Le Entrevista a Maria Xavier por Pedro Alfacinha

Entrevista com Maria Xavier (MX), Coordenadora da Programação da Mostra de Cinema da América Latina

Nesta 3ª edição a Mostra de Cinema da América Latina surge com uma imagem diferente, qual o motivo?

Surge por uma vontade de mudança, de renovação. Na 1ª edição tivemos uma imagem, na 2ª outra e com esta é que pretendemos marcar a identidade desta mostra. Nós procuramos associar as características da América Latina que são transversais aos vários países, que remetem por um lado à natureza mas também a raízes no sentido das várias heranças culturais e também a qualquer coisa mais fresca, mais solar, mais esperançosa. Há muito ainda a aprender com esta região do mundo que tem passado por tantas coisas e esta mostra tem em si um sentido de esperança.

Mudar de caminho, numa altura em que os países europeus passam por uma grave crise financeira mas também de valores.



É isso mesmo, nestas histórias todas se formos pensar podemos tirar lições de como superar dificuldades, como encontrar caminhos.

Qual a importância de organizar um evento como este numa altura em que se fala bastante do papel da cultura numa sociedade?

A Casa da América Latina é uma associação que tem como missão promover o conhecimento e a aproximação a vários níveis entre Portugal e os países da América Latina. Fazemos isso através da cultura porque é um património comum, uma via humana para chegar ao outro e compreendê-lo na sua totalidade. E depois também pela via económica e empresarial como forma de encontrar uma solução para as dificuldades que enfrentamos todos os dias. Temos como parceiros não só as Embaixadas mas também as Empresas. O cinema claro que é estratégico, nós temos a literatura, estamos com o CCB a fazer a Festa da Poesia e estamos muito atentos no domínio universitário e académico onde realizamos várias iniciativas, entre as quais o Curso de Verão no ISCTE durante uma semana.

Temos realizado grandes exposições pelo menos uma vez por ano. A mostra de cinema do ponto de vista financeiro é um esforço e é um projeto que não queremos que corra o risco de acabar. Tem sido gratificante os apoios que temos conseguido ao nível da legendagem, das traduções e muitos outros que não são conhecidos do público. De salientar o apoio da Egeac que continua a privilegiar a programação da América Latina como região importante para dar a conhecer em Lisboa. Através do cinema conseguimos chegar a muitos públicos diferentes.

Estamos a falar nesta mostra de 10 longas-metragens, o que é a maior ao longo destas três últimas edições. Apesar de amplamente
premiadas a maior parte destes filmes não vão passar no circuito comercial.

Nenhum destes filmes entrou e penso que não vai entrar. Um dos grandes objetivos desta mostra é dar aos distribuidores nacionais e ao meio cinematográfico nacional a oportunidade de verem os filmes. São apresentações únicas por isso daí a importância.

Que caminho é que é preciso fazer ainda na divulgação do cinema da América Latina em Portugal e vice-versa?

Se falarmos no espaço ibero-americano, incluindo a Espanha, já existem muitas coproduções e o próprio cinema da América Latina tem tido um parceiro europeu e Portugal tem sido um parceiro, apesar de em menor escala.

Em relação à recente cinematografia latino-americana que novas realidades estão a ser focadas?

Apesar de não ser crítica de cinema, diria que é um cinema mais virado para o interior dos personagens, um cinema mais introspectivo e psicológico ao contrário dum cinema que pretendia fazer a denúncia de determinados acontecimentos. Surgem temas universais como as relações familiares, pais e filhos.

Pode-se dizer que existe um fio condutor que atravessa esta mostra?

Eu diria que existem conjuntos de fios condutores, eu agruparia por grandes temas. Começamos com um filme cubano “Habanastation”, é um filme leve que mostra Cuba através do olhar dum jovem. Retrata as desigualdades e o acesso ao consumo e faz-nos pensar como há coisas mais importantes como a amizade, as próprias brincadeiras de infância. Há alguns filmes que abordam questões da memória, dos traumas do continente onde está muito presente o elemento social, histórico e político que é o caso do filme equatoriano “Abuelos” de Carla Valencia D’Ávila, do filme argentino que encerra esta mostra “Verdades verdaderas, la vida de Estela, do filme brasileiro “Hoje” de Tata Amaral e, numa abordagem mais histórica, o filme argentino “Juan y Eva” da Paula de Luque e o “Bosch: Presidente en la frontera imperial”, que é um filme dominicano.

Depois noutro grupo ligado mais à violência, dum contexto urbano, duma comunidade pobre e marginalizada como acontece na Venezuela e nas favelas do Rio de Janeiro está o filme venezuelano “Hermano” de Marcel Rasquín e o filme brasileiro “Flordelis, basta uma palavra para mudar” de Marco Antônio Ferraz.

Falou no filme argentino “Juan y Eva”, o que é que ainda nos pode surpreender nesta história de amor?

É uma história de amor que ninguém conhece e que a própria Paula de Luque tentou imaginar o que teria sido porque não se sabe, é uma ficção. É uma história criada pela imaginação da realizadora argentina. Quem não conhece a história da Argentina é um filme interessante, vai aprender muito sobre a história do país.

Falou igualmente dum documentário da República Dominicana, porque foi escolhido este filme?

Primeiro porque um dos critérios é dar a oportunidade aos vários países, sendo que é difícil numa mesma edição fazer com todos. É um filme cujo realizador René Fortunato é o mais velho, mais experiente, mais maduro que fez filmes que marcaram o cinema dominicano por isso achámos que era importante mostrar este realizador e um país do qual se sabe muito pouco mas que tem uma riqueza cultural ímpar.

Outro filme em destaque é o filme brasileiro “Hoje” em que o espaço onde decorre a ação, neste caso um apartamento, é ele próprio um personagem.

Uma das características desta mostra é termos 7 realizadores jovens e que apresentam as suas primeiras obras, entre eles uma mulher. Dos três realizadores mais maduros, além do realizador dominicano atrás referido é a Tata Amaral que é célebre no Brasil e este é o seu filme mais recente, estando já em produção outro filme. É um filme muito atual que fala sobre a ditadura e dos vários desaparecidos na época. É bastante teatral e tem como principal interesse a interpretação de uma atriz brasileira e dum ator uruguaio.

Um filme que traz consigo o reconhecimento de vários prémios é o filme venezuelano “Hermano”, o que o distingue dos outros?

Primeiro o facto de ter sido selecionado para representar a Venezuela como candidato ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro e depois o facto de ser a primeira longa-metragem do jovem realizador venezuelano. É um filme um pouco mais mainstream, muito na linha do filme “Linha de Passe” de Walter Salles, a perseguição dum sonho mas sempre presente uma grande carga de violência.

Na área do documentário referência para o filme “Flordelis, basta uma palavra para mudar”, o que tem de tão marcante?

É um filme que reflete bem o que pode ser a sociedade civil, a mobilização da mesma, daquilo que nos pode fazer pensar enquanto portugueses e europeus, no sentido dessa ajuda, da capacidade de não estarmos à espera do estado e de agirmos. É um documentário biográfico sobre a história desta mulher que vive numa favela do Rio de Janeiro e que é confrontada no seu dia-a-dia com situações de extrema violência com crianças que são vítimas da droga e do tráfico e acolhe estas crianças, luta por um futuro melhor e depois acaba por criar uma associação. É uma história de solidariedade e que fala na importância da infância, destes menores que estão sujeitos a uma grande vulnerabilidade social.

No fundo é essa mensagem de esperança que pretendem passar para o público que vai acompanhar esta mostra ao longo destes quatro dias.

A mensagem basicamente é a diversidade da América Latina, as muitas realidades em que cada filme é um filme e apresenta particularidades do seu país mas com essa capacidade de esperança, de renovação, a importância da memória. O nosso presente só existe em função dum passado e é importante mostrá-lo.

_
Mostra de Cinema da América Latina :