Le Entrevista a Clélia Bettini por Pedro Alfacinha

A  8 ½ Festa da Cinema Italiano é organizada pela Associação Il Sorpasso e regressa a Lisboa de 21 a 28 de março para celebrar a sua 6ª edição, que balanço é possível fazer nesta altura?

No início era um projeto de pequenas dimensões alicerçado na vontade de fazermos algo de diferente em relação aos festivais que existiam na altura. Sempre acreditámos que íamos crescer e que o festival ia tornar-se cada vez mais abrangente e diversificado. Os objetivos mantêm-se, que é o de trazer para Portugal o melhor do cinema italiano contemporâneo, mas sempre com um olhar muito atento no passado, nas obras que marcaram a historia do cinema em Itália.
 

No entanto esta caminhada rumo ao sucesso só foi possível devido ao facto de acreditarem no vosso projeto.

Foi de extrema importância o apoio da Embaixada de Itália em Portugal e do Instituto Italiano de Cultura assim como todos os nossos patrocinadores e parceiros e aceitação e o carinho que temos recebido do público português, pois sem eles não tínhamos conseguido chegar a bom porto.

Por falar em mares nunca dantes navegados, nesta edição vão ainda mais além e, para além de irem para novas cidades, arriscam em novos continentes...


Sim, estamos muito contentes com esse facto. Para além das habituais sessões em Lisboa, Coimbra, Porto e Funchal vamos partir em direção ao Sul. Vamos estar no Algarve, em Loulé, de 19 a 21 abril, para depois rumarmos a Luanda, Angola. Vai ser uma aventura africana e será sem dúvida surpreendente e enriquecedora. Posso adiantar que vamos estar em Luanda de 6 a 9 junho.

Olhando para os cartazes e para o spot de divulgação desta 6ª edição, podemos perceber que há uma mudança na imagem do festival.

A inovação é a nossa constante. Este ano apresentamos uma nova imagem inspirada no cinema di genere italiano. Trata-se de todo aquele universo de filmes chamados B, produzidos em Itália, cuja importância tem vindo a ser reconhecida internacionalmente ao longo da última década.

Produções com meios muito reduzidos, industriais, onde se reaproveitam cenários, personagens, atores, guiões. O cinema di genere foi muitas vezes acusado injustamente de superficialidade, vítima de uma legítima mas maioritária visão da arte que não deixa espaço ao entretenimento. Muitos dos filmes que vamos apresentar tornaram-se verdadeiros filmes de culto e conseguiram ultrapassar o estigma que lhes tinha sido atribuído.

E como homenagem a este tipo de filmes vão apresentar um ciclo retrospetivo, a que deram o nome "Mani in Alto!", vamos sair vivos destas sessões?
 

É um dos grandes destaques da programação. A retrospetiva deste ano é dedicada aos chamados B movies e vamos apresentar duas categorias que se inserem nesta classificação: o "poliziottesco" e o "western-spaghetti". Este primeiro é uma peculiar evolução do género policial, que se afirma com características muito próprias nos anos 70.

 

Vamos mostrar verdadeiras pérolas do género como "Milano Calibro 9", de Fernando di Leo. Considerado pelo realizador Tarantino como um dos melhores filmes noir italianos de sempre vai ter as honras de abrir este ciclo. Paralelamente apresentaremos outro tipo de cinema di genere, o western-spaghetti. Uma América reinventada nos estúdios italianos, pistoleiros com o gatilho fácil, muito sangue e muita ironia. Este ciclo foi organizado em colaboração com a Nocturno Magazine, primeira publicação dedicada ao cinema di genere em Itália.

Que outras novidades esperam o público que vai assistir à Festa do Cinema Italiano?

Esta edição é marcada pela passagem para as salas do Cinema S. Jorge, um dos cinemas portugueses mais antigos, que transporta consigo uma história ligada ao cinema e à própria cidade. Estamos muito contentes com este facto e só foi possível graças à parceria com a EGEAC. O cinema da Avenida da Liberdade vai ser a nossa "casa" juntamente com o Teatro do Bairro, espaço com o qual a Associação Il Sorpasso tem vindo a colaborar desde o fim do ano passado ao organizar os Cine-aperitivos aos domingos num evento que chamámos "Domenica Al Cinema".

 

T
ambém gostaria de referir uma novidade na estrutura da programação que é o lançamento da secção Altre Visione, composta por obras que refletem uma abordagem singular à linguagem cinematográfica. Nesta secção gostaria de chamar a atenção para o filme "La Leggenda di Kaspar Hauser" (2012), de Davide Manuli. Um experiência sensorial única. O autor leva-nos numa viagem surreal e hipnótica graças ao intenso ritmo da música techno e cativante fotografia a preto e branco. Vicente Gallo protagonista absoluto num duplo papel.

Como tem acontecido nas outras edições vão estar presentes os realizadores de algumas das obras que vão apresentar, quais gostarias de destacar?


A Festa contará com a presença de cinco convidados internacionais, entre ele, Alessio di Zio, um jovem realizadororiginário da província de Caserta que em pouco tempo foi considerado com uma das mais belas surpresas do cinema italiano. O cineasta estará em Lisboa entre 26 e 28 de março para apresentar três das suas obras: duas curta-metragens ("La Famiglia dell'orco" e "Appunti per un film su Rodolfo Valentino") e a sua mais recente e já premiada longa-metragem ("Le Favole di Casimiro"). Quem nos vai prestigiar com a sua presença é o realizador Marco Tullio Giordana, conhecido do público pelo seu filme "A Melhor Juventude" (2003), na sessão de abertura dia 21 março às 21h30 para apresentar o seu filme "Romanzo di una strage". Estarão ainda presentes Paolo Genovese, o realizador de "Una Famiglia Perfetta" e Salvatore Mereu, realizador de "Bellas Mariposas".

Em relação ao filme da sessão de abertura "Romanzo di una strage", é possível desvendar um pouco do que trata?

A palavra "strage" significa massacre em português, é um tipo de crime muito específico. Empolgante filme sobre o massacre de Piazza Fontana em Milão, episódio que abre “os anos de chumbo” italianos. Um dos episódios mais sangrentos da recente história italiana e ainda hoje continua a ser um dos maiores mistérios do século XX italiano, nunca foi reivindicado por nenhum grupo ou organização. Foi o responsável pelo acicatar de tensões no confronto político quer na extrema direita quer na extrema esquerda na Itália da altura. O realizador decidiu rodar este filme pois viveu na primeira pessoa os factos ocorridos por ser de Milão e pertencer à geração do maio de 68.

Em relação aos filmes que vão estar a concorrer pelo Prémio do Público e pelo Prémio do Júri fazendo parte da secção Competitiva quais os destaques?

Sete novos filmes, primeiras ou segundas obras, de autores italianos concorrem ao prémio de melhor filme em competição. Esta secção promove a descoberta dos registos mais proeminentes do novo cinema italiano e de obras que se destacam pela inovação a nível de conteúdo e de linguagem. Merece especial atenção "Bellas Mariposas", de Salvatore Mereu, filme que tem vindo a atrair a atenção do público e da crítica internacional. Um dia na vida de Cate e Luna, contado por uma das protagonistas desta história suspensa entre o sonho e a realidade que se passa na periferia de Cagliari (Sardenha). Outro filme em destaque é "Gli Equilibristi", de Ivano de Matteo. As consequências de uma separação podem ultrapassar os limites de qualquer previsão. Giulio acaba por cair no abismo porque o seu próprio orgulho impede-o de ter qualquer rede de segurança. Filme tocante e irónico sobre a crise social e ética que atingiu a Itália. O mesmo amparo que falta com a morte dos pais aos jovens protagonistas de "Il Futuro" de Alicia Scherson, baseado num conto do escritor chileno Roberto Bolaño. Para eles a vida adulta chega sem pedir licença, sórdida e cruel.

Uma outra secção que é do agrado do público é a Panorama, onde são apresentadas uma seleção de longas-metragens produzidas ao longo do último ano, que filmes marcaram o cinema italiano?

Dos vários filmes que foram produzidos o ano passado escolhemos seis devido à sua qualidade e originalidade artística. Gostaria de destacar dois filmes que têm em comum o facto de abordarem a crise da família, pilar de qualquer sociedade e a italiana não é exceção. Encontramos a solidão de Leone na comédia "Una Famiglia Perfetta" de Paolo Genovese, que contrata uma inteira companhia de teatro para representar a família que nunca teve. Em paralelo está o cinismo tragicómico de "È stato il figlio", de Daniele Ciprì, onde a sobrevivência da família torna-se o castigo para os membros mais fracos. Também nesta secção está inserido o filme da sessão de encerramento do festival, "La Migliore Offerta", de Giuseppe Tornatore, conhecido do público pelo filme "Cinema Paradiso" e "Malena". O realizador coloca uma controversa questão: onde reside o limite entre o autêntico e o falso? Com uma prestação brilhante do magnífico Geoffrey Rush e que conta com Ennio Morricone como responsável pela banda sonora.

Mas nem só de cinema contemporâneo é feito este festival, também é importante ver e rever os clássicos.

Sim, o filme  8 ½ de Federico Fellini comemora este ano 50 anos desde a sua estreia comercial e a Festa que se apropriou do nome, não podia deixar de prestar uma merecida homenagem à obra e ao seu autor. 


Fellini não se relata, vê-se. E cada vez que vemos este filme é uma experiência nova e surpreendente . É porventura a obra mais sofrida do realizador italiano, onde ousa mais porque julga que não tem nada a perder, oferecendo ao seu público algo que mudou para sempre a história do Cinema. Outro filme que também comemora o seu cinquentenário é o filme "Il Gattopardo", de Luchino Visconti e vai ser apresentado numa sessão única no Cinema São Jorge no próximo domingo às 17h15 numa cópia digital restaurada pela Cineteca di Bologna . Do mesmo realizador o público vai ter a oportunidade de ver ou rever "Morte em Veneza" numa sessão especial dia 27 às 21h no Hotel Tivoli Avenida.

Um evento que sei que estás a organizar e que vais estar como moderadora da mesa, é um encontro/debate com a presença de vários convidados italianos e portugueses.

Sim, decidimos organizar uma conversa dedicada à tradução para cinema, tema que nos parece de grande interesse, uma vez que Itália e Portugal fizeram uma escolha diferente. Em Itália é prática corrente realizar a dobragem da maior parte dos filmes estrangeiros que estreiam nas salas. Existe uma tradição muito antiga e consolidada de dobragem fílmica, realizada por atores profissionais que são especialistas nesta difícil mas importantíssima tarefa. Ao contrário em Portugal preferiu-se sempre optar pela legendagem. Convidámos os protagonistas, italianos e portugueses, tradutores de legendas e dobradores, para debatermos juntos o problema e para chegarmos ao âmago da questão. O debate vai de certeza aquecer o início de tarde de sábado pelas 15h30 no Cinema São Jorge.

Para além deste evento que outras sessões especiais destacarias?

No domingo é exibido às 15h15 o documentário "Benfica – Torino 3 e 4", de Andrea Ragusa e Nuno Figueiredo, que retrata o acidente de avião de 1949 que retirou a vida à equipa do Grande Torino, presente em Portugal para participar num jogo amigável com o clube lisboeta. Vários jogadores do Benfica vão estar presentes nesta sessão. Outro evento
se repete em relação à edição anterior é o Cine-Jantar no Mercado de Santa Clara, organizado em conjunto com a Associação Idade dos Sabores - Centro das Artes Culinárias, em que vai ser preparada uma ementa especial baseada no filme "Miseria e Nobiltà", de Mario Mattoli. Vai ser no domingo pelas 19h30 e é necessário fazer reserva. Contamos que seja um enorme sucesso à semelhança do ano anterior.

A Festa do Cinema Italiano já não existe sem Dopo Le 8 ½,  a programação que leva a Festa ainda mais além e transforma salas de cinema e locais inesperados da cidade em verdadeiros eventos all'italiana, que iniciativas estão preparadas?

Todos os dias a partir de sexta, pelas 19h30, o Cinema São Jorge transforma-se na casa da gastronomia italiana em Lisboa. O aperitivo é um momento social fortemente enraizado na cultura italiana, a 8 ½ dá oportunidade ao seu público de partilhar um pouco desta experiência de convívio all’italiana. O Cine-Aperitivo é válido para todos os portadores de bilhetes para as sessões entre as 19h e as 21h. Todos os dias é oferecido um petisco diferente, cortesia do Restaurante Pizzas Baldracca. Nas noites de sexta, 22 e sábado, 23 a partir das 22h30 o Teatro do Bairro é o palco das Mani in Alto! After Parties. Na sexta a festa fica a cargo do Dj Lucky e no sábado do Dj Junqueira. A entrada é livre. No dia 23 às 12h, a Embaixada Lomográfica promove um workshop de Lomokino inspirado nos filmes policiais italianos dos anos 70. Os resultados são divulgados no dia 28 de março, às 21h30, no Cinema São Jorge.A 8 ½ só podia acabar em festa na quinta-feira, dia 28 pela 00h30 com a festa de encerramento no Ritz Clube com o concerto dos Calibro 35. Um projeto que revisita bandas sonoras dos filmes policiais dos anos 60 e 70, a partir da fusão de diferentes sonoridades.

Para terminar gostava que deixasses uma mensagem ao vosso público.


Espero que venham assistir com interesse à nossa programação, que usufruam ao máximo de todos os eventos que preparámos e que se unam a nós na partilha desta paixão que é o Cinema.


Foto de Joana Linda

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