Le Entrevista a Lino Palmeiro (Le Cool Team) por Rafa

percebi também que és o segundo maior de Lisboa - o primeiro sou eu, claro. Como te aconteceu isto? É como ser de um clube, os teus pais ofereceram-te um cartão de sócio de Lisboa no berço?

Vou começar pela questão de ser o segundo maior fã de Lisboa - penso que o resto vem por acréscimo. Sou half alfacinha, alentejano de berço e cria. Mas em Lisboa, primeiro foram as pessoas, claro, e depois as casas o que me prendeu. Os interiores das casas antigas, com cozinhas com vista para o Tejo e quintais com nespereiras. De ir do Bairro até ao Príncipe Real a ouvir os galos a cantar e o som contínuo das rotativas dos jornais. Mas não foi no século XIX...

Ainda hoje não entendo a necessidade de manter a fachada mas sem se cuidar do estudo e da preservação dos interiores da arquitectura alfacinha. A gaiola pombalina, os tabiques, os estuques, o soalho de tábuas corridas - gosto disso tudo.
Aos 20 anos não pensei que Lisboa fosse para a vida, mas se calhar é. Se não fosse Lisboa, talvez no Alentejo com uma exploração de leite de burra e uma horta, claro. Os burros seguem o homem há milénios. Altamente adaptáveis, como nós, do campo à cidade. Lisboa cheia de burros colinas acima deve ter sido super. E agora a indústria dos cosméticos está a apostar nas tais qualidades míticas do leite de burra...

“Sede compassivos para com os pobres animais que vos ajudam a viver”. Ainda há  bebedouros destes na cidade: Príncipe Real e Santa Apolónia. Os donos deviam ser as bestas que se imagina e a Sociedade Protetora dos Animais lá tentava incutir algum civismo.

Também estudei artes (noblesse oblige): cerâmica, no Ar.Co, mas considero que sou um tipo que sabe ler e escrever bem. Parece um bocado salazarista agora este elogio às competências básicas, mas quando eu me iniciei na educação formal vivia-se ainda numa era agrária. Considero-me com sorte por ter chegado à era digital e viver para ver o Otelo virar pop star. Ah, aprendi a ler compulsivamente durante o PREC, com as paredes cobertas de inscrições.

Dos tempos do MS-Dos não guardo memória, apenas que os computadores na época  me fizeram fugir a sete-pés e prometer regressar quando a tecnologia já estivesse mais mulherzinha. Sei que não contribuí nada para o desenvolvimento da informática e que esperei pacientemente que ela crescesse e aparecesse.

Não sou de nenhum clube e nunca tive cartão. No máximo, cromos da bola com guedelhas e bigode farfalhudo.

Colaborar na Le Cool é pertencer a uma tertúlia - que é muito melhor do que ser de um clube. A Le Cool contribui com um espírito muito positivo para a cultura urbana alfacinha. Nunca temos um artigo a dizer que não gostámos ou a recomendar para não ir. Se não gostámos, passamos ao lado. E as pessoas já esperam esse cunho. Por vezes esperam que sejamos olissipógrafos encartados, mas somos uns meros neófitos da deusa Lisboa. Que percorremos e seguimos por paixão. Somos “groupies” de Lisboa da primeira fila. É isso.

Um sítio ou uma recomendação que deixe de ser segredo? Sou um adepto de Alfama. Vivi lá dois anos e volto sempre com prazer àquele bairro de santos e pescadores. São Miguel e a sua palmeira com milhões de pardais ao cair da tarde. Cacofonia ou melodia, dependendo da disposição. Santo Estêvão: o adro de igreja com a vista mais fantástica do mundo. A Fonte do Poeta (aqui não há santos, era uma entrada na judiaria). O Teatro Romano e a zona envolvente - pátios com roupa estendida a conviver com monumentos. Isso é a minha Lisboa.

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