Le Entrevista aos Lama Trio + Chris Speed por Pedro Tavares [PT]

Os Lama Trio + Chris Speed falaram com a Le Cool após o seu concerto na sua 11ª Festa do Jazz do São Luiz, onde apresentaram o álbum «Lamaçal», lançado recentemente pela Clean Feed Records. 

Acrónimos chave:

(GA) Gonçalo Almeida
(SSS) Susana Santos Silva
(GS) Greg Smith
(CS) Chris Speed

Tocaram mesmo agora na Festa do Jazz do São Luiz. Como correu o concerto?

CS – Malta! Acho que foi o máximo! Fantástico!

SSS – Sim, diverti-me, diverti-me imenso! Acho que foi bom. 

GA Acho que correu muito bem.

CS – Sabes, foi óptimo, não tocávamos juntos há meio ano, certo?

GA – Sim, é verdade. 

CS – É como conduzir uma bicicleta. Entrámos e foi fácil desde a primeira canção. Sem limitações e a banda estava imediatamente íntima e também poderosa e isso...  

GA – Senti o mesmo. Foi fácil de entrar no mood.

GS – Senti que cresceu à medida que tocávamos. Penso que foi ficando melhor e melhor perto do fim, e se pudéssemos continuar a tocar...

SSS – Como, para sempre?

GS – Eu realmente penso que correu assim em oposto às coisas correrem bem, depois fartas-te e não queres ouvir mais... Não penso que tenha sido assim, começou bem e ficou melhor.

GA – Mas acho que o sentimento geral para nós os quatro, é que o concerto foi realmente bom e divertido. Tivemos tão boa impressão. Pelo menos, falando por mim, saímos do palco com um sorriso, o que é realmente bom.

Também apresentaram o novo álbum com o Chris Speed, «Lamaçal», gravado ao vivo na última edição do Portalegre Jazz Fest. Falem-nos deste novo trabalho.

GA – Na realidade foi uma surpresa para nós porque não esperávamos ter dois álbuns tão rapidamente, um a seguir ao outro. As coisas correram muito bem após o primeiro álbum, então o Pedro (Costa) [Clean Feed Records] propôs «Porque não gravar ao vivo?» e numa conversa com ele eu disse-lhe: «Sabes quem imagino que seja uma óptima pessoa para tocar connosco? Chris Speed». E as coisas desenvolveram-se e o Pedro chamou-nos e disse: «Sabes uma coisa? Eu tenho este festival, vou contactar o Chris Speed e quero que gravem ao vivo. Veremos o que ele diz». E sim, as coisas foram correndo para este segundo álbum. E estou muito feliz pelo trabalho de equipa e por todas as pessoas que deram o seu coração e a sua alma.
GS – Um grande viva para o Chris, porque os Lama [Trio] começaram como uma espécie de trio interactivo democrático. O Chris ouviu isso e imediatamente fê-lo parecer como um quarteto interactivo democrático, ao contrário de «eu vou aparecer e mostrar-me como um extraordinário 'saxo'» ou algo como isso. Ele entrou, percebeu mesmo e veio como se fosse um membro igual... E isso é um verdadeiro cumprimento ao nosso som, não esperas que alguém seja assim tão cool.

GA – Penso realmente que a química entre os músicos foi boa. E penso que a música já lá estava...
CS – Foi isso que senti! A música estava lá, apenas tive que entrar nela.

O álbum «Oneiros» foi aclamado pelos críticos e pela crítica especializada e foi considerado um dos álbuns do ano. Porquê, a música é diferente? O que dizem?

GA – Oh, esta é uma questão difícil... O que pensamos? É uma música diferente?

SSS – Diferente de quê?

GS – Penso que é novamente a história de fazer algo dentro de uma caixa ou fora da caixa, e não há certamente nada de nós dentro de uma caixa. Obviamente, isso torna-a uma música diferente. Os críticos têm de ouvir cerca de cinco mil álbuns por ano, com fantásticos músicos e, tal como tudo no mundo, só uns cinquenta ou cem desses álbuns é que se destacam por ano. Não penso que tenhamos nome na comunidade internacional, mas seremos algo fora da caixa e isso necessita de alguma coragem. Começámos a fazê-lo desde o início, os críticos congratularam-nos e isso é óptimo!

CS – Eu posso dizer algo sobre isto porque não sou um crítico, mas ouvi o vosso álbum quando o enviaram para que visse se devia colaborar ou não convosco. Em verdade, trios com trompete não são muito habituais. É um diferente formato logo à partida, mas penso que a relação no seio do grupo... é óbvio desde as primeiras faixas que a química dentro do grupo é muito especial. A forma como tocam, interagem e ouvem, as músicas são doces e é como... sim, trompete e contrabaixo e bateria, isso não é muito comum!

GA – Eu fiquei completamente assoberbado porque não estava à espera... era, naturalmente, aquilo que desejava, mas não sabia o que a imprensa e os críticos diriam sobre esse disco. Quando os críticos e as reviews começaram a aparecer foi bastante surpreendente para nós. Foi uma reacção muito positiva que nos fez ficar encantados e em que, pessoalmente, fiquei muito feliz por algumas das minhas ideias, que adivinho serem um ponto forte do disco, foram, com a colaboração deles, realmente acontecendo e parece que causaram um boa impressão. Por isso é que penso que o Pedro da Clean Feed se entusiasmou para nos ter a fazer o próximo disco.

Editaram ambos os álbuns pela Clean Feed Records. Porquê, como é que esta relação aconteceu e como é trabalhar com este editor?

GA – Basicamente, eu conhecia o Pedro [Costa, Clean Feed] porque tinha lançado um disco com um banda chamada Tetterapadequ. Era um quarteto free jazz com João Lobo (bateria), Giovanni di Domenico (piano) e o Daniele Martini (sax tenor) e foi assim que a minha relação com o Pedro começou. Mais tarde eu tinha este disco com os Lama... Sempre achei a Clean Feed uma óptima editora e porque não tentar. Por isso é que deixei o CD com o Pedro. Esperei, esperei e esperei e, depois de algo como seis meses, tive notícias da Susana de que o Pedro ouviu o CD e gostou mesmo dele.

SSS – É realmente engraçado porque ele disse: «Sabes? no outro dia encontrei este CD em minha casa, ouvi-o e gostei muito, é realmente bom!». Então eu disse: «Estávamos à espera já há seis meses! Vamos lançá-lo!» e o Pedro disse «Boa ideia, vamos!». 

GA - Imagino que o Pedro recebe imensa música... é claro que é difícil, a selecção às vezes é aleatória. E tivemos sorte. Ele gostou, conhecia-me daquele outro disco e disse-me «Ok, vamos lançá-lo». A relação entre a Clean Feed e os Lama começou aí. Parece-me que o passo em frente veio quando ele percebeu que a reacção, para uma pequena banda que ninguém conhecia, era realmente muito positiva. E ele ficou muito orgulhoso da escolha que tinha feito.

O que é mais inspirador para vocês na criação musical?

SSS – A vida? Não, estávamos agora mesmo a falar como era tão fácil de tocar com o Chris, por exemplo, e a interacção que existe. Eu inspiro-me muito naquilo que estou a ouvir no momento. É a única forma que tenho de me deixar ir e de ir com a música. Para mim, esta é a coisa mais importante.

GS – Adoro a vitalidade que existe quando tocas com alguém pela primeira vez e nunca tocaste antes, é entusiasmo puro... e se tentares fazê-lo novamente, nunca o encontrarás. Se vou tocar com uma banda ao vivo, não vou ouvir o disco até pelo menos um mês antes. Não irei, porque se o faço, posso tentar replicar isso ao vivo e não o quero.

CS – Tenho que concordar de alguma maneira com a Susana. O que é inspirador para mim são as relações que vão acontecendo, qualquer interacção. Social, musical...

GA – Sempre pensei que, ao final, não interessa muito quais são as notas. Penso que nunca te irás recordar exactamente quais foram as notas que tocaste naquele grande concerto. O que recordarás são as pessoas com que tocaste. E isso é o sentido da coisa. Cada músico gosta de ter a ideia de fazer um disco a solo, mas parece-me que a coisa mais importante em fazer música é ter alguém com que tocar e apreciar a relação de fazer música em conjunto. O que pode ser realmente doloroso se tocares com a pessoa errada!

Tocam jazz electroacústico onde as electrónicas têm um papel importante. Porquê, oferece-lhes mais liberdade?

GA – Há alguma dificuldade com esta pergunta. Não penso que tenha um papel importante. Apenas representam um papel e é isso!

GS – É apenas uma cor que é acrescentada para potenciar o ânimo...  

GA – Mas é algo de que, pessoalmente, não tenho receio. Há gente muito preocupada, sabes, «É jazz, não deviam fazer tal coisa». Porque não? Estamos no Século 21, de qualquer forma! É assim que o vejo. Acho que é isso que tento passar para os trios. «Ok malta, vamos fazer algo, vamos colocar electrónicas»... Acrescenta-nos mais cores, parece-me.

Quais são as referências musicais dos Lama Trio?

GA – O que eu quero desde o início é fazer um trio sem instrumentos harmónicos, sem piano, sem guitarra. Para mim foi como «Oh, interessante, um trio de trompetes». E então fui procurar trios assim. Se olhares em volta encontram Ed Blackwell, Charlie Haden e Don Cherry. Isto é obviamente uma referência... Ou os Tiny Bell Trio, com Brad Shepik, Jim Black e Dave Douglas. Coisas assim são, posso dizer, referências. Mas são apenas referências. Quero dizer, há tanta outra música que oiço, não apenas referências do jazz. Outras vêm de outros lados ou cantos...

SSS – Algumas bem dark... 

GA – Algumas mesmo muito dark

GS – Sinto-me como uma tela em branco [«blank slide» no original] quando venho para este trio. Não tenho qualquer pre-concepção.

CS – Eu estou apenas a embarcar, estou a tocar com eles. Penso sobre free jazz, improvisação, interacção e cor e quero explorar esse lado da musicalidade, talvez mais do que outros aspectos. Não sei se essas serão referências musicais... Quando toco com esta banda, este é o espectro de pensamento em que quero entrar.
 
Em que outros projectos estão envolvidos?

GS – Fiz imenso trabalho com cantores, especialmente cantoras americanas negras. Não sei porquê, mas tem acontecido imenso. Tenho um trio de piano que também toca uma espécie de free jazz, mas trilha pelo groove às vezes. É difícil de explicar... Também toco muita world music. Portanto eu toco africana, brasileira, marroquina... Oh, e toco com dançarin@s, componho para dançarin@s. Escrevo imenso música de ballet moderna.

CS -  De momento tenho uma banda chamada Endangered Blood. Temos um novo álbum. Trabalho com Uri Caine desconstruindo diversos compositores já desaparecidos. Toco com Dave King e Craig Taborn. Passam-se imensos coisas agora...
SSS – Toco com a Orquestra Jazz de Matosinhos e com a European Jazz Orchestra. tenho um duo com Jorge Queijo e com Maria Mónica nos visuals. Tenho um duo com uma pianista, Kaja Draksler, da Eslovénia e que vive em Amsterdão. Toco no trio belga De Beren Gieren. E tenho um novo duo, com o contrabaixista sueco Törbjorn Zetterberg.

GA – Sou um tipo de trios [No original: «I’m a threesome guy»]. Gosto de trios. Tenho os Lama e tenho outro trio chamado Atos, algo mais escapista. E depois tenho um trio chamado Albatre que editou agora pela Shhpuma. É definitivamente uma música mais visceral, toco guitarra baixo e é mesmo... o mais barulhento que pudermos. E tenho ainda outro trio no qual eu sobretudo componho, o Heinz Karlhausen & The Ditonics. É muito fílmico, muito «cartoonístico», horror music, algo assim... e estou ocupado com o quarteto Tetterapadecu que é, basicamente, puro free jazz acústico. Ultimamente, também tenho estado muito atarefado com o Spinifex Quintet de Amsterdão. Voltaremos a Portugal em Julho para tocar no [Jazz im] Goethe-Garten. 

(CS/GS) O que pensam sobre a cena jazz portuguesa?

CS – Não conheço de todo, mas divirto-me sempre a tocar aqui. Há alguns músicos óptimos. Eu não penso sobre cenas jazz. Quero dizer, acho que me sinto com sorte por vir aqui e tocar, é sempre uma audiência agradecida, mas não conheço realmente a cena jazz portuguesa... eu nem conheço a cena jazz de Nova Iorque!

GS – Eu gosto do público português porque, quando tocamos aqui... Uma vez tocámos no Arte & Manha [já desaparecido, renasceu outro espaço chamado de Sagrada Família] e as pessoas parecia que estavam em meditação a ver-nos tocar. Outro momento louco foi quando tocámos no CCB e havia uma fila para um espectáculo! Nunca me tinha acontecido tal na cena jazz! E tocámos um set e ainda havia uma fila para um segundo set. Portanto, é um grande público.

Quais vão ser os vossos próximos passos?

GS – Coimbra.

SSS – Coimbra, Porto, Vila das Aves, Caldas da Rainha.

CS – Vocês estão em digressão pelo mundo!

GA – Rotterdam, Oostende, Lituânia talvez… Montreal…

GS – Também podemos ter o Chris… se gostares de Montreal.

CS – Claro que adoro Montreal!

GA – Os nossos próximos passos serão basicamente ver até onde este disco nos vai levar. Qualquer local que nos queira ter, nós estaremos com imensa vontade de ir e visitar.

SSS – Diz isso ao mundo!

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