Le Vitória 12


Feliz Ano Novo, Ollantaytambo.

O ano entrou em força cheio de projetos na cabeça, prontos a passarem para o papel, e a vida vive-se tranquilamente por aqui. As férias começaram e tenho cerca de 30 crianças inscritas no meu curso de arte-terapia. Por vezes eles estranham um pouco as aulas. Para os métodos a que estão habituados, a forma como lhes ensino acaba por ser liberal demais. Há música para dançar e relaxar, sentam-se no chão descalços a desenhar e tudo lhes soa interessante e estranho ao mesmo tempo. Uns gostam e outros nem por isso. O que por vezes acaba por ser um pouco frustrante para mim, mas ao mesmo tempo sinto que é um trabalho desafiador e que me faz lutar todos os dias um pouco mais.

A notícia do ano, foi quando na primeira semana de janeiro tive uma reunião com a produtora de DOCUPERÚ, a instituição onde estudei cinema documental em Lima. Falei-lhes do documentário que estou a escrever sobre Cusco e o Vale Sagrado, e não foram precisos muitos mais minutos, para me dizerem que aceitavam produzir o meu documentário com um sorriso de orelha a orelha. Eu nem queria acreditar. Este sonho pelo qual eu já tinha desistido, voltou a ganhar pés e cabeça, e agora mais que nunca, cada vez faz mais sentido a minha estadia no Peru. Tenho uma equipa pronta a trabalhar, e assim que todo o dinheiro seja angariado, temos meses à nossa frente de filmagem com câmaras às costas, preparados para esmiuçar e trazer ao mundo a riqueza cultural que este vale tem.

Assim que por agora estou bem, mesmo sabendo que tenho que continuar a lutar todos os dias com as tradições deste povo. E por essas mesmas razões, sinto que quero dar uma parte de mim a esta gente, sinto que quero dar algo do que lhes sempre foi tirado e roubado, sem que alguém alguma vez lhes tenha pedido autorização para isso.

Abrir um centro cultural em Ollantaytambo é o próximo passo, enquanto sigo com as minhas aulas, e a terminar os projectos que tenho pendentes com as comunidades. Sei que não vai ser fácil, mas mesmo assim quero lutar até onde as minhas forças se esgotarem.

Tudo corre bem, sem grandes problemas, apenas me falta encontrar uma casa, com o meu jardim, onde possa ter o meu cão, e onde possa escrever e inspirar-me para este novo ano, que entrou em grande. Depois de um ano e três meses, começo a pedir por algum conforto e privacidade.

O amor continua tranquilo, melhor do que alguma vez pude estar à espera. Os momentos livres são aproveitados entre caminhadas na montanha, subidas às ruínas em noites de lua cheia, sessões de filmes enroscados no sofá em noites de chuva, jantares tardios à luz das velas acompanhados por boa comida, bom vinho, boas gargalhadas, onde por vezes os nossos olhares se cruzam e naquele momento o mundo para, onde apenas nós existimos, onde os meus olhos estão cravados no fundo dos olhos teus, os teus nos meus, e com eles não precisamos de palavras para sabermos o quanto estamos perdidamente apaixonados um pelo outro. O quanto nos desejamos de corpo e alma, sem nos cansarmos um do outro. O quanto sabemos como sabemos tão bem ser amigos, companheiros e amantes. O quanto sabemos também que uma relação dá trabalho e há que ter paciência, quando somos de culturas diferentes. Nunca pensei que o amor me pudesse bater à porta, neste povo tão remoto às portas das ruínas de Machu Pichu.

Outra viagem aproxima-se. Tenho que sair do país uma vez mais, e desta vez rumo ao Norte do Peru, onde está o Verão, o calor e a praia, para depois entrar pelo Equador para voltar com mais força, mais iluminada de volta ao trabalho.

Trujillo, Huanchaco, Chachapoyas, Tumbes e algures no Equador, serão os meus próximos destinos.

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