O fim da música
O Out.Fest não é
um megafestival nem coisa parecida e ainda bem. Não há confirmações
conformadas, nem seguidores incondicionais: há a tentativa de criar
espaço, olhar em frente e atrair um público que seja criativo e
interessante. Pela música, para descobrir. O Barreiro não quer as
massas, pois disso tem outro conceito. Se já noite longa alguém tripa de
forma estranha, a ameaçar cenas menos dignas, leva um toque e um «olha
pró palco chavalo!». É uma forma do velho orgulho operário que
caracteriza a cidade, que tenta redesenhar-se no meio da tormenta.
Sons do Arco Ribeirinho Sul,
um nome burocrático para um projecto louvável. Possivelmente e
desejavelmente o que mais perdurará deste festival. O que não é pouco.
Um projecto de longa duração, apresentado nesta edição e que se alongará
por quatro. Luís Antero, fonografista, músico e radialista, a recolher
sons do Sapal de Coina, da Mata da Machada e da frente industrial
ribeirinha. Do Barreiro portanto. Da foz do Coina aos silvos das
fábricas. Não é para pusilânimes.
E então os três últimos,
digamos, artistas do festival: Stephen O'Malley, Damo Suzuki &
Sunflare, Oneida. O fim da noite de sábado...
Stephen O'Malley resumiu:
um ensaio sobre o metal. Apostando bastante no impacto físico do som,
não para abanar o capacete (como se costumava dizer nos tempos em que o
metal era popular...), mas para causar uma impressão de explosão
atómica, um processo caracterizado por súbito aumento de volume e grande
libertação de energia. Deflagração. Prelúdio afinal.
Damo Suzuki
começou a noite no bar dos Ferroviários, calmo, ao lado das taças e por
detrás da banca de souvenirs. Chapéu de coco, sorriso tranquilo, um
buda da combustão. Subiu ao palco com três rapazes com ar rockeiro
familiar e parece que ninguém se lembrava que estava diante do vocalista
dos Can. Já não é, mas foi dos Can. E para quem esperasse piscadelas de
olho, Damo, com ajuda é certo, mas sobretudo ele, largou uma descarga
de voz-ruído, pseudo-metal, pseudo-nada, insuportável: Insuportável?!
Quando Demo acabou já o público estava embriagado, as suas palavras
gritadas (japonês?! inglês?! português?!) e aquele ruído todo soavam a
melodia, canção que fica no ouvido. Mais e mais e quando acabou a
performance barreirense da sua never ending tour, os humanos ali
presentes deram conta dos estado dos seus aparelhos auditivos e ficaram
perturbados e contentes. Uma experiência estética. Concerto do ano? O
que é que isso intereressa? Quantos tatamis terá o laboratório de Damo?
Para acabar, os Oneida.
Não houve canções. Houve ruído, descargas de guitarra e o funeral do
rock. Música?! Isso perguntam os Oneida. Banda sonora de bombardeamentos
em directo, melódicas, do momento da vingança, do descolar dos caças.
Com os Oneida a coisa acabou. Só ficam uns rapazes ainda a tocar. Uma
reflexão sobre o silêncio feita de granulação. Quando vivemos?
Out.Fest 2011 : http://outfest.outra.pt/2011
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* Originalmente publicado a 10 de Novembro de 2011, na Le Cool Lisboa * 313
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