Le Entrevista a Selma Uamusse por Célia Fialho
Selma Uamusse é a voz negra dos Wraygunn. A “menina de coro” a quem os endiabrados elementos de uma das mais geniais bandas da música portuguesa não conseguiram resistir. Doce, cheia de personalidade e dona de uma voz surpreendente. Selma anda nestas andanças dos palcos há pouco tempo, mas já se move como um peixe na água. Já colaborou com bandas como os Cacique 97 e os Funkoffandfly, e por onde passa enfeitiça com a sua beleza natural e voz.
Fomos conhecer a jóia africana, deixando-a abrir o coração e falar-nos de si.
Quem é a Selma? De onde veio, onde está, para onde vai?
A Selma é uma menina com 30 anos com muito por aprender ainda… Nasci em Moçambique e vivo em Portugal desde os 7 anos mas tenho uma forte ligação ao meu país, tenho lá toda a minha família e tento lá ir sempre que posso. Sou formada em Engenharia do Território e o meu sonho foi, um dia, fazer o planeamento urbano de cidades em Moçambique. Entretanto, surgiu o gospel que espoletou a minha paixão por Deus e pela música como forma de expressão.
Venho do pó, estou numa fase de reencontro comigo mesma a nível musical e espero ir para o céu.
Quando aceitaste que levarias a vida a cantar?
Muito recentemente. Eu comecei a cantar quase por acaso. Sempre gostei de cantar, mas encarava isso como algo natural, nunca como algo a abraçar como profissão porque eu cresci num ambiente em que cantar, dançar, pintar eram atividades comuns. A minha avó e bisavó cantavam, o meu avô cantava e dançava, o meu pai declamava poemas, a minha mãe trabalha com pintura e escultura e todos o faziam paralelamente a um emprego mais “formal”. Em 1999 enquanto entoava um musiqueta qualquer, fui desafiada, numa festa, pelo maestro Carlos Ançã, a juntar-me ao coral gospel que ele estava a formar com cantores amadores.
Com alguma renitência lá aceitei, e, a partir daí, nunca mais parei de cantar gospel e isso abriu-me portas para aceitar diversos desafios musicais. Esse percurso musical acompanhou a concretização da minha licenciatura em Engenharia, profissão que sempre pensei abraçar e em ser prioritária e que exerci até 2010, pelo que acho que só aceitei que era isto que queria fazer o resto da vida há cerca de 2/3 anos.
Como se deu o abraço ao projecto " Wraygunn"?
Precisamente através do gospel. Quando os Wraygunn gravaram o álbum Eclesiastes 1.11, havia ali um misto de “ música do diabo” misturada (rock) “com música de Deus” (gospel), pelo que o disco foi gravado com algumas vozes do meu grupo, na altura as 100 vozes Gospel. Recordo-me que na altura o maestro , Guy Destino, me perguntou se conhecia a banda e que estava um pouco assustado com as tatuagens do Paulo Furtado, mas eu falei-lhe de algumas músicas que conhecia, nomeadamente o Lonely e lá se foi para estúdio.
Eu não cheguei a estar em estúdio porque na altura estava em Moçambique, mas quando foram feitos os concertos de promoção acabei por estar incluída no grupo e houve uma empatia qualquer entre mim e a restante banda que levou a que uns meses depois de fazermos alguns concertos recebesse um telefonema a perguntar-me se estaria interessada em fazer parte da banda. Confesso que estava muito reticente, fui, experimentei. As primeiras foram as mais “rock'n'roll” de todas, entre um 1º ensaio meio assustador e um 1º concerto na concentração motard em Faro antecedido de um show de strip. Foi um teste para uma menina de coro de igreja, mas passei o teste e percebi que teria uma boa oportunidade de aprender muitas coisas e quiçá passar um pouco do meu testemunho enquanto crente.
Por isso inicialmente andava sempre com a minha Bíblia atrás, era muito reservada e ninguém tinha coragem de fumar ou dizer asneiras perto de mim e deram-me a carinhosa alcunha de babyface.
Nesta pausa dos Wraygunn, andaste a estudar música e a explorar o jazz, queres levantar alguma ponta desse véu?
Sim, decidi, depois de alguns anos a cantar sem qualquer formação, estudar música. E pareceu-me que essa aprendizagem não passaria pelo clássico, mas sim pelo jazz. Estive então 2 anos no curso completo do Hot Clube de Portugal e foram dois anos muito enriquecedores em que aprendi muito, conheci muitas pessoas, ganhei novos amigos musicais e encontrei uma nova faceta minha no jazz.
Este maravilhoso mundo novo permitiu-me criar dois projetos em nome próprio “Selma Uamusse Nu-jazz Ensemble” e o “Tributo a Nina Simone”. No fundo são dois projetos que fundem alguns dos mundos que mais aprecio musicalmente, o gospel, a soul, o jazz, ritmos africanos o nu-jazz e o improviso, pelo que sinto que tenho crescido muito musicalmente através destes projectos e tenho colaborado com muitos músicos diferentes (paralelamente à banda que sempre me acompanha) o que também permitiu que fizesse algumas coisas como a atual residência que estou a fazer num dos clubes de jazz que mais aprecio em Lisboa, o Ondajazz.
Que coisas trazes agora na bagagem depois dessas "experiências"? De que forma mudou ( se mudou) a tua maneira de cantar?
Perceber um pouco mais de música, permitiu-me saber melhor o que estava a cantar e assim passei a explorar mais diferentes registos, a arriscar mais na improvisação. E claro, além do jazz, estive a trabalhar com outros projetos como os Cacique 97, os Funkoffandfly, o Movimento (música portuguesa anos 60/70), os Soulbizness, sem nunca abandonar o gospel que é a minha casa, o meu lar.
Todas estas sonoridades, musicalidades e formas de expressão musical deram-me uma versatilidade muito grande e trouxeram-me um enorme crescimento pessoal além de musical. Perdi alguns medos e estou sempre pronta para novos desafios, mas o facto de estar envolvida com coisas tão diferentes permitiram-me também saber melhor quem sou musicalmente e definir aquilo que gostaria de fazer a nível do meu futuro projeto a solo.
Que espírito habita este novo álbum, o "L´Art Brut"? Que universos foram explorados?
O L´Art Brut é um álbum muito intimista quanto a mim, cheio de paixão. Ele foi sendo construído de um modo um pouco retalhado. As letras e músicas talvez sejam um pouco mais “egoístas” e introspetivas, o que acaba por se manifestar em temas mais calmos, mas com muitas dinâmicas que espelham tensão, contenção de tensão e, simultaneamente, com muita paixão e energia característica de Wraygunn, embora mais “domada”.
Ao contrário dos álbuns anteriores em que a soul, o gospel e o hip hop são mais evidentes, este álbum, muito embora mantenha essa ligação, explora de modo mais óbvio os universos do doowop, a exótica, os ritmos africanos e até do tango.
Que coisas na vida te fazem sorrir?
Sem dúvida a maternidade é o que mais me faz sorrir... mas gosto muito de ver pessoas dançar descontraidamente, sem dúvida dançar e ver dançar fazem-me sorrir. E claro, cantar gospel!
O que é que ainda te faz sonhar?
Novamente as minhas filhas fazem-me sonhar…
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário