Le Entrevista a Nuno Mendonça por Rafa El

Nuno Mendonça, artista, académico e investigador, relacionado intima e profissionalmente Às disciplinas de Arquitectura Paisagista e de Estética da Paisagem, fala sobre Land Art e sobre o Festival LandArt Cascais 2013, onde coordena um Workshop de Desenho de Paisagem. 

Gostaria, em forma de introdução, que se apresentasse e tratasse amiúde o seu percurso artístico que sei ser vasto.

Não é tão vasto quanto desejaria, o meu percurso artístico, dado que o reparti com a docência. 


No entanto, foi este repartir que muitas vezes contribuiu, quer para um, quer para outro lado da minha actividade um tanto dispersa, mas profundamente rica. Entre a pintura, a escultura, a azulejaria, o ensino e a investigação sobre a estética e poética da paisagem, encontrei um espaço de manifestação invulgarmente produtivo, sobretudo pela sua complementaridade. Diria, então, que a arte, a investigação e o ensino se consubstanciaram num só acontecimento, numa reciprocidade criadora a que o tempo e as circunstâncias deram a forma possível.


O que o atrai na intervenção artística na paisagem? O termo e disciplina «Estética da
Paisagem» é deveras interessante e também desperta curiosidade, baliza e reúne o que se convencionou, na historiografia artística, como «Land Art»?


Ao actuarmos no seio da paisagem, inevitavelmente interferimos e alteramos. Isto acontece
desde a sedentarização com a primeira forma agrária, se bem que a intenção nada tivesse de artístico, apesar de conter um sentido estético. 


Intervir artisticamente, quer pela Land Art quer pela sua gémea Arquitectura Paisagista, torna-se numa acção de enorme poder e que, para além do valor arte, contém sempre um sentido pedagógico. Dada a facilidade de usufruição destas intervenções pela sociedade no que se refere ao seu conteúdo estético e educativo, não é descartável a qualidade e justeza da intervenção. Em resumo, está nas nossas mãos o poder de acrescentar à paisagem a nossa paisagem interior, isto é, aquilo que de mais intimamente emotivo possuímos enquanto contempladores.

A Land Art e a Arquitectura Paisagista como actividades artísticas, estão subordinadas aos princípios da estética no que toca a um juízo de valor, sempre e exclusivamente especulativo, que as inclui, ou não, na designação de obra de arte. Porém, convém esclarecer que a estética da obra de arte e a estética da paisagem, instituem-se e exercem-se segundo pressupostos diferentes: a primeira discute a obra, estática, inerte e inalterável ao longo do tempo, enquanto que a segunda se exerce sobre o elemento vida em constante mutação. De facto uma estética da paisagem é uma constante instabilidade, sempre em adaptação à própria instabilidade da paisagem. O que num momento é belo e bom, minutos passados, pela mutação da luz solar, perdeu todo o interesse. Ambas as artes terão obrigatoriamente de considerar esta circunstância, a da instabilidade, como uma condição do meio e contexto em que se exercem, sob pena de não alcançarem os seus objectivos. Entre todos os elementos da paisagem a luz é o mais determinante.

Seria possível identificar que, a partir da sua estadia – passagem – por Évora, há uma
atenção maior à paisagem e às potencialidades artísticas? Algo como, e.g., o Cromeleque dos Almendres, é já um ponto de partida para o exercício de observação e intervenção?


Obviamente que sim, se considerarmos que nos perto de trinta anos da minha «passagem»
pela Universidade de Évora, leccionando no curso de Arquitectura Paisagista, a paisagem foi em todos os seus aspectos não só a preocupação central como a consciência da indispensabilidade de uma afeição paisagística como único modo de acesso à sua complexidade natural.

As realizações megalíticas nas suas estranhas e não muito claras intenções, como acima referi, são num outro contexto excelentes marcos da Land Art. Belamente integrados, encontram no poder da matéria e concepção de escala uma justa sabedoria do objecto participante no espaço natural. E, esta justeza e sabedoria vê-mo-la continuar-se por toda a cultura rural através dos tempos, construindo diques, pontes, moinhos, azenhas e demais objectos que apesar da indispensável função não deixam nunca de lado a preocupação estética, sempre presente em qualquer fazer criador. Mesmo não sendo o belo o objectivo da obra rural, ele surge na natureza do construtor. Retenhamo-los, ao menos na memória, pois que a arte tem sempre como base alguma coisa do artesão.

O que pode esperar o participante do «Workshop de Desenho de Paisagem», que irá coordenar, em intermitência no Festival LandArt Cascais 2013? É notoriamente algo que funciona fora do contexto urbano e além de estruturas verdes planificadas, ou é redutor compreendê-lo assim?

Será redutor, sem dúvida. Para a essência da obra de arte é perfeitamente indiferente o lugar. Ela realizar-se-à como objecto belo independe e autónomo, assim disse Benedetto Croce. Apenas as relações se alteram pois que consoante o lugar poderá estabelecer-se um diferente discurso da obra com a envolvência. Mas não a forma e matéria, que essas são estáveis no espaço e no tempo, exceptuando, claro está, as de carácter efémero. Mas mesmo estas, durante a sua brevidade, cumprem o mesmo ritual.

Quanto ao que pode o participante neste workshop esperar, francamente não sei. Ele o dirá, seguramente, após a experiência. Pela minha parte, desejaria que durante estes quatro módulos se chegasse a alcançar um estado de paisagem, isto é, uma proximidade com a coisa natural, produtora e provocadora de uma sequente poética, da qual surgirá obra, qualquer que ela seja, mas que, contendo verdade, é já por isso digna de respeito.

Sacralizemos a paisagem com arte. O que funcionaria bem – se é que é possível fazê-
lo – como uma definição para o termo Land Art. É um retorno à ruralidade, ao pitoresco, ao sagrado (ao profano), às origens? Obviamente que a arte de encomenda pública não é abarcada no termo…


Sagrado é tudo aquilo que pelas suas qualidades extremas merece o nosso respeito e admiração. A paisagem é já um bem desta natureza e, de certo modo sagrado perante o uso que a cultura da ruralidade lhe atribui no sentido de protecção de coisa vital e insubstituível.


Não há um retorno à ruralidade. Há, sim, uma continuidade sobre uma paisagem cada vez menos rural - mas não menos paisagem - assim o homem não perca o sentido de si próprio. E enquanto isso não acontecer de todo, é licito e desejável a procura de destinos vários para o seu sentido criador nas diversas formas da sua arte sobre a Terra. Quanto à encomenda pública… enfim, que apesar de tudo, a arte se possa manter pura e livre, para lá de valores cuja importância é relativa.

Gostaria, como apontamento final, que fizesse uma panorâmica geral do Festival e que lançasse um convite em específico para o workshop que irá ministrar.

 
Não tenho acompanhado o Festival devido a compromissos vários. Porém considero que este workshop, como acima disse no que se refere à proximidade com a coisa natural, será pelo menos para alguns participantes um momento de encontro entre uma vontade artística e o facto paisagem. E, como em todos os encontros sempre surge algum afecto, neste caso entre nós e a paisagem, que seja ele o motivo central e a razão de uma proximidade em tudo pertença de uma arte da terra.

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