Le Petit Routárd: Pérou et Bolivie.
MachuPicchu
pela segunda vez em low budget. Em Ollantaytambo tomo uma combi até
Piscacucho, ao km 82, onde começa o famoso “Inca Trail”. Até Aguas
Calientes são 28 kms. São 9h da manhã e são cerca de 8 horas a caminhar
seguindo a linha do comboio. Poucos minutos depois encontro umas ruínas
Incas. Entro e faço um pago à Pachamama, com folhas de coca e um pouco
de água florida, e peço-lhe para que nos acompanhe nesta caminhada.
Estamos rodeados por montanhas de cor terra, áridas, o clima é seco e a
vegetação de verdes suaves.
Ao longe do nosso lado
esquerdo avistamos parte do Caminho Inca, que leva numa subida muito
íngreme a vários aglomerados de ruínas. Depois de 5 horas sentimos o ar
húmido, as montanhas de um verde tropical e ruídos ligeiros: estamos a
entrar na selva. Em menos de 4 horas chegamos a Aguas Calientes. No
hostel deito-me, com as pernas doridas e só quero dormir, dormir e
dormir, mas não posso. Amanhã o despertador toca às 4h da manha para
subir a Machu Picchu.
Os planos de viajar pelo Peru
alteram-se: à última da hora decidimos ir À Bolívia fazer o Salar de
Uyuni e visitar as minas em Potosi. Em Tupiza, no sul da Bolívia, já
quase na fronteira com a Argentina marcamos uma tour de 4 dias e 3
noites para o Salar de Uyuni. Santos era o nosso condutor e guia e a
pequena Maria com apenas 19 verdes anos era a cozinheira que sofria de
anemia crónica e passava o tempo todo a dormir e apenas acordava à hora
das refeições e que, incrivelmente, nos colocava delícias no prato a
condições inóspitas, a 4400 metros de altitude.
Aqui vi
das paisagens mais bonitas de toda a minha vida. Lagoas de cores e tons
sem fim. Brancas, azuis, verdes, vermelhas e depois de 4 dias a viajar
pelo meio do deserto, no último dia dormimos num hotel feito de sal e
acordamos às 5 h da manha para ver o sol a nascer no Salar. Somos os
primeiros a chegar. E observamos em silêncio os primeiros raios de sol a
nascer num horizonte tão perfeito, num branco mais belo que o branco da
neve. Santos passa-me o jeep para as mãos e é com emoção que conduzo no
maior deserto de sal do mundo. Terminamos no Cemitério dos Comboios em
Uyuni, onde se encontram abandonados a maior parte dos comboios que os
espanhóis trouxeram da Europa para a América do Sul.
Já
com saudade despedimo-nos de Santos e de Maria, e está na hora de
seguirmos viagem. Potosi: a cidade mais alta do mundo, a 4000 metros,
foi no tempo da colonização a cidade mais rica do mundo, pela riqueza
das suas minas de prata assim como a maior cidade do mundo. Londres,
Paris e Nova Iorque cabiam dentro dela e ainda sobrava espaço para mais
alguns. Todos queriam viver em Potosi e depois dos espanhóis lhes terem
sugado toda a prata que puderam, uma cidade tão rica transformou-se numa
cidade-fantasma e numa das mais pobres de toda a América Latina. Hoje
em dia, ainda existem minas activas e uma das maiores fica no Cerro
Rico, a 4600 metros de altitude. São 8h da manhã quando o bus nos apanha
no hostel e nos leva ao Cerro Rico. Óscar um ex-mineiro é o nosso
guia. Antes de entrarmos, vestimo-nos a rigor: capacete com luz,
fato-macaco e botas de borracha. Compramos tabaco, folhas de coca,
sumos, água e dinamite como oferendas aos mineiros. Sabemos que vamos
passar até ao 4º nível, a praticamente 300 metros abaixo da terra, onde
quase não há oxigénio.
Não gosto de espaços fechados nem
escuros, mas para isso aqui estou. Para ver outra realidade e enfrentar
este medo. Ao entrarmos no segundo nível temos que nos deitar no chão,
pois a passagem não passa dos 50 cm de diâmetro. Concentro-me tanto em
todas as manobras a serem executadas, as condições de segurança são
escassas e tudo é escorregadio e vejo buracos sem fundo por todo o lado.
Este processo é tão complexo que não há tempo para o sequer pensar no
medo. Ao mesmo tempo sinto adrenalina por querer saber como será lá em
baixo. Hoje é segunda-feira e disseram-nos que há muita gente a
trabalhar na mina. A passagem para o terceiro nível é mais perigosa e
dão-nos folhas de coca para aguentarmos a caminhada. O pó aumenta, a
temperatura está demasiado alta, começamos a suar, o oxigénio já começa a
ser cada vez menos, mas o que incomoda mais é o cheiro insuportável a
enxofre. Chegámos ao inferno. Estamos numa cova onde 4 mineiros
trabalham arduamente em tronco nu, onde os seus poros vertem água a cada
segundo que passa. Num processo manual aqui chegam os minerais dos
níveis abaixo vagão a vagão, cada um contendo duas toneladas de minerais
em bruto. E há que parti-los nesta pequena cova para passar para
os níveis acima. Somos 9 pessoas a contar com os mineiros, não há tubos
de ar, assim que cada um respira o oxigénio do outro e o espaço é
demasiado pequeno e perigoso.
Estou a transpirar demasiado
e tenho o coração a mil, tentando encontrar uma respiração moderada. O
pó que paira no ar é tão denso que mal nos podemos distinguir. O Óscar
passa-me uma pá para a mão e diz-me: “Trabalha! Ajuda! Há que dar dois
minutos de descanso a estes homens!“ Ele mesmo despe-se e começa a
ajudá-los.
Sei que não posso dizer que não e não quero
dizer que não porque quero ajudar, mas tento ganhar consciência da
tarefa que tenho pela frente e só consigo pensar onde vou arranjar a
força para o fazer. Enquanto carrego os minerais, ao meu lado reparo num
mineiro encostado, com o suor a queimar-lhe os olhos e pela primeira
vez vejo que respira fundo de descanso. Olho à minha volta, as condições
são desumanas, olho estes homens no fundo dos seus olhos e não consigo
sentir pena, senão respeito e admiração. Estamos todos os turistas a
trabalhar, enquanto os mineiros se limpam, bebem água e mascam mais
folhas, até ficarem com uma bola de coca tão grande que lhes chega a
deformar a cara.
O cansaço é tanto, que penso que não vou
aguentar mais. Mas Óscar diz-me que a saída está no nível abaixo e já
pouco falta para terminar. Mal baixamos e surpreendentemente sentimos
uma ligeira brisa de ar fresco. Aos poucos cada um já controla a
respiração ao seu ritmo. Aqui Óscar fala-nos da vida dos mineiros. Já o
pai dele era mineiro, assim como o seu avo e bisavô. E quando a próxima
geração nasce, o homem mineiro será. E não é como uma obrigação, senão
como que uma atitude de respeito para com os seus antecessores, e
também, porque hoje em dia não há muito mais que um homem possa fazer em
Potosi.
Estes homens dão o suor e o sangue para estarem 8 a 10 horas por dia, nestes pequenos buracos
que
se parecem com o inferno, ao saberem que não passarão dos 40 ou dos 50
anos de idade, e sem terem um salário fixo. O rendimento depende da
quantidade e da qualidade do mineral recolhido a cada dia. Já perto da
saída visitamos o “El Tio”- o santo padroeiro dos mineiros. Tem a figura
de um diabo e está rodeado de vários tipos de oferendas.
Quando
um mineiro entra na mina, Deus e os problemas ficam do lado de fora.
Aqui dentro só existe o companheirismo e o El Tio. Aqui dentro jamais se
diz “ Não se pode.” Os meus olhos enchem-se de lágrimas que não lutam
muito por sair e escorrem-me pela cara coberta de pó. Engolimos todos em
seco e temos o batimento cardíaco acelerado não desta vez pela falta de
oxigénio, senão pelo nó que temos na garganta. A visita chegou ao fim, e
eu queria mais. Queria entrar de novo e ficar a trabalhar com estes
homens. Mas às mulheres não lhes é permitido trabalhar nas minas. No
entanto, Potosi ficará para sempre guardado no meu peito.
Bolívia,
mostraste-me o que de melhor tens em ti. Santos, o guia mais
profissional, alegre e companheiro do Salar de Uyuni. Eduardo um
ex-mineiro dono do hostel Koala Den em Potosi. O melhor anfitrião que em
pouco depois de chegarmos já estávamos com a sua família a beber e a
comer do bom e do melhor. Dançámos as melhores “morenadas” bolivianas
horas sem fim, com o mesmo copo de whisky a rodar entre todos. Óscar o
melhor guia das minas de Potosi, que espero que siga com a paixão das
minas a correr-lhe pelas veias. Depois de me mostrares a tua melhor
gente. Depois de um Sudoeste repleto de paisagens incríveis, áridas,
rudes, de cores que só vemos em arco-íris, de ver o nascer do Sol no
maior deserto de sal do mundo com uma extensão de 18 mil kms, mostras-me
um mundo de pó, de condições desumanas,
de temperaturas extremas,
de homens dignos, respeituosos e companheiros, mostras-me um inferno
onde jamais pensei que pudesse existir tanta vida e tanta esperança.
E
em ti Bolívia, encontrei mais uma das minhas paixões assolapadas que
tanto me fazem sentir viva. Gosto de ti e não sei porque. Mas julgo que é
sempre assim. Talvez é essa tua timidez e esses olhos verdes, azuis,
cinzentos, que mesmo depois de tanto prenderem no meu olhar não percebo
de que cor são. E também tu te apaixonaste seriamente por mim.
Caros amigos e leitores: o meu tempo no Peru está a chegar ao fim. Assim diz o meu coração.
Quero
voltar a pisar as minhas pedras da calçada, a voltar a sentir o cheiro a
sardinha assada, ouvir o eléctrico a passar e a ver as ruas da minha
Lisboa cheias de cores dos Santos Populares. Quero voltar a pedir ao Sr.
Ulisses da Bijou do Calhariz : “Uma meia de leite e sandes mista no
pão da casa, se faz favor. “Quero voltar a olhar nos olhos dos meus
amigos e rir e sorrir com eles. Quero voltar a dançar kizomba e kuduro
no calor da minha família de que tantas saudades tenho. Quero beber
minis na Bica e dançar no Cais do Sodré. Quero conhecer melhor a França,
Espanha e Holanda. Quero trabalhar nesses campos maravilhosos a apanhar
fruta e conhecer novas gentes. Quero fazer o caminho de Santiago. Quero
passear pelos jardins de Londres e perder-me nas livrarias da Charing
Cross Road. Quero caminhar tranquilamente pelas ramblas de Barcelona e
que me cresça água na boca na “La Boqueria”.
E se até lá
eu não te esquecer e tu não te esqueceres de mim, quero pisar esse
branco das montanhas no coração da Europa onde vives, meter-te no meu
carro, levar-te a conhecer a minha tão querida Costa Vicentina e
perdermo-nos nas suas dunas, como diz a música dos GNR.
No
entanto, sei que assim que pisar esse lado, vou morrer de saudades
deste lindo continente que me faz tão feliz. E por essa mesma razão eu
vou voltar. Europa: quero desbundar agora nas tuas terras, quero reviver
tudo isto, porque sei que tão cedo não irei regressar. Estas gentes,
estas culturas, estas cores, estes caminhos, estas paisagens, estas
vidas, estas lutas, estas comidas, estas danças, estes cheiros, estes
mares, estas montanhas, estes segredos, estas crianças, estas caras,
estas peles, estes olhos tão escuros cheios de tanta história, isto sou
eu que tanto procurei e que finalmente encontrei.
Mais uma vez América Latina: Viajo porque preciso, Volto porque te amo, porque por agora
não consigo viver sem ti.
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Ligações
http://www.boliviahostels.com/Hostal_Koala_Den-Potosi_713-es.html
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* Originalmente publicado a 1 de Dezembro de 2011, na Le Cool Lisboa * 316
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