Le Entrevista a Ricardo Filho de Josefina por Rafa

Apresenta-te e comenta aquilo que te dá maior paixão em fazer. E uma provocação, és mesmo Filho da Josefina?

Sou o Ricardo, um dos dois filhos da Josefina. O que me dá maior paixão em fazer e vou ter que me repetir, é viajar. Não ficar quieto e conhecer mais, estar lá longe da nossa cidade e tirar umas fotos, beber uns canecos, ver uns bons concertos (perfeito, perfeito, é viajar para ir ver aquele concerto) e umas exposições. Conversar sobre tudo e sobre nada ou então nem abrir a boca e respirar pelo nariz. Adoro estar com quem me sinto bem e o resto é deixar ir com a corrente.

Além de fotógrafo o que mais fazes, o que te movimenta? E como começaste nesse mundo de captar momentos?

Tirei o curso de Eletrónica e Telecomunicações, área em que trabalho há 13 anos. No meu dia-a-dia profissional, reparo radares de navios e essa é a explicação mais rápida e fácil que me sai da boca. Comecei há uns anos por querer guardar os dias da bela viagem de finalistas a Lloret de Mar e tudo começou aí com máquinas descartáveis. Andei ainda uns dois anos a tirar fotografias só com máquinas descartáveis. A partir daí fui comprando máquinas analógicas sem parar e o interesse foi aumentando e ficou tudo um pouco, mas só um pouco, mais sério. O que mais quero e gosto mesmo é de encontrar fotografias perdidas e de recuar com elas para aqueles instantes e recordar-me do que estava a acontecer naquele momento, com quem estava, seja em viagens, em festas, na praia etc.

É um instinto de flâneur que te leva a fotografar tudo aquilo que vês - circulas pela cidade, por Lisboa, e vais tirando instantâneos ou voltas aos sítios que te interessaram, para então os fotografar?

É uma mistura das duas coisas. Como vivo em Lisboa passo muitas vezes nos mesmos sítios e às vezes não consigo tirar uma foto naquele momento, então ao passar lá outro dia, pode ser que resulte tirar aquela que ficou na cabeça. Se não resultar há outra que acaba por surgir.

Gostas mais de realizar "safaris" fotográficos ou de construir toda a ambiência para obter "aquela" foto? Ou melhor, procuras a perfeição sem desvios ou vais tirando fotos até encontrar aquela que mais te atrai?

Não procuro a perfeição sem desvios, de todo, nem corro em busca "daquela" foto. Prefiro ir tirando fotos, muitas vezes, sem pensar muito, seguir o meu instinto e captar momentos, sentimentos e pormenores que me vão chamando a atenção. É claro que há sempre aquele "ora pára lá aí um segundo" ou "levanta lá o cigarro, outra vez".

Onde já te levou a fotografia e até aonde já foste com a máquina fotográfica?

Em termos de trabalho, a fotografia já me levou até Unhais da Serra (Serra da Estrela), quando fui com os pedaleiros do Jornal Pedal fazer uma reportagem. Quando chegámos, ficou tudo para segundo plano (isto foi o que pensei para mim). Andar de robe pelo hotel, pela piscina e pelo restaurante e, pelo meio, passeios de bicicleta e fotografar tudo isto foi a coisa mais natural do mundo, foi um fim-de-semana incrível. É óbvio que fizemos a reportagem e fomos muito profissionais, de robe, mas profissionais.

A fotografia ensinou-me a estar mais atento ao que me rodeia, ao ver as fotografias de outras pessoas acabo por ser transportado, fisicamente e não só, para outros sítios. Certas fotos também já fizeram com que metesse conversa com pessoas e conhecesse outras de outros países e outras realidades. E, com isto, vem uma das coisas que mais gosto de fazer que é partilhar fotos, comentá-las, trocá-las ou até mesmo impingi-las.

Em Setembro, levei a Blonde Redhead (Olympus OM1) até à Escócia, uma das mais especiais roadtrips que já fiz, também muito devido à pessoa com que viajei. Acabei por tirar dez rolos que continuam em cima da mesa de cabeceira à espera de serem revelados.

Que outros fotógrafos (portugueses e outros) destacarias e porquê?

Stephen Shore, Henri Cartier-Bresson, Lee Friendlander, Luke Byrne, Randy Martin, Drew Woods e Noemie Saland. Sara Gomes e Bart Skowron são dois amigos fotógrafos, cujo trabalho gosto bastante. Por último, Luís Janela, a pessoa que mais me tem surpreendido, em termos de fotografia, com quem partilho o Lisboa Drogada, onde colocamos algumas fotos nossas e de pessoas que nos são próximas, do dia-a-dia em Lisboa e por aí.

Lisboa é sempre apregoada de ser uma das cidades com maiores qualidades fotográficas. Essa fotogenia é da sua sombra, da sua luz, das suas cores e das suas gentes. O que achas disto, é verdade e alimenta a tua criatividade?

Eu sou alfacinha e vivi a minha vida toda em Lisboa (apesar de me terem dito muito recentemente que tenho sotaque do Porto). É óbvio que Lisboa tem uma luz especial, cores, sombras muito caraterísticas, mas mais que isso, as pessoas (incluindo as que nos roubam descaradamente, bem engravatadas e de sorriso na cara), as ruas e os prédios são o que mais observo e respiro. Mas o que me alimentou mesmo e continua a alimentar é todo um passado em Lisboa, as idas para a escola, as jogatanas na rua, as Janelas Verdes e o facto de ter vivido Lisboa de uma maneira muito própria e continuar, no presente, a vivê-la e a olhar para ela dessa forma e sempre com a saudade que Lisboa nos marca e que só se acentua com o passar dos dias.

E agora a cidade, que te falta fotografar na cidade? E de onde retiraste os melhores instantes?

Falta-me fotografar os dias que me restam e o céu, falta sempre fotografar o céu. As minhas fotografias preferidas foram tiradas entre a Lapa e as Janelas Verdes e aquelas que tiro aos meus amigos e às pessoas especiais que fazem parte da minha vida.

Sugere-me um percurso pela cidade, com ou sem máquina a tiracolo.

Há uns meses jantei com dois amigos, já não me lembro muito bem onde, mas acabámos a vaguear em Lisboa à noite, pela zona do Príncipe Real. Todo aquele percurso foi tão calmo, estávamos completamente envolvidos pela conversa e por toda a noite lisboeta, incluindo a beata a espreitar pela janela. Às vezes, não vale a pena inventar muito nem definir nada. O melhor percurso é aquele em que os passos nos levam inconscientes pela cidade e pelas ruas fora. À noite é muito bom, quer dizer, a qualquer altura do dia, mas à noite há mais paz e silêncio. A máquina no bolso para qualquer foto que se queira no negativo. No entanto, não tirei uma única foto nessa noite. As conversas e os passos ficaram só para nós.

E apresenta-me a tua próxima (e corrente) exposição.

Estou neste exato momento na praia em frente ao navio que vou assistir, à espera que ele atraque. O porto de Sines de um lado e Porto Covo lá ao fundo. E assim começa a Tempestade de Cactos. 15 fotografias tiradas durante estes últimos dois anos da minha vida profissional e dessas viagens pelos portos. Vai ser uma exposição especial por ser mesmo isso, expor indiretamente a minha profissão, que acaba por ser pouco óbvia e raramente me associam a ela. Tempestade de Cactos, como o nome não diz, é isso mesmo: navios, mar e, de certa forma, uma solidão boa.

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Enlace : ricardofilhodejosefina.com

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* Originalmente publicado a 15 de Novembro de 2012, na Le Cool Lisboa * 366

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