A entrevista a Rui Neves, director artístico do Jazz em Agosto
da Fundação Calouste Gulbenkian foi conduzida descontraidamente entre
grupos de gente a circular em hora de refeição ou em trânsito para as
exposições do CAM. O resultado foi mais uma boa conversa do que uma
entrevista estruturada por linhas cosidas a notícia, com um apreciador
e profundo conhecedor de jazz. Uma verdadeira torrente de informação em
cascata de paixão bem nutrida por anos de experiência.
Em
discurso directo: Este ano decidimos que o Jazz em Agosto tem um mote,
quatro figuras do jazz actual em gratos retornos. São personagens gratas
à música, que voltam a tocar no Jazz em Agosto em retorno musical.
Cecil
Taylor no Jazz em Agosto de 1998 (e que foi o único repetente no CCB em
2004, onde trabalhei como consultor de jazz). Cecil, que tem 82 anos e é
um criador especial de linguagem. Na linha dos gratos retornos temos o
Wadada Smith, membro da AACM, Association for the Advancement of
Creative Musicians, de Chicago, vem apresentar um projecto novo, um
grupo diferente, com três guitarras eléctricas e piano. Tem também um
Vj, Jesse Gilbert, que projecta imagens em tempo real.
Peter
Brõtzmann, Sac, tem 70 anos e já tocou no Jazz em Agosto em 2000 com os
Die Like a Dog Quartet e tinha antes outro quarteto, Last Exit. Toca
muito com gente nova, pratica uma música libertária europeia. O jazz é
um belo exemplo de música cooperativa, onde se preserva o individualismo
do músico, em música colectiva. Todos pensamos num sentido
individualista, num viver colectivo.
John Hollenbeck, que
tocou no Jazz em Agosto em 2006, vem com um large ensemble num projecto
mais ambicioso. Toca Third Stream, que é a aproximação da música jazz à
música contemporânea ocidental. Hollenbeck tocou com várias correntes,
neste aspecto é uma atitude de renovação, polémica em relação ao purismo
do jazz.
Acho ridículas as polémicas em torno do jazz, do
purismo. Em comparação com o rock, no rock há mais liberdade. Tenho 63
anos e comecei pelo rock. As programações são sincrónicas no jazz, mas
devem ser diacrónicas, focar o presente, não esquecendo o passado.
Interessa conhecer bem o presente. O jazz bem centrado sem esquecer o
passado, o conhecer a evolução no jazz. Peter Brõzmann faz freejazz, não
vem reproduzir o passado, vem actualizar o passado.
Outros
factores relevantes além das quatro personagens em grato retorno, é que
no Anfiteatro vamos ter Ingrid Laubrock, Sax, que constituiu um grupo
com uma nova geração de NY. É um encontro com o rock. Para os puristas
não é música. Isso é uma enormidade, o jazz deu os blues e o rock.
Depois
temos um duo power rock (um quarteto - The Ex Guitars Meet Nilssen-Love
/ Vandermark Duo), com dois guitarristas mais dois músicos jazz, em
tensão, em confrontação, rock com jazz e que apresentam características
de cada estilo musical.
Depois irradiamos para um
belíssimo espaço no Bairro Alto, um espaço cosmopolita, onde
apresentamos três grupos que fazem a ligação entre os dois
fins-de-semana. Preenchendo as semanas, faz a tarefa de clube de jazz
mais informal, com o espaço do bar. Temos o grupo luso-americano
Humanization 4tet, com duas digresões e bem rodado. Um grupo de
Brooklyn, os Little Women, com dois sax, uma guitarra e uma bateria
muito original. E um grupo escandinavo com Gustaffson, que tocou no Jazz
em Agosto em 2002, em performance actuou diversas vezes e ganhou um
prémio recentemente na Dinamarca.
São músicos celebrados, com os focos sobre eles.
Quanto
ao cinema, apresentamos títulos não disponíveis no mercado. Conheço o
meio e os filmes são especiais, os próprios realizadores apresentam. Na
primeira semana, talvez o melhor filme sobre Taylor. E o outro filme,
sobre o processo de condução, The Black February, em digressão.
Na
segunda semana, Women in Jazz, damos muito relevo a este aspecto,
pensa-se sempre em cantoras jazz. E temos este ano a Mary Halvorson,
Angelica Sanchez e Ingrid Laubrock. O outro filme é de Julian Benedikt
sobre os primórdios do jazz na Europa. Um erro é dizer que o jazz será
americano o jazz é universal, o jazz começou por inspirar-se na Broadway
e agora no rock (não tem problema). Depois é a conferência de Bill
Shoemaker, sobre Cecil Taylor. Explicou que quando Cecil apareceu, foi
rejeitado e lutou.
O jazz é exigente, nem toda a gente
pode aderir ao jazz, mas adere. Eu fiz Rádio Comercial, Rádio XFM,
continuo a fazer rádio e a escrever neste formato. Este festival é não
profit e dos mais antigos a seguir ao Estoril. Temos bastante oferta de
Jazz em Lisboa, como a Festa do Jazz no São Luíz - a melhor montra do
jazz português, o Outjazz, o Hot Clube (que voltará), o de Valado de
Frades.
Foto por Joaquim Mendes
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* Originalmente publicado a 4 de Agosto de 2011, na Le Cool Lisboa * 299
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* Originalmente publicado a 4 de Agosto de 2011, na Le Cool Lisboa * 299
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