Apresente-se sucintamente e não deixe de destacar o seu papel quanto ao FIMFA.
Falar
de mim é complicado… mas aqui vai! Neste momento a minha vida gira em
torno do teatro de marionetas! Até nos meus sonhos estão presentes! Mas
nem sempre foi assim… ou se calhar até foi! Desde muito pequena que me
lembro que adorava brincar com as minhas mãos e com todo o tipo de
objetos... Com as minhas mãos gostava de imaginar histórias de cowboys e
ladrões, durante passeios semanais no banco de trás do carro… parece
estranho, mas é verdade… Também adorava as tardes intermináveis de
filmes a preto e branco na televisão, especialmente os musicais com Fred
Astaire e Ginger Rogers, os quais recriava com as famosas Tuxas… Mas do
que eu gostava mesmo era dos programas do Vasco Granja e a adoração
suprema, os Marretas! E de teatro.
Não perdia a
oportunidade de participar em todos os projetos na escola e mais tarde
no Liceu. Outra grande paixão era História, ou melhor, Arqueologia. Fiz o
curso de história e participei em muitas escavações arqueológicas.
Dividia este projeto com o teatro de marionetas, mas chegou uma altura
em que tinha de escolher, já não dava para conciliar… escolhi o mundo
onde tudo é possível! Em 1993 criei juntamente com o Luís Vieira a
companhia A Tarumba - Teatro de Marionetas e num ápice, zás! Já passaram
19 anos! No projeto da Tarumba faz parte o FIMFA, que ocupa um papel
muito importante no trabalho da companhia. Partilho com o Luís a direção
artística e um sem número de tarefas… acho que o FIMFA só é possível
porque nos empenhamos verdadeiramente de alma e coração em partilhar com
Lisboa este universo e estes seres com os quais nos identificamos…
Como
é dirigir artisticamente um Festival desta dimensão, com o envolvimento
que tem com os agentes culturais da cidade e que já vai na décima
segunda edição? Dezassete dias de programação também é de fôlego -
esperam que o público seja ainda mais participativo que no ano passado.
É
verdade, o FIMFA já vai na décima segunda edição… Dirigir o FIMFA é uma
tarefa e uma responsabilidade gigantesca que nos ocupa o ano inteiro,
para além das produções e outros projetos da Tarumba. É fantástico
podermos ter o envolvimento que temos com os agentes culturais da cidade
pelos quais nos sentimos acarinhados e nos dá ainda uma
responsabilidade acrescida, para mantermos a qualidade artística e a
capacidade de surpresa, sem eles não seria possível manter o festival.
Este
ano temos um novo parceiro, o Teatro São Luiz, para além do Museu da
Marioneta, do Teatro Maria Matos, do Teatro Nacional D. Maria II e do
Centro Cultural de Belém. Vamos ainda apresentar espetáculos no nosso
espaço, no CAMa - Centro de Artes da Marioneta, na Galeria Boavista e no
Jardim da Estrela. Para além de Lisboa, este ano realizamos duas
extensões do FIMFA ao Teatro Municipal da Guarda e em Montemor-o-Novo,
no Espaço do Tempo. Vão ser dezassete dias super intensos e esperamos
sinceramente que o público continue a aderir ao FIMFA, que continue a
esgotar as diversas salas e a participar efusivamente nas diversas
actividades.
Correndo o programa, constato que
permanecem os segmentos habituais de espectáculos de rua e pequenas
formas e dos espetáculos em teatro. Mas há eventos mais atípicos, como
um concerto com gramofone. Pode comentar-me estes outros espetáculos que
fogem a uma linha - haverá alguma - que um grande público esperaria do
teatro de marionetas. Em nota pessoal sinto que essa linha (a de acolher
outros meios e formas, como o cinema, por exemplo) já foi flanqueada há
muito tempo, sobretudo depois de ver o Fausto de Svankmajer e de
assistir ao trabalho da Tarumba e das Marionetas do Porto. E o mesmo se
poderia comentar quanto à velha questão do teatro de
marionetas ser apenas para crianças.
O
teatro de marionetas tem este papel aglutinador de juntar várias
artes. Ao longo da história constatamos que este esteve presente nas
vanguardas artísticas, que souberam explorar o seu valor experimental,
social e político e, muito importante, foi também um meio de retratar as
injustiças sociais e ainda continua a ser. Muitas vezes podemos estar a
ver a utilização desta forma artística nos projetos mais experimentais
e não nos lembramos que são marionetas…
Essa é um velha
questão, a associação imediata que muitos fazem sobre marionetas serem
só para crianças. Foi algo que sempre quisemos combater, desde a
primeira edição e no contexto da Tarumba, em que desde o início criámos
espetáculos para adultos. Mas mesmo quando apresentamos projetos
destinados ao público familiar ou infantil, gostamos que tenham
associado um lado experimental, que foge à ideia rotineira que muitos
têm das marionetas. E sim, mantemos os segmentos habituais, na sua
maioria estreias nacionais e mundiais, mas também, na sua maioria, com
projetos alternativos, podemos dizer que este ano o FIMFA vai a casa…
mas isso vai ser uma surpresa… temos espetáculos com lotação que vai
desde os dois espetadores no máximo, até à ocupação de salas com grande
lotação e muito diferentes entre si.
Penso que gostamos
de mostrar que o teatro de marionetas é um mundo de grande liberdade
artística e que junta todas as artes e pessoas de grandes e diversos
talentos. O caso do concerto referido é um exemplo, Yael além de
marionetista, tem uma voz fantástica, e vai ser uma noite especial de
festa! Teremos espetáculos em que o público vai poder experienciar a
absoluta diversidade criativa, desde o teatro de objetos, a ilusões
ópticas, modelação de barro em cena, pintura ao vivo… e documentários,
duas estreias, um dedicado à tradição europeia das marionetas de luva,
neste caso, com entrevistas a alguns dos mais importantes marionetistas
deste tipo de manipulação e investigadores, alguns dos quais vão estar
no FIMFA. É dedicado ao João Paulo Seara Cardoso e podemos ver alguns
momentos da Sara Henriques das Marionetas do Porto, a preparar a nova
versão do Teatro Dom Roberto, que estreia no FIMFA.
Curiosamente este filme parte de uma figura criada no século passado,
em Espanha, mais precisamente na Galiza, o Barriga Verde, e o seu
criador José Silvent Martínez (1890-1970), que terá aprendido a arte
das marionetas de luva no Porto, por volta de 1905 com um marionetista
português e os populares Robertos… depois teve um pavilhão de
marionetas que andava de feira em feira - uma família de marionetistas
que percorria as feiras galegas durante os anos da Segunda República
Espanhola e no pós-guerra, como acontecia em Portugal, com Manuel
Rosado, por exemplo.
O outro documentário é sobre Pepe
Otal, uma figura mítica de Barcelona, marinheiro, marionetista. O seu
espaço foi o berço de alguns dos mais importantes marionetistas
espanhóis, como Jordi Bertran, entre outros, um local de tertúlia e de
festas famosas com poetas e marionetistas.
Mais do
que uma apresentação do festival, gostava que destacasse alguns
espectáculos, como as versões de Punch & Judy ou o Théâtre du
Rugissant.
Este ano comemora-se
os 350 anos de Mr. Punch em Maio, e o FIMFA não podia passar ao lado
deste acontecimento… ainda por cima no clima atual que se vive
mundialmente, parece-nos que vozes como a do revolucionário Mr. Punch,
são cada vez mais necessárias. Por isso o menu de abertura é contrapor o
tradicional e o contemporâneo, o “Punch and Judy”, pelo Professor Rod
Burnett, e depois, um outro olhar, mais atual, com o fantástico Neville
Tranter e o seu “Punch & Judy in Afghanistan”. Ainda no campo da
marioneta de luva e a forma diferente de vários criadores a usarem nos
seus espetáculos e para adultos, temos Jean-Pierre Larroche e a sua
companhia, Les Ateliers du Spectacle, com uma abordagem muito pessoal,
numa perspetiva contemporânea, sob o tema da dança da morte. Vamos rir e
pensar com todos estes suicídios e assassínios de marionetas que tantas
vezes gozam com o mundo.
O Théâtre du Rugissant é outro
dos grandes destaques, com uma cenografia e marionetas fantásticas, onde
vemos os vários andares de um edifício, com música ao vivo, e uma
abordagem ao racismo que nos vai comover e fazer pensar… outro projeto a
destacar é o de Yael, que já referi anteriormente, e o seu Paper cut,
teatro de objetos e figuras de papel, inspirado no universo do cinema
americano dos anos 40… Joan Baixas, pintor e marionetista, conhecido
pelo trabalho que realizou com vários pintores, como Miró, apresenta uma
nova versão do seu espetáculo Música Pintada… A companhia Pèlmanec e
marionetas de tamanho humano, numa manipulação excelente, com um
espetáculo inspirado em Hamlet de Shakespeare, e que nos lembra os
jovens japoneses hikikomori.
Mas muitos mais havia que destacar… A Tarumba volta a apresentar “Mironescópio: A Máquina do Amor,
o qual continuamos constantemente a receber solicitações de reposição, e
é tão bom receber “os nossos queridos clientes”… Ah! E a companhia
Mireille & Mathieu, conhecida como os “punks das marionetas”, em que
o palco vai parecer uma feira da ladra, onde ocorrem números
absolutamente hilariantes, como um encontro romântico entre a Barbie e o
Ken, que vai abalar a palavra “paixão”…
Como
sente que tem sido o percurso do FIMFA ao longo dos anos, há espaço para
progredir e se expandir? E o teatro de marionetas no nosso rectângulo
(e não gostaria de puxar a questão económica, que está sufocante para as
artes) tem bons técnicos e criativos e promete melhorar?
Sinto
que o FIMFA conseguiu crescer e implantar-se ao longo destes anos, que
faz parte do calendário cultural de Lisboa e de uma agenda
internacional, mais ampla de festivais congéneres… e que as pessoas em
geral já olham para o teatro de marionetas de uma outra forma. Penso que
há espaço para progredir e expandir ainda mais o festival, temos muitos
projetos e ideias que queremos desenvolver para ocupar ainda mais a
cidade, e que os lisboetas ainda possam intervir e interagir mais com o
festival.
Muitas destas concretizações tiveram de ser
adiadas, precisamente por factores económicos, se o nosso orçamento
comparado com outras iniciativas era muito reduzido, este ano ainda foi
mais, a determinada
altura parecia impossível conseguir realizar o FIMFA nos moldes a que todos estão habituados.
A
equipa é pequena, mas como se entrega de alma e coração, juntamente com
os amigos e voluntários, conseguimos fazer mais uma edição. O teatro de
marionetas em Portugal tem bons criativos e pessoas cada vez mais
interessadas em criar e desenvolver projetos interessantes, os problemas
são os meios que são extremamente escassos! Se sempre o foram, agora
muito mais! Basta ver a multiplicidade e vitalidade dos portugueses
presentes no Festival, como o Teatro de Ferro, o Teatro de Marionetas do
Porto, e as novas criações de pequenas formas, de André Murraças, Ana
Gabriel, Joaquim René e Luís Hipólito, ou o novo trabalho de João
Calixto e Márcia Lança. A formação de qualidade é muito importante, e
este ano, embora não existam workshops no FIMFA, por questões
orçamentais, e porque desenvolvemos um projecto internacional denominado
Funicular no qual resolvemos apostar, que tem vários momentos ao longo
do ano com criadores internacionais, e que têm feito com que pessoas de
várias nacionalidades e proveniências artísticas se possam conhecer e
desenvolver projetos na área das formas animadas em Lisboa. O que
queremos ou desejamos? Era ter um orçamento que pudesse apoiar e
impulsionar verdadeiramente a criação artística portuguesa, com artistas
de vários campos artísticos, e posterior circulação
nacional/internacional.
Lance, por favor, um convite aos nossos leitores para que assistam e participem.
Venham
aos espetáculos e noites do FIMFA, viver verdadeiramente este mundo
mágico… venham de mente aberta, preparados, pois tudo pode acontecer! E
onde tenho a certeza que vão sair a dizer nunca pensei que as marionetas
me pudessem transmitir todas estas sensações, ou serem tão radicais…
E agora deixe-me alguma palavras quanto a Lisboa - é prática comum nas entrevistas para a Le Cool.
Lisboa
é a minha cidade! Nasci aqui e costumo dizer que sou filha do Bairro da
Graça… nasci, vivi e continuo a viver na Graça. Quando era pequena
dizia que vivia no cimo do Monte, na montanha mais alta de Lisboa e que
dali podia ver todas as casas e janelas de Lisboa… às vezes parece uma
aldeia, uma espécie de microcosmos na cidade, ao contrário de outros
locais, os sábados e domingos são momentos muito atarefados, a fervilhar
de vida por todos os lados.Aqui tenho a maior parte das minhas
memórias, a escola, o Liceu Gil Vicente… entre elas, guardo com carinho a
do Cinema Royal (onde funciona atualmente um supermercado) onde todos
os fins de semana, desde cedo, assistia ali às matinés, e a milhares de
filmes… Agora gosto de ver que a Graça se começa a renovar, com novos
espaços a abrir. Mas para mim, no Miradouro do Monte, a olhar para
aquela vista imensa, ainda consigo sentir ao pôr do sol a cidade a
fervilhar e gosto de imaginar o que se passa em cada janela, rua, ruela,
beco…
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* Originalmente publicada a 3 de Maio de 2012, na Le Cool Lisboa * 338
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