Le Entrevista a João Rapazote, Madalena Miranda e Fernando Carrilho (Panorama) por Fernando Mondego

Um prolongado e belíssimo panorama à produção cinematográfica portuguesa é aquilo de que nos falam os programadores do Panorama - 7ª Mostra do Documentário Português.

Iniciam a apresentação do Panorama com a própria definição do termo. Do grego Pán + hórama, «todo» + «vista». Agora que a Cinemateca anunciou cancelamento de ciclos por falta de verbas para a sua manutenção e que o Estado emagrece em financiamento cultural, qual é o panorama da produção cinematográfica em Portugal? Como é que criadores - como são - e programadores - o assunto ao que venho - se acham no meio desta situação, há um esvaziamento ou isto tudo potencia a criação?

O ano de 2012 foi um «ano zero» para o cinema feito em Portugal na medida em que o ICA não teve disponibilidade financeira para o apoiar, como é sua obrigação (é para isso que existe). As consequências deste facto vão com certeza fazer-se sentir por vários anos. 

Não serve de consolo, mas a verdade é que nesse mesmo ano houve pelo menos a possibilidade de alguns realizadores trabalharem no âmbito de Guimarães-Capital Europeia da Cultura que, através do seu programa de cinema e audiovisuais, acabou por financiar vários filmes.

Foi por isso que o PANORAMA deste ano resolveu dar destaque a essa produção, criando duas sessões (ambas no Cinema S. Jorge) onde se mostram três filmes produzidos nesse contexto: «Em Honra de São Gualter» (de Rui Simões) e «A Menina dos Olhos» (de Regina Guimarães) passam no Sábado, 4 de Maio, às 15h; «O Fantasma do Novais» (de Margarida Gil) passa no Domingo, 5 de Maio, às 21h.

Apesar deste panorama desolador, mais chocante por sabermos que o cinema português vive um grande momento de reconhecimento internacional, é quase incrível perceber que, na área do documentário, as coisas ainda funcionam, o que se deve, sem dúvida, à persistência dos autores e às características pouco industriais, para não dizer artesanais, de produção deste género de cinema. O documentário português faz-se cada vez mais de diferentes percursos e identidades, que têm tido amplo reconhecimento também lá fora.

Qual o papel de um festival, de documentário, eminentemente português, como o Panorama? Está à partida balizado como de género, o público acompanha?

Podemos dizer que o público adere ao documentário com entusiasmo… Talvez por ser difícil ver este género de cinema nas salas comerciais, talvez por a televisão marginalizar a sua exibição, talvez por toda a gente estar cansada das fantasias «hollywoodescas», talvez por causa dos tempos cruéis que vivemos, que impelem à necessidade de estarmos atentos às realidades.

Mas atenção, o PANORAMA não é um festival, não é uma competição. É uma Mostra que tem como principal objetivo dar a ver a diversificada produção nacional de documentários; é uma Mostra que pretende ser um espaço de reflexão sobre os caminhos para onde vai e por onde se move o documentário português.

O nosso trabalho todos os anos (já vamos no sétimo ano de existência) é tentar construir, através da exibição dos filmes que selecionamos, um retrato alargado do tipo de documentários que se vão fazendo em Portugal, ao qual associamos uma plataforma de reflexão que se materializa em quatro vertentes: 

1) na rubrica «Percursos no Documentário Português», dedicada a períodos históricos ou a autores relevantes da história do documentário em Portugal, que este ano é sobre «O Documentário no Cinema Novo» e passa na Cinemateca nos dias 6, 7 e 8 de Maio;

2) nos encontros e conversas entre público e realizadores que proporcionamos no final de cada sessão;

3) nos debates que organizamos em torno de temas pertinentes, sendo que este ano o tema em foco é «Televisão: Experimentar ou Normalizar», às 17h de Sábado, 11 de Maio;

4) e no Caderno que publicamos, que reflecte a estrutura anual do PANORAMA e desenvolve as temáticas em causa com ensaios, textos teóricos, entrevistas e inventários da produção anual de documentários.

Temos consciência de que uma Mostra de filmes sem prémios é uma proposta um pouco a contracorrente do consumo cultural dos dias que correm, mas talvez estejamos a trabalhar mais para o futuro, contribuindo para a construção de públicos culturais que têm conhecimento da sua própria história, neste caso do documentário português.

O documentário é um favorito pessoal dos realizadores portugueses, temos inúmera produção, realizadores de topo, um historial longo no género, festivais de monta e o público - revejo-me - também lhe pisca o olho. O português gosta de observar e de o registar em filme? Há espaço para a reinvenção e para novas temáticas e abordagens? Tiveram 120 inscrições para esta edição...

Vimos mais de 200 filmes produzidos entre finais de 2011, princípios de 2013 e seleccionamos 56 documentários para mostrar no Cinema S. Jorge e, uma novidade deste ano, no Teatro do Bairro. Temos 17 estreias e 16 primeiras obras de realizadores. Como se pode constatar por estes números, ainda se fazem muitos documentários em Portugal e para mostrarmos mais filmes foi essencial abrirmos outro espaço de visionamento – os responsáveis pelo Teatro do Bairro foram muito generosos e aderiram logo à nossa proposta.

É lá que se vão poder ver as sessões dedicadas a filmes que se destacaram no DocLisboa de 2012 e que também se inscreveram no PANORAMA, cinco filmes com os quais construímos um programa que designámos de «Panorama DocLisboa» e que passam nos dias 6, 7 e 8 de Maio, pelas 17h ou 18h.

Mas, para respondermos à pergunta, sugerimos que se olhe para as sessões que compõem o PANORAMA, pois é aí que se reflectem as temáticas e as diferentes abordagens cinematográficas que conseguimos detectar na produção actual. Por exemplo, na sessão de Sábado, 4 de Maio, às 19h, temos quatro filmes que abordam questões relacionadas com a ocupação do território e o urbanismo: «5040» (de Inês Teixeira), «A Luz da Terra Antiga» (de Luís Oliveira Santos), «A Rua da Estrada» (de Graça Castanheira) e «Pequenos Teatros de Rua» (de Regina Guimarães).

No Domingo, 5 de Maio, às 15h, passamos dois filmes de clara intenção política que acompanham as revoltas sociais decorrentes da actual crise, mas que o fazem com linguagens cinematográficas distintas: «Manifestação» (de Carlos Godinho) é quase uma instalação artística em que a imagem em movimento é quase paralisada, enquanto «Quero-vos, Respeito-vos, Preciso de Vocês - 15M de Dentro» (de Alex Campos García) é um «cinema direto» e agitado, sobre a ocupação da Puerta del Sol em Madrid.

Na Sexta-feira, 10 de Maio, às 17h, exibem-se três filmes que exemplificam um tema clássico do documentário, ou seja, a dedicação a um protagonista e a descoberta de uma personagem que surpreende tanto o realizador como o espectador: «Teles» (de José Magro), «As Partes e o Todo» (de Levi Martins) e «Thierry» (de Rodrigo Lacerda). No Sábado, 11 de Maio, às 15h, é África que está em foco, com dois filmes em que o espaço e o tempo de um lugar se mostram em diferentes fôlegos. É disto que também é feito o documentário português.

Arrancam com uma pérola do Cinema Novo português e terminam com três biografias de três grandes sobre três grandes. Há portanto um papel de fixar a história por parte do Panorama. É importante esta revisão, cada vez mais?

Como já é tradição no PANORAMA, as sessões de Abertura e Encerramento são preenchidas com documentários da rubrica histórica dos «Percursos no Documentário Português». Esta revisitação à história do documentário feito em Portugal é uma particularidade do nosso programa que muito acarinhamos e que só é possível fazer com a colaboração da Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema, nosso estimado parceiro.

Pensamos que é uma oportunidade estimulante, estruturada, de dar a ver ao público em geral e, em particular, aos estudantes e investigadores de cinema, filmes que raramente podem ser vistos onde devem – numa sala de cinema. Como este ano os Percursos são dedicados ao «Documentário no Cinema Novo», vamos poder ver uma série de documentários realizados por cineastas como Fernando Lopes, Manuel Costa e Silva, José Fonseca e Costa, Faria de Almeida, António de Macedo ou António Escudeiro, quando estes estavam a iniciar as suas carreiras.

A maioria das sessões passa na Cinemateca e estão estruturadas de forma a poderem dar pistas de leitura dos filmes enquanto parte da «revolução» estética e política que caracterizou o movimento que hoje conhecemos como Cinema Novo português. Mas as sessões de Abertura e de Encerramento do PANORAMA são no S. Jorge e na sala Manoel de Oliveira, a sala perfeita para podermos ver em toda a sua dimensão o «Belarmino», logo seguido da actuação ao vivo do grupo de jazz que participou no filme em 1964 (Trio Hot Clube de Portugal), que escolhemos para abrir em homenagem a Fernando Lopes – que faleceu exactamente há um ano, no dia 2 de Maio de 2012. Pareceu-nos também que esta sala enorme e o seu ecrã gigante eram ideais para mostrar três filmes que até já se podem ter visto isoladamente, mas que garantirmos terem outro impacto vistos em conjunto.

São três curtas biografias realizadas em 1969 por três cineastas em afirmação e que aí já demonstram o que querem do cinema: uma sobre Almada Negreiros (de António de Macedo), outra sobre Fernando Lopes Graça (de António-Pedro Vasconcelos) e a última com Sofia de Mello Breyner (de João César Monteiro).

Que destacariam nesta edição - seja filmes, debates ou conversas. Sei que é inglório um destaque no meio de um programa escolhido a dedo mas, talvez, um par de sugestões pessoais?

Podemos começar por destacar mais uma inovação deste ano na estrutura do PANORAMA, que são as duas sessões dedicadas à cidade de Lisboa, filmes que nos dão uma peculiar visão da cidade e onde vamos misturar documentários dos anos 1960 com filmes recentes: a «Sessão Lisboa I» é na Quinta-feira, 9 de Maio, às 19h, que inicia com um pequeno filme de 1966, «Para um Álbum de Lisboa» (de Faria de Almeida) e termina com «Alfama, Bairro Típico de Lisboa», realizado António Ruano e Miguel Spiguel em 1970, entre os quais passam os filmes contemporâneos «Abandonados» (de Júlio Pereira), «Santa Maria dos Olivais» (de Susanne Malorny), «Sem Anos» (de Lino de Oliveira/Marta Tavares) e «As Coisas dos Outros» (de Alexandra Côrte-Real); a «Sessão Lisboa II» passa quase a encerrar o PANORAMA, no Sábado, 11 de Maio, às 19h, com os filmes «225, Rua da Rosa» (de José Ricardo Lopes) e «Domingo à Tarde» (de Cristina Ferreira Gomes).

Podemos ainda destacar a sessão das 21h do dia 4 de Maio, por ser uma Estreia do filme de João Botelho «Anquando La Lhéngua Fur Cantada». É um documentário muito original porque faz a ponte com um género de cinema muito específico na ficção, o musical, e vai passar na sala grande do S. Jorge – arriscamos porque achamos que o filme merece ser visto aí… Esperemos que encha!

Por fim destacamos o debate «Documentário no Cinema Novo», no dia 8 de Maio às 18h, na Cinemateca, pois vamos reflectir sobre a importância do documentário para os realizadores e para a renovação do cinema português da época.

«Panorama é uma plataforma aberta e viva», o que serve de antecâmara a um convite. Naturalmente que espera maior afluência do que desde 2006, mas e que tal um convite personalizado para esta edição?

Permitam-nos a ironia, mas não sei se já repararam que nos autocarros da Carris existe um slogan para incentivar as pessoas a pagarem bilhetes que diz qualquer coisa como: «valide o seu bilhete se quer que esta carreira continue a funcionar». Pois bem, nestes tempos de crise, com grandes cortes orçamentais também no PANORAMA, quase arriscaríamos a dizer mesmo: VENHAM AO PANORAMA, pois com muito público é mais fácil argumentarmos a validade desta Mostra única no contexto português, exclusivamente dedicada ao documentário e a quem gosta de cinema.

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Foto por Luís Martins


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* Originalmente publicado a 2 de Maio de 2013, na Le Cool Lisboa * 000

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