NunoT iniciou os estudos de música aos 6 anos, compõe desde os 17, e pelo caminho licenciou-se em Economia em Lisboa. Em 2011 criou a marca Sounds Real com a qual edita produções musicais para Video, TV, Teatro, Radio e Web Blogging. Com a música faz de tudo um pouco, desde crónicas políticas em VaiUmaGasosa.com, a bandas sonoras que passaram já pelo Fantasporto e a Experimenta Design. Quando não faz música, escreve sobre ela, em LeCool.com e DIF. E quando não faz nem escreve sobre música, sai de casa e vai ouvi-la pelas ruas da cidade.
Fala-me de ti e não me omitas nada.
Bem,
antes de mais e talvez melhor para começar, importa saberes (se é que
não sabes já) da minha incapacidade crónica para a síntese. Escrevo
demais. E quando me pega o entusiasmo também falo demais, mas o prato
forte é mesmo o escrito. Mais a mais, desde que comecei a escrever mais
com as teclas do que com o papel.
Com o andar dos tempos desabituei-me
(como muitos de nós) a escrever empunhando esse utensílio medieval,
muito utilizado ao longo de séculos para a transmissão escrita de
mensagens e, vulgarmente denominado de lápis, sobre uma folha de papel. É
raro aliás, fazê-lo. Hoje em dia já só mesmo para um recadito caseiro
ou isso. Tipo um post-it colado na maçaneta de saída de casa com escrito
"falta cerveja!".
Ora estamos para aí no meio dos anos
90. Os Madredeus entravam no tempo das canções românticas melosas. Os
resquícios da resistência do Rock Nacional com projectos como a própria
Resistência ou os Filhos da Madrugada, já eram ecos perdidos no ar e no
tempo. Os Cool Hipnoise aparecem. O Abrunhosa já é - e passo a citar -
"o Rei do Universo da música popular portuguesa colada com uma banda
super funk para parecer que eu sou o 'máiore' ao ponto de me poderem
confundir com o Rei do Universo". Até já temos uma banda de hip hop
portuguesa (Black Company) a aparecer nas "festas de aniversário" de
Sábado à noite do Herman, e tudo! Ora aí está, tem tudo a ver. É que o
funk nesta altura está a ressuscitar sob estas várias formas e até aqui
em Portugal manifestado por alguns como estes artistas, por causa de um
novo impulso musical a nível mundial que desse próprio funk deriva, a
electrónica.
A música electrónica começava a tornar-se um
fenómeno da democracia artística. Se hoje em dia qualquer um de nós pode
em casa gravar um disco inteiro de uma banda de rock por exemplo, no
mundo da música electrónica isso já é possível há quase 20 anos. Brotam
movimentos, estilos e géneros musicais como cogumelos pelo mundo fora e
com particular surpresa na Europa. Surgem os derivados e derivados dos
derivados, como o trip-hop, o downtempo, a minimal, o tech-house, e toda
uma corrente experimental erudita. Estas e muito mais juntam-se a toda
uma outra infinidade de movimentos que crescia já há anos deste o final
dos 70s, como o house e a techno. Ora essa é a mesma electrónica,
exactamente o mesmo passo de progresso tecnológico, que traz até minha
casa o primeiro computador. E é aí que eu me apaixono por uma coisa que
se chamava Times New Roman e era a font template do word nos anos 90.
Sim senhor, ainda antes do Arial, foi a TNR. A primeira vez que imprimi
uma minha carta escrita em Times New Roma, acho que me escorreram
lágrimas pelo rosto. Era o fim dos "quando é que aprendes a escrever com
uma letra que não pareçam esses "aereoglifus" (termo que eu durante
muitos anos eu não soube escrever e que pensava ser uma invenção
coletiva para dar um nome semi-descritivo à minha caligrafia). Era o fim
do "sonho por uma letra mais jeitosinha"!
Graças às
minhas aulas de piano que seguia desde os 10 anos de idade, creio, cedo
consegui passar a escrever mais rapidamente no teclado que com lápis e
papel. Agora resolvido o problema da caligrafia, espero nalguma
sucessiva revolução tecnológica que me resolva o problema da
incapacidade de síntese. Tipo uma aplicação em que carrego para lá tudo o
que escrevo e sai cá para fora já a versão sintética. É que é um
problema sério. Comecei a preocupar-me mais agora, desde que
recentemente as bandas começaram a devolver-me as entrevistas para a
Lecool sem respostas, porque "tinham perguntas a mais, e não têm tempo
para responder a tudo". É um síndrome real, e está devidamente estudado e
documentado pela internet fora. Seja como for a culpa é tua. Tu é que
pediste para te contar tudo sem omissões. E mesmo assim, estou a omitir
muuuuita coisa.
Mas vamos lá ao que interessa então. É para a entrevista, correto? Bora lá a isso.
Além da tua brilhante prestação na Le Cool, que outras andanças me contas?
Bem, estudei numa escola, onde aprendi digamos o básico e essencial para me fazer um
"homenzinho". O que não foi talvez igual a praticamente toda a
gente, é que ao mesmo tempo fui estudando música desde que tenho
memória, sem nunca mais parar. Comecei com 4
anos na infantil da minha escola, e continuei pela primária, liceu e
secundário todo. Ao início eram as palminhas e
cantinguinhas, depois passou para o solfejo, a
história da música, mais tarde as aulas de coro e o Piano, enquanto
começava a tocar com amigos em bandas de hard rock, que era ali um meio
caminho digno entre os meninos do
coro, que não queríamos ser mas éramos, e uns gadelhudos do heavy
metal, que queríamos ser mas não podíamos, pelo menos enquanto não nos
deixassem andar de cabelo comprido no coro da escola. Nos entretanto
chegara ao patamar de "homenzinho", e era altura de começar a
"pensar na vida"… e escolher um curso para tirar. Saiu-me
Economia na rifa. E enquanto me licenciava, continuava a música em
paralelo, agora perdendo-me nos maravilhosos e admiráveis
mundos das técnicas da composição.
Atenção, breve
parêntesis para uma ligação espaço-temporal! É aqui que aparece o tal
computador que imprimia na lindíssima Times New Roman.
E
assim passava os meus tempos entretido entre teoremas da economia neo
clássica, arranjos para conjuntos de câmara na escola de música (ainda
com lápis e papel pautado), as bandas de hard rock que entretanto
derivavam cada vez mais em funk e as festas da Tuna. Eis se não quando, a
Licenciatura chega ao fim. Sou apanhado assim de surpresa, e sem
perceber bem como, encontro-me de repente a viver uma aventura
profissional no
estrangeiro na área da Consultadoria que começou por prognosticar-se de
um ano e viria a transformar-se em oito.
Calma! Respirai
fundo. Relaaaaaaaaaaax. Eu não vou contar esses oito anos todos. Basta
referir que quando me pus em aventuras pelo mundo fora as coisas eram
diferentes. Eu agora já tinha um computador. Que para além de imprimir
em formas esbeltas de uma Times New Roman, também fazia música. Lá está,
eram os anos em que a tecnologia começava a dar passos de gigante num
piscar de olhos. E assim, enquanto começava nalguns bares a passar a
música que eu próprio consumia vorazmente, escrevia sobre ela em
publicações mistas entre o papel do passado, e o ecrã do futuro -
aliás, uma das primeiras foi mesmo a entretanto extinta Le Cool Milano
-, compunha agora fora das pautas em papel num velho software de
notação que já não existe e o nome me foge. Até ter descoberto o Cubase
e aí se abriram portões gigantes para o mundo das possibilidades sonoras
em minha casa. Anos mais tarde, voltei às aulas para aprender o
outro lado do som e descobrir as técnicas e ferramentas do estúdio, esse
outro lado da produção musical para lá da pauta.
E desde então
convenci-me oficial e definitivamente que a minha vida seria dividida
entre a música e o que quer que mais fosse preciso.
Ou seja resumidamente
(se é que o termo existe), tenho dividido
a minha vida praticamente desde sempre entre a música (sob várias formas
e feitios) e as minhas competências formativas na área da economia
e da gestão. E tenho sido bastante feliz assim.
Nos
últimos dois anos tenho editados alguns dos meus trabalhos profissionais
e de autor com a minha marca Sounds Real (curiosos é ir aqui: http://facebook.com/SoundsRealProductions)
Já
percebi também que és o segundo maior fã de Lisboa - o primeiro sou eu,
claro. Como te aconteceu isto? É como ser de um clube, os teus pais
ofereceram-te um cartão de sócio de Lisboa no berço?
Sim,
é isso. Absoluta e invariavelmente isso. Foi o que aprendi nesses tais
oito anos fora. Lisboa não é uma cidade maravilhosa, é simplesmente
fantástica, espetacular e única. Lisboa é A Cidade… para mim. Isto foi o
que descobri vivendo tanto tempo noutra cidade. Qualquer cidade, vila,
aldeia, terrinha ou canto perdido do mundo onde nós tenhamos nascido e
crescido exercerá sempre um poder mágico de atração sobre nós. Portanto é
isso, os meus pais devem-me ter logo carimbado à nascença, como se faz,
presumo a todas as crianças, não é? E eu fiquei portanto com Lisboa
cravada na pele. Atenção, não é tatuada "Lisboa, Amor de mãe 77". Nada
disso, é cravada mesmo com relevo. Ainda tenho a cicatriz!
Sugere-me
aí um destino paradisíaco dentro de Lisboa. E um que ninguém mais
saberá, mas que deixa segredo a partir do momento em que o partilhes.
Bem,
este é segredo e continuará a sê-lo mesmo depois de revelado, pois
situa-se não só no espaço, mas também no tempo. Eu vivia para os lados
do Lumiar que é uma zona de Lisboa que muita gente não conhece. E é
natural porque esta, tal como algumas outras zonas desta linda cidade,
têm pouco de especial.
Mas lá está, até um descampado em
terra batida onde jogamos à bola enquanto crescemos, ou um edifico
abandonado no lado de lá da cidade palco de imaginária aventuras à
exploração do desconhecido no universo das naves espaciais e
extraterrestres, são cantos mágicos das nossas terras. Mas havia um em
especial que era de facto paradisíaco. Ou pelo menos era-o quando a
nossa mãe nos levava a mim e ao meu irmão por vezes à tarde ao sábado ou
domingo a passear e brincar um bocadinho enquanto lia os seus livros e
revistas. Era no jardim do Museu do Traje ali no início da estrada do
Desvio para o Paço do Lumiar.
Geralmente o dia começava
com chegada cedo ao museu onde víamos, mesmo que repetidamente, as peças
de vestuário antigas e hábitos do passado. Eufóricamente eu e o meu
irmão reservávamos mentalmente as roupas que iríamos ter imaginariamente
vestidos nas nossas próximas aventuras nas descobertas do mar ou do
espaço. Foi um canto paradisíaco entre os meus 4 e 10 anos de idade para
aí… Mas enfim, é um sítio do meu passado. Hoje não faço ideia como
esteja, e nem posso saber, pois não posso lá voltar. Se o fizer, esse
meu segredo desaparece e depois nem vocês nem eu o conheceremos.
Se não estivesses a responder a isto, estarias a correr a Le Cool, não era?
Depende
do timing. Se for quinta-feira estou provavelmente a correr
literalmente na Le Cool as palavras da Inês, do Lino, do Rafa, da Célia,
da outra Inês, do Francisco, da Sónia, da Margarida… (Bem, se meter um
bocadinho de sotaque coimbrão nisto, até pareço o Bruno Aleixo a elencar
os amigos com quem vai passar a noite de fim-de-ano.) Agora neste
momento estava mesmo a ouvir uma compilação de vários álbuns do Charles
Mingus.
Aliás, para aquele ser humano munido por uma
capacidade sobrenatural de resistência e paciência e consiga ler estas
entrevista em jeito de "síntese biográfica" na íntegra, sugiro que se
faça acompanhar pelos seguintes discos "Blues & Roots", "Mingus Ah
Um" e "Mingus Dinasty". E pus-me entretanto a responder extensamente ao
teu breve questionário. Mas podia perfeitamente estar a jantar em casa
uma "buonissima pasta al pesto", ou podia até estar a tomar um copo com
um amigo a ver o Outjazz, ou até mesmo estar agarrado ao teclado do
piano a terminar algum arranjo dedicado à minha namorada, ou até mesmo
no sofá sentado a ver o 5 para a meia-noite. Dependia um bocadinho da
hora, mas calhou ser um momento biográfico Le Cool acompanhado de
Charles Mingus. Há coisas que acontecem, assim inesperadamente...
E agora, imagina. Hoje queres que seja o teu dia perfeito nesta cidade - traça-me lá em linhas gerais o que farias.
Olha,
não vais acreditar nisto, mas ao fim de 35 anos descobri uma coisa
sobre Lisboa. Adoro passear nela, mas mesmo em toda ela.
Dou
constantemente por mim a admirar ruas absolutamente comuns no meio de
Carnide, cantinhos pitorescos e caraterísticos na velha Alfama, os
ambientes animados das zonas boémias da cidade, o trânsito nas "velhas
avenidas novas". Todo e qualquer canto desta cidade me faz sentir bem, e
isso lá está deve-se provavelmente a esse tal efeito magnético que o
espaço onde nascemos e crescemos os primeiros tempos da nossa vida,
exerce em nós. Esta é a cidade que adoro omnipresentemente. E por um dia
perfeito, como vários que já fiz do género, passa-se lindamente a
viajar aleatoriamente de autocarro (às vezes também a pé) pela cidade
fora com uns headphones colados o tempo todo nas orelhas, e um alto som
para me acompanhar em mais uma "Lisboa fora".
Obrigado, entretanto, Lecool, por me ajudares a descobrir tanta música nova nestes últimos anos.
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Exclusivo para os leitores da Le Cool
Três edições da Sounds Real em download exclusivo para os leitores da Le Cool:
1) “Rabos Cheios de Cocó” Retro Swing Mix de um tema de Pedro Markl, para a Radio Comercial / Caderneta de Cromos, 2012
http://emailunlock.com/soundsrealproductions/rabos-cheios
2) “The Final Homage – Michael Jackson 'mashup'”, homenagem ao maior entre os maiores, para VaiUmaGasosa.blogspot.com, 2009
http://emailunlock.com/soundsrealproductions/michael-jackson-mashup
3) “Portugal Legislativo”, interpretação sonora da política nacional, para VaiUmaGasosa.blogspot.com, 2011
http://emailunlock.com/soundsrealproductions/portugal-legislativo
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Enlaces
http://facebook.com/SoundsRealProductions
http://soundcloud.com/soundsrealproductions
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