que é um músico extraordinário. Tudo se fará para que o conceito do disco se consiga colocar nesta formação também, em quarteto. Estou muito contente por colocar o Perico e o Matt a tocar juntos. Acho que eles se vão divertir muito e nós também.

Este ano apresentaste o teu último trabalho com um concerto na Culturgest, com um trio em que Matt Penman era convidado especial.

Bem, foi uma alegria gigante em vários sentidos. A Culturgest foi o primeiro sítio ao qual vim a Lisboa ver um concerto, teria para aí 18 anos. E passados 10 anos, estar lá a tocar no grande auditório, e com o Matt Pennam como convidado e com o meu companheiro Joel Silva, foi uma grande alegria. E que me deu um retorno musical que não é facilmente igualável e que eu espero repetir nos próximos anos.

Como surgiu a música na tua vida, tinhas antecedentes na família.

O meu pai toca um bocado de guitarra e foi ele que me comprou o teclado. E a partir daí o teclado fez sempre parte de mim. E o piano, depois mais tarde. Tinha quatro anos quando comecei a tocar.

E o jazz aparece quando na tua vida.

O jazz aparece mais tarde, aos 14/15 anos. Funk, música de fusão e o jazz, começa a aparecer tudo mesclado. E vou descobrindo que há uma música que tem a ver com improvisação. Que é o jazz. Improvisação essa que eu já faço quanto estou a tocar. Invento melodias. E sendo o jazz uma música que faz isso como essência, tentei perceber o que se passava. Gostei muito e descobri alguns discos, Joshua Redman, Coltrane, coisas que me iam emprestando também. Pat Metheny, Jim Hall. Foram os primeiros discos, os primeiros discos de jazz, jazz. Antes ouvia outras coisas, rock, pop.

Tanto quanto sei o Zé Eduardo foi fundamental para ti.

O Zé Eduardo foi a primeira pessoa, estando eu em Olhão e ele um músico de jazz que morava em Faro e dava aulas, foi a primeira pessoa que me deu as primeiras aulas de jazz mais a sério. Só tivemos tempo para duas aulas. Depois eu vim para Lisboa morar e ele deu-me o contacto do Rodrigo Gonçalves.

E que outras pessoas marcaram o teu percurso.

A minha professora de piano clássico do Conservatório em Faro, o Rodrigo Gonçalves. Essas pessoas vão orientando o teu percurso em termos musicais. Os discos sempre foram os meus maiores professores, são o país do jazz.

Quais são as tuas maiores influências além dos Beatles e dos Pink Floyd?

(risos) Em relação ao jazz, já ouvi e conheço muita coisa. Há uns que gosto mais, mas não posso dizer que me sinta influenciado por alguém em particular. Porque a música que faço tem muito a ver com experiências de vida, reflexão, cinema. Doutros sítios e coisas que te vão alimentando a alma de modo a poderes fazer música. Em relação aos Pink Floyd, Radiohead, Clã, Ornatos Violeta, Chico Buarque, João Gilberto, Jeff Buckley. Ouço muita coisa e tudo isso contribui para a minha música.

Neste momento o que andas a ouvir?

Neste momento comprei o CD do Ben Allison, contrabaixista. Comprei outro CD de Henry Arlan, ao vivo em Paris, que é muito bom. Tenho ouvido o novo CD dos Radiohead que também anda aí. E vou ouvindo outras coisas, o Jorge Palma (risos).

O que procuras na música, o mais concretamente na tua música.

Coração.

Coração? De resto no teu último trabalho há uma quantidade de frases. E há lá uma que fala precisamente do coração. Fala da alma, fala de coração.

Ah ok. Sobretudo o que quero é que a música seja uma força viva, viva no sentido de que não quero estar preocupado se é tecnicamente difícil ou tecnicamente fácil. Quero estar preocupado se isso está a servir a música, independentemente de ser difícil ou fácil, e normalmente é as duas coisas, quero que tenha um significado maior. Que tenha a ver com o coração, com a comunicação de mim para outros, de mim para a vida. E isso é importante para mim.

O que serve o quê, a técnica serve..

É sempre a técnica que serve a música.

Ou a arte, neste caso.

A arte, sim.

Qual o teu conceito de improvisação. Como filósofo, pensa-la?

Penso bastante. A improvisação é um espaço de liberdade, o que quer dizer que não tens que estar preso a nenhuma linguagem, nem a nenhuma história, inclusive à história do jazz, à linguagem do jazz. O jazz sempre foi uma música de rotura e sempre quis fazer disso uma pedra basilar da sua fundação. Nesse sentido é possível, até dentro do jazz, romper com a linguagem jazz, com aquilo que é mais canónico. É uma das coisas que mais gosto no jazz e é um dos conceitos de improvisação que mais me agrada. Improvisar também é – como alguém me disse um dia– compor em fast up. Isso quer dizer que quando estamos a compor, há mais coisas de ti que aparecem. O conseguires fazer da improvisação uma composição instantânea, uma composição no imediato. Isso é um bocadinho difícil. Fazer com que a improvisação seja um bocadinho tua. Sem grande fórmulas ou então a fórmula que tu já és. Aquilo que conseguiste adquirir em ti, é natural que assim seja. Uma espécie de natureza musical que está em ti, posta facilmente quando estás a tocar. Não que seja muito pensado, ou que seja pensado para ser difícil ou fácil. Pensada para ser natural. Natural e que tenha a ver comigo. Sou eu.

Eu também sou artista, e neste momento desde há cerca de meio ano desenvolvo um trabalho que se sente precisamente na improvisação dos desenhos que faço. Ao improvisar os desenhos nunca saem iguais, mesmo que queira fazer aquele modelo. O jazz têm limites para improvisares ou quando improvisas não estás obrigado a cumprir limites, a seguir paredes. Podes improvisar para onde quiseres?

É uma pergunta difícil.

Eu penso assim para o desenho.

Há uma questão, uma premissa, que é saber se estás a tocar sozinho ou com uma banda. Se estás a tocar com uma banda e com composições originais, elas estão estruturadas, têm uma estrutura. São temas. Podes fazer várias coisas, mas para romper com esta estrutura, tens que comunicar muito bem com a banda. tem que ser tudo muito bem comunicado musicalmente. Isso é muito interessante. Tu conseguires, dentro de uma estrutura, de repente olhar para a banda e construir uma banda que perceba que, se calhar, queres sair fora da forma e ficar só num momento sem forma, sem estrutura.

Pode ser trabalhado, em casa, em ensaios, mas, sobretudo, é mais fácil ser feito com uma comunicação musical, quando se está a tocar com uma banda capaz dissso. Esse é um limite do jazz quando estás a tocar em grupo. Quando estás a tocar sozinho podes ir para onde tu quiseres. Há sempre limites, tocas num piano, não tocas fora dele. Usas o piano, usas as suas possibilidades.

Mas dentro da estrutura também gosto de estar fechado numa estrutura e fazer qualquer coisa como parecer que estou a romper isso. Isso é o mais interessante do jazz, na minha opinião. Tocar um standard, que é uma estrutura fixa, uma estrutura que foi repetida n vezes, mas que tocá-la pode ser tão diferente em cada pessoa e isso é uma coisa que dá muito que pensar. Tu tens uma tela ou uma folha de papel, tens que fazer algo de novo...

Eu tenho os limites da folha e tenho que procurar um caminho ali dentro.

Exacto. E lá dentro pode ser tão maior do que aquela folha, e isso é interessante. De qualquer modo tem que estar contido à folha, senão não cabe.

Tocar um standard tem a exigência, por isso é um standard. Quando vais fazer a interpretação dum standard, sabes que há inevitavelmente a comparação ao standard.

É isso, por aí. Já foi tantas vezes repetido, que tem que ser dito com uma força diferente.

A filosofia tem sido determinante para o teu trabalho?

A filosofia enquanto acto de reflexão é determinante para qualquer pessoa na vida. Na arte é igualmente importante, tens que reflectir sobre aquilo que fazes. Sobre aquilo que queres fazer, sobre aquilo que és. Se aquilo que fazes faz sentido, se o sentido vem de ti ou te é dado por outra pessoa qualquer. E isso até se torna um pouco falso. Encontrar sentido, fazer sentido. E reflectir sobre aquilo que aconteceu e sobre aquilo que queres que aconteça. Sobre aquilo que tu és. É parte de qualquer humano que se queria dizer como tal. Enquanto ser pensante. A filosofia é muito importante. A própria filosofia no ponto de vista de literatura e aquilo que eu li e filósofos que eu conheci, também me inspiram.

Tens editado de dois em dois anos...

Exacto.

E editaste um álbum em Fevereiro. No entanto, já pensas noutro projecto ou vamos ter de esperar mais dois anos, inevitavelmente?

Estava a fazer uma música antes de vir para aqui. Provavelmente dois anos e sai um novo disco meu. Acho que os discos merecem algum tempo, pelo menos um ano, normalmente merecem. Mas tenho outros projectos, o projecto com a Maria João, que vai sair no final deste ano.

O projecto Ogre.

O projecto Ogre. O projecto com a cantora Elisa Rodrigues no qual estou muito empenhado. E outros projectos que ainda não têm edição pensada, mas dos quais eu vou fazendo parte. O meu grupo e o que vai acontecer, ainda não penso nisso, talvez daqui a alguns meses, largos, comece a pensar.

Nos projectos em que estás envolvido és o líder ou o frontman?  

Nesses que acabámos de falar.

Eu vi-te tocar naqueles duetos do CCB e depois vi-te tocar num Jazz às Quintas, com o Joel Silva, se não estou em erro. Foi uma quinta-feira em que deram um concerto que fica para a memória.

Ainda bem. Foi um momento ocasional, era aquela série de duetos que existe no CCB durante o Inverno, entre um músico português e um músico estrangeiro. Foi um concerto montado para fazer esse conceito e que me deu grande gozo. Gostava até de ter gravado, mas...

Não pensas em manter esse dueto.

Para um próximo disco não, mas talvez mais tarde. O próximo disco ainda não sei muito bem qual será a formação, mas começará no trio.

Mas na Festa do Avante será quarteto. E esse é um quarteto teu, fixo?

Sim, esse é um quarteto com que eu espero vir a tocar mais vezes. De qualquer modo, estes próximos anos serão mais dedicados ao trio. Eu, enquanto músico de jazz gosto de tocar em várias formações. Eu próprio fazer várias abordagens. Isso alimenta-me, desafia-me e faz-me crescer.

E editar um álbum com um trio, esta formação, esse pode ser o próximo álbum a lançar?

Pode ser.

Os teus três trabalhos até agora editados, não apresentam nunca uma formação base. Existe sempre um ou outro  elemento comum – o Joel, o Bruno Pedroso, um elemento comum, mas aparecem sempre vários nomes. Existe alguma razão especial para que assim seja?

Sim. Ainda que tenha uma base, como neste último disco era o Joel e o Ole, e depois toco regularmente com o João Custódio, músico português, e com o Bruno Pedroso. Eu quis que fizessem parte deste disco porque eles são parte da minha música. Daquilo que é construído ao longo destes ano, em que eu passo a pensar ou a tentar construir esse disco. E gosto que eles façam parte disso. Para além de trazerem no próprio disco, às vezes uma cor diferente. E isso é sempre interessante do ponto de vista de quem está a ouvir. Passa por aí, passa por isso tudo.

Da Alma, Assim Falava Jazzatustra e You Taste Like a Song. Fala-me sobre destes três discos, em que diferem, evoluções e se há espaço para mais.

Os dois primeiros são em quarteto, formação que sempre gostei e este último em trio. Sobretudo os três duma coisa que é aquilo que me agrada mais, sobretudo vivem por serem temas meus. Não por serem meus, mas torna os discos em obras mais pessoais. Se calhar antes não conseguia fazer dum standard uma coisa tão pessoal. Acho que agora já consigo. Não fazia muitos standards. Tinha muitas coisas minhas para dizer e os meus temas são isso. Gosto disso nos três discos, e gosto muito dos músicos que lá tocam, em cada um dos discos. E muitas vezes ouço, sobretudo por causa deles. O primeiro disco tem o Zé Pedro, o João Lobo, o João Rijo. Gosto de ouvir e reouvir. Na verdade, nem os ouço muito. Ouço mais quando eles estão quase a sair. Tenho que ouvir os takes e depois tenho que descansar um bocado disso. Gosto muito do segundo, o Perico a partir a loiça, é muito gratificante ouvi-lo nesse disco. E este último é o que me dá mais espaço, também me exige mais, mas estou contente.

Gosto muito dos teus três trabalhos, talvez mais este último. Talvez este último me diga mais qualquer coisa. Há ali muitas influências rockeiras. Neste último há um maior tratamento na textura sonora. O som é mais clean. Há um cuidado maior, deste um destaque maior à textura.

A qualidade da gravação também é muito superior, gravámos o primeiro disco num auditório. Sem as condições para gravar um disco. Actualmente com a qualidade de som que os discos têm... Não o fizemos nas condições ideais. O último foi gravado num estúdio, com condições xpto, e isso torna logo o som diferente. Em relação à própria música, eu espero ter evoluído e espero feito com que a música tenha ganho alguns pontos de clareza. Mais pelas performances. A minha própria performance.

Porquê o nome You Taste Like a Song.

Porque eu gosto muito de canções. Há uma expressão na música clássica, que é o cantabile. Que quer dizer que o pianista, neste caso um pianista ou outro instrumentista, tem que tocar de modo a que pareça que está a ser cantado. E normalmente melodias que são pensadas para ser cantadas, o canto exige respiração. O saxofone também exige respiração, mas os instrumentistas têm mais vícios a dar muitas notas.

A sensação que me dá neste último álbum é que tu tocas as composições, todos os temas de modos diferentes, com o teu cunho. E dás a provar com o título, para mim que sou o cliente final ou para o público geral a provar, o jazz de várias maneiras e várias formas. Um sai mais ao estilo do rock e outro ao estilo do jazz?

Eu podia responder mas a frase é tão bonita e não fui eu que a inventei. É quase como um verso e não merece que a gente a desfaça ou a descodifique. Acho que é mais interessante assim.

Até agora todos os teus discos levaram o selo da Clean Feed. Como aconteceu, como nasceu esta relação.

À maneira antiga, com uma maquete que eu enviei à Clean Feed e que o Pedro Costa decidiu então gravar comigo e temos tido uma relação bestial desde então. Com o primeiro disco, com o segundo, com este agora. Estamos ambos contentes e acho que vamos continuar.

Foste convidado para tocar no 10º aniversário da Clean Feed. Que representou este momento para ti?

É incrível que uma editora portuguesa, de jazz, esteja neste momento tão cotada e interessante. Estamos a falar dum país onde o jazz não tem uma expressão muito significativa, mas tem uma editora de jazz que é considerada uma das melhores do mundo. E tem músicos de jazz, que para mim, são dos melhores do mundo. E, nesse sentido, é uma felicidade que tenham durado estes 10 anos. E fiquei muito feliz de ver as mensagens de cada músico espalhadas pelas paredes. Venham mais.

Crês ser um reconhecimento de todo um trabalho, foi uma aposta ganha?

Eu espero que sim, foi sobretudo uma relação que deu bons frutos para ambos, acho que eles estão contentes por me terem no seu catálogo, um músico português, que tem felizmente tido das melhores críticas lá fora e eu fico muito contente por ter uma editora interessada na minha música.

Somos um país pequeno com um mercado e um público bastante limitado. Temos uma óptima publicação bimestral como é a Jazz.pt, temos várias editoras com destaque para a Clean Feed, que é considerada pela especialidade uma das melhores do mundo. Óptimos festivais e excelentes músico. Que balanço fazes da cena do jazz no nosso país? Como prevês o futuro? Somos um case study ou o jazz está na moda?

O país é pequenino como disseste. E tem, felizmente, músicos que não são nada pequeninos. Levam o país além fronteiras e dentro do país, aumentam. Em relação à cena jazz isso acontece. Era bom que o país tivesse mais força para exportar os seus artistas Isso é um problema do país, não da arte. É um problema da imagem do país, um problema político. Em relação ao futuro do jazz há cada vez mais escolas, o que é bom, mas é necessário haver mais sítios para tocar. Há muitas pessoas por aí, que serão grande músicos e não terão grandes oportunidades para tocar. Há cada vez mais gente formada. O Hot Clube teve um incêndio e felizmente vai reabrir, e espero que abram a pouco e pouco vários clubes de jazz pelo país. O Engenheiro Bernardo Moreira disse numa entrevista uma coisa que me pareceu muito acertada, que é que às vezes se gasta muito dinheiro em festivais de jazz. Se houvesse alguém a fazer um clube de jazz e a apoiar esse clube de jazz, as pessoas da vila ou da cidade, fosse possível ir ver um concerto semanal, criando um culto em torno do jazz e não fazendo tudo em dois dias e gastar rios de dinheiro nisso e não haver mais nada durante o ano. Isto parece-me uma excelente ideia, para além dos músicos tocarem pelo país. Mesmo ganhando menos, mas tocando mais vezes. Isso é o que gostamos de fazer, de tocar. Isto é uma boa ideia, mas duvido que aconteça.

António Pinho Vargas, Mário Laginha, Bernardo Sassetti, João Paulo Esteves da Silva, Rodrigo Pinheiro. Tu. Como te sentes em relação aos outros, sentes-te herdeiro, ao mesmo nível.

Sinto-me herdeiro, obviamente. Ouvi-os, foram pessoas que eu ouvi. E agora sinto-me como um amigo que aprendeu e que está a disposto a fazer a sua própria natureza musical crescer. Eles são incríveis, e são incríveis porque são muito singulares, aprenderam a cultivar isso nas suas carreiras. Eu espero fazer o mesmo, em relação ao peso que têm na história do jazz em portugal. A história demora a fazer-se e eu espero ter tempo para fazer parte disso. Para poder fazer parte dela, vivendo nela.

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* Originalmente publicado a 1 de Setembro de 2011, na Le Cool Lisboa * 303