Le Entrevista a Vik Muniz por Rafael Vieira + Carla Henriques


Por Sueli Ferreira de Souza

Vik Muniz está por Lisboa a acompanhar o lançamento de Lixo Extraordinário e para viabilizar - assim o desvendou - uma exposição em nome próprio em Lisboa. Trocámos umas palavras durante o festival FESTin, que continua no Cinema São Jorge até Sábado, dia 30.

Apresente-se e fale-me um pouco de quem é Vik Muniz, o homem por detrás do artista (ou o homem feito artista).

(Risos) O homem. O Homem é um homem normal. Simples. Acho que não tem muito mistério. As pessoas tem uma tendência a fantasiar um pouco a imagem do artista. Vem do facto que tem um aspecto histórico disso, os artistas quererem fazer aprender a gostar através dos tempos. Você vai imaginar sempre vidas conturbadas. Eu tinha esse defeito, imaginava artistas cortando orelhas, nunca vendendo quadros. É uma ocupação como qualquer outra, que não dá direito a saber mais. Do ponto de vista político, por exemplo, as pessoas acham que o artista vai saber mais da sociedade. Uma pessoa que vê através das coisas, que tem uma visão aprofundada. Eu sou contra, do ponto de vista político ele não sabe mais do que o padeiro, o policial ou o torneiro mecânico. Muito pelo contrário. Tem uma visão muito superficial da maneira como as coisas funcionam, pois vive num mundo meio fantasioso. Um mundo de imaginação.


Mesmo a minha vida pessoal está muito relacionada ao meu trabalho e tento mantê-la o mais simples possível. Viajo muito, adoro viajar. E adoro me meter em situações em que essa minha posição de cidadão está sendo colocada em questão. Porque quando deixei o Brasil para ir para os Estados Unidos em 83 eu deixei lá um jovem pobre e durante anos eu não conseguia voltar para o Brasil, pois tinha um ressentimento muito grande das diferenças sociais. Da maneira de como o rico tratava o pobre. As classes é uma coisa muito forte no Brasil, ainda permanece sendo um problema social gravíssimo. Eu não tinha forma de lidar com isso. Ficava em São Paulo e Rio de Janeiro uma semana e tinha vontade de voltar para Nova Iorque onde existe, onde até então existia uma coisa mais igualitária, mais justa.

Foi só quando me comecei a me envolver com projectos sociais, primeiro em Salvador com o projecto Aché, que eu comecei a suportar uma vida no Brasil por mais tempo. A minha reaproximação vem sobretudo como cidadão, não vem como artista. O meu trabalho foi ganhando mais projecção no cenário da arte contemporânea brasileira através do tempo, foi uma coisa que aconteceu em 15 anos, nos quinze últimos anos da minha carreira. O que realmente possibilitou isso, foi como esse trabalho se foi relacionando com projectos sociais, que têm a ver com trabalho mas reflectiam mais uma coisa pessoal minha como cidadão.

Ultimamente o trabalho tem saído da área da inclusão social e estou a tentar colocar essa ideia da inclusão social um pouco mais patente, mais óbvia na maneira como a arte é distribuída. A ideia da arte pública. 95% dos brasileiros nunca viram uma obra de arte, nunca entraram num museu, nunca foram numa galeria. Isso é um absurdo. Muitos deles nunca foram no cinema. A ideia de colocar a arte onde eles andam, de criar uma experiência Porque é incrível. O que a arte comporânea faz, na verdade, ela criar uma espécie de desculpa, uma espécie de desvio. Você está andando, vê uma coisa na sua frente e você vai ter que dar a volta, tem que ver o seu caminho doutro ângulo, doutra perspectiva. Isso é importante para o dia-a-dia das pessoas, poder rever a situação deles mesmo, a cidade.

Poder criar uma espécie de diálogo em torno dessas coisas que acontecem de tempo em tempo. Um grande projecto meu de agora, gira em torno da arte pública na cidade do Rio de Janeiro. Eu sempre trabalho muito localmente também. Agora como alguns desse projectos funcionam, a tentação de replicar e refazer estes projectos noutras culturas é muito grande. Estou pensando em como fazer isso agora usando um pouco o privilégio de ser embaixador da Unesco.

O que o levou a trabalhar com materiais perecíveis (alimentícios, etc) e já usados (lixo, desperdícios). É preocupação social, serve de manifesto social ou uma mais simples noção de reutilização de recursos e materiais?

O material em si cria um estranhamento no ritual da representação e isso é importante. Estamos muito acostumados em ver imagens que são feitas em material impresso, feitas de resíduos de carbono no caso dum desenho de lápis ou tinta. Vê o que a imagem representa, mas não tem nenhum tipo de meditação. Não se pensa no que é a imagem em si. A imagem é uma ferramenta mágica, você imagina o início, o começo, a primeira imagem feita na caverna. O homem que viu a imagem dum bicho e vai desenhar o olho dum bicho. Talvez tenha sido a descoberta mais importante da humanidade depois do controlo do fogo.

A imagem dá ao indivíduo a possibilidade da história, a possibilidade de contar uma história. De deixar um aspecto história indivual e colectiva. Ela cria a primeira noção de colectivismo que a Humanidade pôde ter. Foi através da imagem. A imagem também cria essa ideia de poder se deixar enganar momentaneamente por uma coisa que não está ali. A representação é um aspecto fortíssimo que permeia todos os aspectos da nossa vida. A economia, a religião, a política. Tudo de se deixar enganar momentaneamente, é quase uma função essencial do indivíduo de poder comunicar através de trocas simbólicas.

Isso tudo começou com arte, com um desenho na caverna. Pintura rupestre tem a ver com isso. A ideia do legado, de poder deixar uma coisa para os seus filhos. Esses legados eram simbólicos. A imagem é uma coisa muito importante, que não é vista com a devida importância. O facto de usar materiais estranhos é para repensar a imagem, para regastar a mágica que existe em toda a imagem. Na verdade, não estou querendo mostrar desenhos de coisas, mas quero mostrar desenhos que chamam a atenção à importância do desenho, da imagem em si. À representação como um aspecto fundamental da nossa existência.

Comente-me a experiência que foi contribuir para o filme Lixo Extraordinário. O que o faz ainda mais extraordinário são as pessoas que o habitam, que deles ganham o seu pão? De que modo interagiu com estas pessoas.

O filme, ele obviamente afecta o processo de trabalho. Injecta uma responsabilidade dinâmica e cinemática que me levou a convidar os catadores *1 para dentro do estúdio. Do ponto de vista de processo e criação é revolucionário. Não sei qual artista que leva o tema para dentro do processo. Isso deve acontecer, não é uma ideia nova, mas é uma ideia que para mim foi importante, é inédita dentro do meu trabalho. Isso enriquece e cria uma complexidade tão intensa dentro do processo de trabalho que faz com que o trabalho assuma uma dimensão trascendental. Estas fotografias estão gerando mudanças sociais e ambientais duma forma que nunca imaginei que pudessem fazer. O trabalho ia acontecer duma forma ou de outra.

O cinema, essa coisa dele ser uma espécie de ser uma arte cumulativa, uma arte que mexe com várias especialidades, é uma arte feita de complexidades de diferentes visões que se encontram, essa tem esse potencial de virar uma coisa muito maior do que é realmente ao princípio. Essa complexidade que o filme deu ao trabalho ela gerou essa mudança toda. Só as fotografias elas iriam causar diferença até porque o filme está só sendo lançado agora. As fotografias têm trabalhado em benefício dos catadores há dois anos em meio, elas já têm tem gerado mudanças ali. Mas a dimensão que o cinema trouxe ao projecto é inacreditável.

Que se segue para Vik Muniz, em obras e exposições, teremos hipótese de o ver por Lisboa em grande exposição individual?

Eu estou aqui também para isso. Estou tentando uma exposição individual no CCB, mas houve uma mudança administrativa e foi adiada. Nunca tive exposição num país que tem uma cultura muito próxima à minha e a ideia era começar uma tour europeia com uma exposição que foi extremamente popular no Brasil e a ideia era a porta de entrada ser Portugal. Estamos aqui a tentar viabilizar esse projecto.

*1 Catadores - pessoas que separam o lixo nos aterros e lixeiras do Brasil, fazendo-lhe a triagem para reciclagem.

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