Vale Sagrado de Ollantaytambo
Novos projectos. E um par de muletas.
Passei parte do mês de molho, por causa da queda. Mas assim que melhorei, mãos ao trabalho. Reabilitámos um albergue no Vale Sagrado em Ollantaytambo. Raparigas adolescentes que vivem nas comunidades rurais, caminham entre 4 a 6 horas até à escola mais próxima, e daí muitas vezes a meio do ano lectivo acabam por desistir, dedicando-se à producao de artesanato e roupas tradicionais. E como Ollanta nao é excepção, mais uma vez o seu desenvolvimento pessoal, intelectual e profissional nao passa do mesmo que as gerações anteriores. Um americano e uma peruana depois de viverem algum tempo no Vale aperceberam-se desta realidade. Uma antiga escola foi doada pela comunidade a estes dois amigos, que a transformaram num projecto que consistia em dar casa e comida a estas raparigas durante a semana, poupando-lhes o esforço e a perda de tempo na caminhada, podendo voltar às suas famílias pelo fim de semana.
Levei 30 voluntários em 6 dias, e nesse tempo pintámos todos os quartos, limpámos, construímos canais de irrigação e reconstruímos as casas de banho e uma cozinha. Também doámos várias tintas. Este projecto teve início no ano passado com 6 raparigas, e agora o número aumentou para 13 que começaram o ano lectivo com um novo espaco para desfrutar.
Infelizmente a situação de Urubamba das vítimas das cheias continua na mesma. Os tal 40 empregados de construção que lhes deviam prestar ajuda, estão a reconstruir a estrada que vai dar ao cemitério. Sim, porque isso é sempre mais importante...
No entanto, parece que o projecto para construir uma barreira para proteger a comunidade das próximas chuvas já foi aprovado. Mesmo assim, temos de esperar até Junho para que o nível do rio baixe por inteiro, para mais eficiente ser a construção.
Este mês tivemos doacções no valor de 7500 soles. Com esse dinheiro guardámos a grande parte para Urubamba e a outra para trazer dentistas de Lima para tratarem de todos os miúdos que fazem parte dos projectos. Uma equipa de 8 dentistas ofereceu-se para a campanha. Dentilandia Kids. Ao oferecermos transportes e acomodação, os médicos vão fazer um check-up de todas as crianças e inclusive trazer, roupas, escovas de dentes, informação sobre a saúde dental, brinquedo e material escolar para todos. Além dos dentistas, há uma animação de palhaços e o ratito “Miguelito” , a mascote da equipa de forma a entretê-los e informá-los sobre os cuidados a ter de uma forma mais pedagógica e lúdica. O plano inicial era irmos a Chinchero-Urubamba-Yanamayo e Sembrando Semillas.
No entanto, a ida a Yanamayo saiu fracassada. Yanamayo é um povo a duas horas e meia de Ollantaytambo, a 58 km fora do centro, adentro da montanha que fica a 4500 metros de altitude, onde só crescem batatas e claramente as condições sao básicas. Nao há luz nem agua potável. O único privilégio é uma escola com um professor para 68 crianças e um telefone solar. 270 habitantes. Todos se vestem com trajes tradicionalmente andinos e as criancas assustam-se ao verem máquinas fotográficas.
Todos os Sábados sobe um camião ao povo para carregarem as batatas e venderem no centro, e por vezes levam alguma comida ou roupa de doações e é este o único contacto que Yanamayo tem com pessoas de fora. Por causa das chuvas a estrada de acesso estava bastante problemática e ninguém nos tinha dito nada quando organizamos tudo. Desde as 8 da manhã ao meio dia, eu e uma amiga que vive em Ollanta percorremos tudo à procura de um camião que nos levasse, mas ninguém, até a Câmara Municipal não nos queria levar com medo de que ficássemos presas no meio da montanha. E a culpa é da própria Câmara que não quer arranjar a estrada. Afinal desde há duas semanas que ninguém sobe a Yanamayo e esta gente assim vive sem mais recursos.
No fim conseguimos uma comunidade necessitada mais perto do centro. Fomos a 3 comunidades no Vale Sagrado no povo de Chosica em Chinchero numa escola onde as condições sao bastante limitadas, e a maior parte dos pais só falam quechua, a Urubamba e em alternativa a Yanamayo, uma escola em Panchar onde os mais novos caminham 2 horas e meia desde casa que fica no cimo de um cerro (numa comunidade que se chama Soqma), até à escola. Acordam às 4h da manhã e chegam a casa às 6h da tarde. E foi aqui onde os dentistas encontraram mais problemas. Tudo isto se deve à mal nutrição, ao frio que se faz na montanha e à falta de higiene. Por fim, visitámos a escola de yoga em Tica Tica – Sembrando Semillas.
A maior parte das crianças nao sabem o que é uma escova de dentes. A equipa de dentistas foi incansável todo o tempo, atendendo todos com bastante tranquilidade e carinho e adaptando-se às condições do Vale Sagrado. Nunca antes houve sequer uma demonstração deste género, ou uma festa desta forma tão informativa e divertida. Foi bom saber que podemos pôr um sorriso nestes pequenos adultos, mesmo que por um dia, uma noite ou breves minutos, de forma a esquecerem-se da falta de comida ou (alguns) dos pais alcoólicos que vão encontrar assim que cheguem a casa.
Depois de acordar 4 dias às 5e30 da manhã e correr quase todo o vale com uma equipa de 8 pessoas, 200 kgs de bagagem e atender 205 crianças, cheguei a Cuzco com a certeza de que são mesmo as pequenas coisas da vida que nos aquecem o coração.
Sacred Valley | www.sacredvalleyproject.blogspot.com
Dentilandia Kids | http://www.dentilandiakids.org
Joana Vitória Martins
Mar 2011
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