Le Entrevista ao Luís Lopes Humanization 4Tet por Pedro Tavares e Rafael Vieira
Não há envolvente melhor para lançar os alicerces a uma entrevista com os Humanization 4Tet do que aquela que se nos apresentou sábado, 6 de Agosto de 2011. Ainda embalado pelo travo deliciado a freejazz e a slam despejado em grande na noite anterior no Anfiteatro da Gulbenkian por Cecil Taylor, é na Trem Azul - pátria da Clean Feed Records, que nos encontramos com Aaron González, Luís Lopes, Rodrigo Amado, Stefan González e António Júlio Duarte.
Este último acompanha a banda como fotógrafo, aqueles, que burilavam acordes em ensaio no estúdio da Clean Feed, são nomes já bem reconhecidos na cena jazz neste binómio de continentes, cidades e países que os unem e não afastam: Lisboa e Dallas, Portugal e EUA.
É também na expectativa do concerto no Teatro do Bairro de dia 9 de Agosto, incluído no Jazz em Agosto 2011, que a conversa gravita.
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Acrónimos chave para a entrevista:
Aaron González AG
Luís Lopes LL
Rodrigo Amado RA
Stefan González SG
António Júlio Duarte AJD
Le Cool (Pedro Tavares + Rafael Vieira) LC
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LC : Como começou o projecto Humanization 4Tet? Como foi esse processo criativo inicial?
LL : Posso responder a isto? O projecto começou comigo e o Rodrigo, que pertencemos ao mesmo circuito de música improvisada de Lisboa. Nós já tínhamos experimentado tocar, tínhamos uns temas e estávamos a tentar montar um grupo para os tocar. Nessa altura eram apenas composições minhas. Experimentámos com outro grupo, mas aquilo não funcionou. Estávamos à procura duma secção rítmica. Eles (os irmãos González, Aaron e Stefan), estavam a tocar duas noites com o pai (Dennis González) no Speakeasy, como Yells at Heels. Eu e o Rodrigo estávamos a actuar no Bairro Alto com um grego, o Floros Floridis. O Rodrigo disse, vamos ver o Dennis González. O Rodrigo já conhecia bem o Dennis, eu não conhecia, acho que o vi uma vez em Coimbra. Eu não conhecia os putos, acho que o Rodrigo também não conhecia os putos, só dos discos. Como levámos os instrumentos, era eu, o Rodrigo e o Floros e o Dennis convidou-nos para tocar na segunda parte, para fazer um jam com eles. Começaram logo a improvisar connosco. Foi um alto power, uma alta liberdade, noção de grupo, vontade de partilhar emoções. Ficámos muito contentes e aí pensei, vamos fazer a banda com os González. Depois eles vieram para uma tour a Portugal. Eram sete concertos e arranjámos forma deles virem, pagando as despesas todas. Fizemos os concertos e gravámos o nosso primeiro disco (Luís Lopes-Humanization 4Tet, Clean Feed Records).
RA : Depois houve outra coisa importantíssima que foram as digressões. A primeira foi minha e com o Dennis e com eles como secção rítmica na Polónia. O que desenvolveu brutalmente tanto a minha relação a tocar com eles, como também eles como secção rítmica deram um salto enorme. Tocámos, fizemos para aí uns dez concertos na Polónia em cidades diferentes. E depois vieram as duas digressões que fizemos como grupo nos Estados Unidos. É difícil explicar, a música dá um salto enorme, passa para outro patamar. Aconteceu na primeira digressão, aconteceu nesta também.
LC : Foi uma empatia imediata e arrancaram logo a improvisar.
SG : Sim. Foi naquele sítio, Speakeasy em 2005 com o nosso pai que sentimos uma ligação imediata. Já tinha ouvido coisas que ele (Rodrigo Amado) tinha feito com o meu pai, mas nunca tinha ouvido o Luís. Foi a minha primeira vez em Portugal, estávamos a conhecer toda esta gente e foi muito intenso.
AG : Foi divertido, porque o bar ou as pessoas pareciam meio quadradas. Até parecia que não queriam alcançar a música.
SG : Estavam a rir-se de nós.
AG : À medida que se embriagavam, começaram a gostar da música. "Isto é fantástico, uau."
SG : A partir duma certa altura, havia mais gente a tocar do que a assistir.
AG : Finalmente alcançaram. O primeiro set foi com o nosso pai a fazer o alinhamento. Num segundo momento, convidámos pessoas para tocar connosco e tínhamos ali o Rodrigo, o Floros veio. E lembro-me do Luís aparecer e mal trocámos uma palavra, mas recordo-me que começou a tocar duma maneira totalmente inesperada para quem leva uma guitarra para um bar.
LL : Eu lembro-me de ter começado a tocar, estava junto a ti (Aaron), viraste a cabeça e eu pensei, yeah, ele gosta de mim!
SG : Um freak como nós!
LC : E quanto a esta última digressão pelos Estados Unidos?
AG : Tivémos alguns momentos baixos. Mas no geral, tudo foi muito confortável. No nosso último concerto em Madison havia como 15 a 20 pessoas. Elas não foram intrusivas, não se manifestavam muito como em New Orleans. Aí foi quase como um concerto rock, gritavam, dançavam, até um grupo de punk rockers. Em Madison estavam muito controlados, como se a música fosse completamente nova. Sentimos este como um dos nossos maiores sucessos, apenas porque conseguimos que as pessoas se sentassem e ouvissem e não nos tratassem como uma banda rock. Servimos ambos os extremos. Mas sentimo-nos bastante animados por saber que encontrámos o nosso lugar também nos States. É que, por vezes, pode ser bastante desmoralizante, qual é o objectivo de ainda estarmos a fazer isto aqui?
LL : É incrível essa cena dum gajo tocar, fazermos uma tour na estrada, on the road, que é coisa que os músicos de jazz faziam e não fazem mais.
LC : Há festivais...
LL : Há o percurso dos festivais e é só..
RA : Há alguns que ainda o fazem, o Brõtzmann faz. O Gustafsson faz.
LL : Os franceses, os europeus fazem. Os americanos não fazem.
LC : E porquê é que não fazem?
RA : Porque aquilo envolve um investimento grande, para eles. Os grupos europeus ainda conseguem ganhar algum dinheiro e fazer as coisas de forma a não perder dinheiro. Os americanos, se é um grupo americano, é muito complicado.
LL : Andamos na estrada e os sítios onde tocamos são sempre completamente diferentes. Tocamos em todo o tipo de sítios. Em Madison foi uma cena muito especial, era um estúdio. Eles fazem um concerto dentro dum estúdio, metem as cadeiras e tal, é como nós, ou seja a malta toca [em estúdio, a gravar] como se fosse ao vivo, toca duas vezes cada música e escolhe a que gosta mais. Não fazemos as coisas em separado, tocamos mesmo ao vivo. Ali era uma cave e éramos nós e bandas de rock a tocar também. Apanhas também casas de jazz.
RA : Éramos a única banda vagamente de jazz, mas o pessoal tripou connosco.
LC : Tenho aqui uma citação, etiquetando-os como fazendo punk-jazz (risos dos músicos). Claro que não vejo necessário colocar rótulos nas coisas, mas é engraçado que refiram que nesse festival eram a única banda de jazz entre bandas rock.
AG : Tenho uma resposta específica quanto a isso. O Humanization 4Tet existe numa altura em que o jazz e o rock estão a ser fundidos há imenso tempo, muito antes de eu ter nascido...
LL : As diferenças a ser pulverizadas.
AG : …desde há muito tempo. Mas os media ainda marcam estes géneros como realmente separados. Como, quando pensas em rock, pensas no mais básico denominador comum. Quando pensas em jazz, e quando ouves uma estação de rádio, são sempre as coisas mais básicas. Nesta digressão tocámos com um guitarrista noise, tocámos com um duo que desconstrói o jazz convencional, tocámos com bandas de rock pesado. E encaixamos perfeitamente em cada um desses mundos. Em Philadelphia estavam muito interessados em nós, e ainda que nos considerassem uma banda jazz, viam-nos tão pesados e energéticos com as outras bandas (do evento). Acho que o ponto principal é que, como grupo, tomamos tão diferentes aspectos da música em geral, podemos fluir livremente entre esses mundos sem mesmo pensar nisso.
LC : Abarcam diferentes mundos...
AG : É apenas um mundo para nós, um espectro musical daquilo que percebemos conseguir atingir musicalmente.
LL : As pessoas gostam de nós pela nossa música, não nos etiquetam. Ouvem e excitam-se.
AG : Em determinados locais, as pessoas são bastante abertas quanto a deixar-nos ser uma banda jazz que abraça um certo número de elementos. Estão disponíveis para nos ouvirem a esse nível. Os locais onde as pessoas não sabem o que fazer connosco, é porque ou têm uma ideia preconcebida sobre como uma banda de jazz não pode ser ruidosa ou barulhenta ou fazer algo mais pesado. E há o inverso, pessoas que ficam curiosas como conseguimos passar, de repente, para uma balada, melodiosa, introspectiva ou espacial.
SG : Actualmente (“In this day and age”), sempre que se pensa que tudo já foi feito na música, pensa-se que nada se pode fazer de novo e que a única opção é misturar tudo. Não o fazemos para ser originais, há imensas bandas que fazem esse punk-jazz. Para nós, ouvimos todo o tipo de música, falamos e escrevemos as nossas ideias sobre música, o de como evoluir. Claro que estamos muito dentro do jazz, é assim que nos relacionamos, mas não nos vejo como uma banda jazz ou punk, apenas aconteceu que temos uma espécie de alinhamento tradicional quanto ao que é normal ver-se numa banda de jazz, com a guitarra eléctrica e a minha bateria. Às vezes gritamos, crescemos. Conseguimos sempre ultrapassar-nos, melhorar, mas não é originalidade, é sério como a vida.
AG : Não há nada errado em ter humor na tua música. Ou em exprimir essa transição duma maneira bem humorada. Mas também vejo que as pessoas, em vez de verem a evolução, preferem atribuir e destacar as diferenças como originalidade. Eu diria que somos definitivamente inspirados pelo jazz que é misturado com o heavy rock e até com o punk. Mas, ao mesmo tempo, temos algumas músicas que são muito funky, ambient, melodic waves, canções que são muito bonitas. Se ouvirem o nosso primeiro álbum (Luís Lopes-Humanization 4Tet, Clean Feed Records), é mais introspectivo, lida com elementos dispersos. Parece-me que a questão punk terá a ver com o nosso último álbum (Electricity, Ayler Records), mais enérgico e barulhento. Acho que, à medida que o tempo passar, provavelmente mostraremos outro género e será com isso que nos irão etiquetar.
LL : O que penso que é muito interessante é que temos as canções e a improvisação, temos a improvisação nas canções e é completamente liberal e livre. É sempre diferente, se fizermos dez concertos será sempre diferente, mais punk ou mais melódico.
RA : Transformamos cada composição de acordo com a audiência e isso surge, sem falarmos uns com os outros. Revela-se.
SG : Tentamos ser flexíveis.
AG : Penso, e penso assim de falar com muito bandas que têm a componente forte de improvisação sem deixar cair a composição, que há uma viagem numa canção que é improvisada. Começa-se a tocar determinados elementos e chega-se a um modo de como a tocarias sendo improvisada. E ao longo dos anos, se tocas a mesma canção durante dez anos, ainda que seja a mesma estrutura, ela ganhará a energia no decurso das diferentes actuações. No início da digressão estás a tocar uma coisa e no fim, já tocas uma coisa totalmente diferente. É uma viagem dum ponto para outro.
SG : Elas tomam a sua própria personalidade. Mesmo connosco, que estamos juntos há quatro anos. Como o Aaron disse, o nosso primeiro CD é mais introspectivo e baseado em temas, isso teve muito a ver com o estúdio, foi muito intenso. Foi uma sessão intensa e retirámos dela o melhor possível. Se tivesses visto todos os nossos concertos, e ninguém o fez à excepção de nós próprios, eles tomam a sua própria e diferente personalidade.
LL : Foi muito duro para a nossa primeira gravação, porque a ideia era fazer três gravações de cada canção, seis canções (e aponta para Aaron), e este tipo partiu três cordas. Tínhamos apenas quatro horas no estúdio. Três canções foi a primeira gravação e não tínhamos tempo para fazer mais.
AG : Estávamos muito ansiosos.
SG : Basicamente assumimos que não teríamos um primeiro CD. Só soubemos que resultou depois e felizmente que saiu.
AJD : Parece-me que o que os faz poderosos é que são espíritos livres, não estão preocupados com aquilo que as pessoas dirão deles, como os definem. Eles fazem a música, e são muito sinceros no que fazem. Têm todos origens diversas e isso é espelhado na música, não se preocupam se lhes chamam de jazz ou de punk.
LC : Não há etiquetas, então. Falem-me das vossas referências, o que andam a ouvir actualmente.
LL : Vou-te já dizer o que comprei quando passámos por Chicago. Comprei um disco do Fela Kuti, um disco dos Dead Kennedys, um disco dos NRG Ensemble, aquela coisa do Hal Russell, mas já com o Vandermark. Um disco brutal por dois dólares! Comprei dois discos do Hal Russell e dois discos do Rob Mazurek. Comprei outros discos, mas não me recordo. Ah (a apontamento de RA) e os Death. E também um disco duma banda de rock progressivo, os Van der Graaf Generator (risos gerais). Muito variado.
RA : Falando de influências, esta banda é curiosa, pois ouvimos muito tipo de música e ouvimos realmente música. Um dos desesperos nesta última digressão, é que estes tipos se esqueceram de trazer CD's. Tínhamos então que lidar com os CD que estavam espalhados pelo carro, trocando, pois usámos diferentes carros. Ouvimos realmente música e não há muita gente que vá ver o que outros andam a fazer. E, entre nós, talvez mais eu e o Aaron, talvez mais ainda que o Luís e o Stefan, ouvimos muitas coisas, muita música. Bandas históricas. Acho que isto, de alguma forma, se deve revelar na música que fazemos. De certeza.
AG : Acho que essa é parcialmente a razão porque surge a questão de como nos posicionamos, quanto ao género musical. Claro que quando és novo e também quando és mais velho, ouves uma música e concluis que queres fazer algo que inclua alguns dos seus aspectos. Quando ganhas alguma experiência e passado um tempo, as influências tornam-se mais orgânicas. Quando tocas em bandas de diferentes géneros, as coisas ocorrem naturalmente.
LL : Parece-me que acrescenta algo à tua imaginação. Quando estás a compor ou a solar, soma à tua imaginação.
AG : Tenho uma enorme colecção de música, que fui coleccionando desde que era miúdo. Mas nestes últimos anos não ouvi muita música quando estou sozinho, apenas aquela que oiço no carro. E deixei de comprar discos tão regularmente como fazia. Actualmente estou mais interessado em ouvir o que a gente à minha volta anda a ouvir. Estou interessado nisso e em tocar, em sentir o que o contexto me dá.
SG : Aquilo que ando a ouvir no que se refere a discos é esta grande compilação feita pela Soul Jazz Records, com muito post-punk, goth, new wave brasileiro, chamada The Sexual Life of The Savages. Plasmatics, Morphine, muito hardcore, uma banda japonesa chamada GISM, Black Flag. Oiço muito jazz, muita coisa de improvisação passada pelo meu pai. Ele foi Dj na rádio durante 25 anos, fomos expostos a muita coisa, desde fusão, old blues. Ele também foi professor de mariachi. Mariachi, latin jazz, flamenco. Uma das minhas primeiras memórias é do meu pai nas vendas de garagem de uns amigos a comprar música e a dividir em metade o que tinha comprado e a dar-me aquilo que achava que eu gostaria e a outra parte que lhe parecia que o Aaron gostasse. Eu tive Napalm Death, Sonic Youth, Black Flag, Joy Division. Esta foi a minha exposição e o que me fez caminhar para a parte punk, mais dark da música. E então fiquei neste gueto mental de achar que esta era a única maneira, a maneira correcta. Coisas hardcore. Mas isso torna-se também chato. Então ignorei o facto dele tocar com Sun Ra, com os Art Ensemble of Chicago, coisas assim e virei-me mais para o jazz. Porque me proporcionou uma alternativa interessante. Podes procurar e procurar e nunca vais encontrar o fim da música interessante. Passa-se o mesmo com os livros, com ideias e tudo o resto.
AG : Acho que a minha maior influência é Lawrence Welk. (risos gerais)
LC : E as tuas referências, António?
AJD : Comecei a ouvir música da cena punk, foi com isso que cresci. Ouço diferentes tipos de música, não consigo definir um só.
RA : Não é importante.
AJD : Não é importante.
RA : Quando conheci o António vi que ele ouvia o mesmo tipo de música que ouvíamos. E fiquei surpreendido, este tipo é como nós.
LC : Também improvisas no teu trabalho com o Humanization 4Tet?
AJD : Completamente, porque fotografo duma maneira muito livre e reajo ao que estão a tocar. Muitas vezes surge como resposta ao que estão a tocar, não será bem documentar o que faço, mas será a minha forma de tocar.
SG : Há muitos fotógrafos que me distraem quando estou a tocar, que me fazem reparar, porque raio está aquele tipo a fotografar-me agora. Sinto que o António faz parte da nossa unidade, faz parte da banda, na sua maneira muito particular. Ele deixa-nos fazer a nossa coisa e apoia imenso.
AG : Só conheci o António em 2009, quando fizemos a primeira digressão e claro que o Luís e o Rodrigo já o conhecem há imenso tempo. O seu trabalho surge na capa e no interior do nosso segundo álbum. Veio também na nossa segunda digressão e continua a documentar tudo isto. É uma figura bastante complementar ao que fazemos, a viajar, a viver, a tocar, a trabalhar, quando estamos nesta banda. Vejo o seu trabalho como um sentir orgânico a capturar o dia-a-dia de ser Humanization 4Tet.
SG : Tal como a capa na capa do Electricity é uma corda amarrada duma determinada forma e dentro do álbum há uma foto nossa enquanto estávamos a tocar em Dallas, a relaxar. Caracteriza-nos perfeitamente, quanto à personalidade e à empatia. Não tocamos apenas a música e depois separamo-nos. Tocamos e continuamos juntos depois, como uma família, como uma família de amigos.
AG : Vejo a fotografia como uma forma de arte que vive na dicotomia entre mistificação e desmistificação. Dependendo de como algo é enquadrado pode tornar-se icónico. Mas ao mesmo tempo pode expor outra coisas, dar uma sentido esotérico às coisas, as pessoas esquecem-se que há pessoas ali. O trabalho do António é paralelo quanto ao que tocamos no sentido de que captura esse aspectos mas é também muito à terra.
LC : Primeiro Clean Feed e depois Ayler Records. Como aconteceu isso, como foi essa passagem?
LL : Gravamos o primeiro disco com a Clean Feed e tínhamos o segundo disco, que foi construído com aquela tour que fizemos há dois anos e eu mostrei ao pessoal da Clean Feed, mas eu tinha um disco a sair e a Clean Feed tem um número de discos para sair como todas as editoras. É o número de discos que sabem que podem pôr cá fora. Rentável nunca é, o negócio dos discos está morto, mas seria ainda menos rentável assim. E como eu tinha outro disco para sair com outro grupo, não dava. Disseram-nos para o ano, mas nós precisávamos do disco a sair logo. Falámos todos e decidimos que não podíamos esperar e queríamos lançar já o disco. Quando eles vieram em 2009 fizemos uma tour, fizemos o festival de jazz do Seixal e de Santo André e outros. E o tipo da Ayler Records – ele chama-se Stefan – ele veio para ver o concerto e para visitar o pai deles (Dennis González). Ele ficou muito entusiasmado, ficou impressionado. E decidimos mostrar-lhe o trabalho. Mandámos a música para ele ouvir e agora já é fã da banda. Tem imensa pena de não poder vir ver-nos ao Jazz em Agosto, disse-nos “arrasem.”
RA : Temos uma gravação para propor à Ayler, será como um Electricity Live. São as músicas do Electricity, mas muito diferentes.
LC : Outras influências?
RA : Mais pesadas e mais abertas. As canções são mais intensas.
LC : E improvisam mais?
RA : Sim, e as improvisações são mais intensas.
LL : Vou pegar nisto, nós tocámos nesse concerto, é dentro dum estúdio mas é um concerto ao vivo. A música está de facto boa, está muito interessante. Não é boa, é interessante. Tocámos uma versão do Long March (For Frida Kahlo) que é do primeiro disco, tocada agora duma maneira totalmente diferente. E isso é tão interessante. E depois outros temas do Electricity, do segundo disco.
RA : É muito interessante para nós que podes tocar as mesmas canções e eles vão soar completamente diferentes, porque elas são um testemunho quanto ao aspecto mutável da música.
LL : Nós temos essa gravação ao vivo, para lançar esse disco ao vivo, basicamente um Electricity ao vivo. E vamos depois para estúdio dois dias, nós temos agora este concerto na Gulbenkian (Jazz em Agosto 2011). Temos estado a ensaiar, mas não é tanto para este concerto, pois temos estado praticamente um mês a tocar. É mais para construir, temos estado a ensaiar músicas novas ao mesmo tempo que ensaiámos para o Jazz em Agosto. E vamos para estúdio para tentar construir um disco novo, uma ideia nova. Novos temas. Há essa questão do ao vivo e um novo disco. E temos vontade de fazer uma coisa totalmente diferente.
LC : Jazz em Agosto, o que representa para vocês tocar aqui? É o reconhecimento dum trabalho?
LL : Eu quero dizer uma coisa quanto ao Jazz em Agosto. Nós tivemos essa gravação em Madison e fizemos outras, como aquela no Stone, que é o bar do John Zorn em Nova Iorque, no festival da Clean Feed. Eram duas semanas de Clean Feed, um festival brutal. Nem o Vision... Começas a ver aquele festival, organizado pela Clean Feed em Nova Iorque, olhas para o Vision e aquilo é arrasador. Os nomes que estão ali, aquilo é incrível, combinações diferentes que eles lá arranjaram. Muito grande esse festival. Nós pássamos por lá também, o concerto foi muito bom. Temos dois vídeos na Net, houve um amigo nosso que tirou fotografias, que fez os vídeos. Já com o intuito de fazermos o disco ao vivo. E nós pensámos também em gravar na Gulbenkian. Falámos com o pessoal da Gulbenkian porque, provavelmente, vamos tocar um tema ou dois que são novos e para ter mais património de música ao vivo. E eles não aceitam, eles não querem, o protocolo é que não podemos gravar, ponto. Tenho pensado nisso e não vejo razão. Isso é completamente contraproducente. Com ideias destas não se lançam discos, não se grava, temos que ultrapassar rapidamente estas ideias em Portugal. Só está a prejudicar o desenvolvimento das artes, da música e das ideias. Não dá.
LC : Grande desabafo. Mas acaba por ser um reconhecimento o serem convidados para o festival?
SG : É uma honra, eu não o esperava.
AG : Estou muito feliz por estar aqui.
LC : Vou um pouco atrás, e pego naquilo que a crítica aponta ao Jazz em Agosto como estando focado nas bandas internacionais. E vocês, como banda luso-americana, a vossa presença e o serem convidados torna-vos especiais, isso é especial.
AG : Não poderei comentar quanto à situação portuguesa. Mas entendo que em todos os locais há sempre aspectos políticos relacionados com a cena do jazz e sinto isso totalmente com a cena de jazz portuguesa. Mas não vejo que tenha que ser a comentar muito extensivamente. Com o Jazz em Agosto não sei se é pretendido que divulgue a cena portuguesa, mas vejo que é uma honra tocar ao lado de Peter Brõtzmann, Cecil Taylor. Muitos destes músicos clássicos estão a mostrar muita coisa vanguardista. Parece-me que aparte todas as críticas, é um festival que foca a música do momento e ser escolhido para integrar isso é verdadeiramente uma honra. Só vi um concerto até agora (Cecil Taylor, a entrevista foi conduzida no sábado, dia 6, pelas 19h) e foi muito bom.
LL : O Jazz em Agosto é um festival que temos no coração. Comecei a ir ao festival em 98, ver o Herbie Hancock. É uma escola brutal, está no nosso coração, em que vemos todos os músicos que amamos, os grandalhões todos, basicamente os músicos que fazem a música que fazemos e de que gostamos. É como o Aaron diz, é uma honra, é uma maravilha. Para nós é muito grande. Mas eu quero mandar mais uma crítica, porque isto é mesmo assim. Temos que falar sobre as coisas, mas gosto de dizer as coisas que têm que se dizer, para ver se a malta começa a evoluir sem medos. É bom que se receba este pessoal todo, mostrar os músicos que o jazz tem, mostrar todo este património aos portugueses. As instituições têm a obrigatoriedade, têm a responsabilidade perante os músicos de desenvolvimento da música. E há aqui uma possibilidade de meter Portugal no mapa do mundo. Há esta oportunidade com a Clean Feed. A Clean é muito grande e há aqui músicos muito bons. Pode ser criada uma cena, como há a cena inglesa, a cena francesa, a cena alemã, a cena americana, por aí fora. Onde é que estão os músicos portugueses? Os críticos vêm aqui e perguntam, onde é que estão os portugueses? Onde é que está o Sei Miguel, o Rafael Toral, o Manuel Mota, que estão nos discos que eles ouvem lá fora? A cena vanguardista tem que ser apoiada. Têm que meter os músicos portugueses a tocar.
RA : Estas instituições são as únicas a ter a possibilidade de colocar os músicos portugueses a fazer colaborações. Além dos músicos que falaste é isso a multiplicar por mil, a colaborar com músicos estrangeiros. Estamos a perder a possibilidade. Passa-se ano após ano e nada altera. O que vale é que os músicos não param e estão sempre a fazer coisas.
LC : Que podemos esperar do vosso concerto no Jazz em Agosto.
AG : Ainda estamos a trabalhar nisso. Iremos fazer um terceiro álbum, ainda estamos a aprender esse material. O segundo álbum é diferente do primeiro álbum, parece-me que o terceiro será diferente do anterior também. Mas, como estivemos em digressão nos States, a tocar sobretudo coisas do Electricity e também uma pequena selecção do primeiro álbum, parece-me que o nosso concerto irá reflectir isso. E ainda que tenhamos tocado canções do Electricity para fazer o próximo álbum, o concerto será sobretudo a montra desse álbum.
SG : Iremos dar às pessoas no Jazz em Agosto, um gosto das vitórias que alcançámos durante a última digressão, porque foi muito especial, tudo se desenvolveu, tudo encontrou o seu lugar. Aproveitamos essa oportunidade o melhor que pudemos e o concerto irá mostrar a evolução que tivemos nestes dois anos. O facto de termos sido convidados este ano só mostra que só podemos crescer a partir daqui.
AG : É possível que haja uma antevisão de dois temas novos neste concerto. De cada vez que estamos juntos, e dado que somos uma banda internacional e temos oportunidade de estar juntos apenas uma ou duas vezes por ano, cada vez que nos encontramos há uma transição. Agora será o fim daquilo que mostrámos no Electricity e o início duma terceira fase, que eventualmente aparecerá no nosso terceiro álbum.
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Links
Humanization 4Tet | www.myspace.com/humanization4tet
António Júlio Duarte | http://www.antoniojulioduarte.com
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